Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual ou quais os diminutivos das palavras terminadas em -ança, como vingança, lança, esperança, perseverança, poupança, vizinhança, confiança, etc.

Resposta:

Palavras como as mencionadas na pergunta, isto é, palavras terminadas em -o (masculinas) ou em -a (femininas), podem formar diminutivos pela adjunção tanto do sufixo -inho como do sufixo -zinho. Nota-se, contudo, uma tendência das palavras com mais de três sílabas, para construir diminutivos com -zinho (ver Diminutivos de polvo):

(1) persiana > persianazinha, ?"persianinha"1

As palavras formadas com o sufixo em -ança, cujo diminutivo mantém o género feminino mediante as formas -inha e -zita, parecem não fugir a esta tendência. Com efeito, se a lança (duas sílabas) fazemos corresponder lancinha ou lançazinha, já nos restantes casos (três ou mais sílabas) são mais correntes as formas em -zinha: esperançazinha, perseverançazinha, poupançazinha, vizinhançazinha, confiançazinha. Não há, portanto, uma regra para a formação de diminutivos das palavras terminadas em -ança.

1 Considero que palavras como persiana ou confiança têm quatro sílabas, embora em pronúncia rápida elas possam soar como trissílabos.

Pergunta:

Que palavra designa a pessoa que dá o nome a uma escola, biblioteca, etc.? Na escola do meu filho, a pessoa que dá o nome é considerada o patrono, está correcto?

Resposta:

É correcto na medida em que se trata do uso da legislação em vigor no ensino não superior em Portugal. Com efeito, pode ler-se no Decreto-Lei n.º 299/2007:

«A inclusão na denominação do estabelecimento de ensino de um nome de um patrono ou outro nome alusivo à região onde a escola se insere, nos termos da alínea b) do n.º 1, é facultativa [...].»

Ou seja, há personalidades (patronos) cujo nome é ou pode ser a denominação de um estabelecimento de ensino. Refira-se, aliás, que um patrono é, segundo o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, uma «personalidade notável sob a protecção ou patrocínio da qual se coloca uma pessoa, uma entidade...».

Pergunta:

Podemos considerar a palavra roldana uma palavra da família de roda?

Resposta:

De uma maneira indirecta, sim, se tivermos apenas em conta a etimologia de roldana. Segundo o Dicionário Houaiss, roldana surgiu em português por empréstimo da palavra espanhola roldana, «polé», por sua vez adaptação do catalão antigo rotlana (rotllana, actualmente), também com o significado de «polé», palavra derivada de rotle, «rolo». Este termo catalão evoluiu do latim rotŭlus,i, «rolo, cilindro», derivado de rota,ae, «roda». E foi precisamente de rota, ae que evoluiu roda. Concluindo, apesar da história sinuosa de roldana, podemos considerar esta palavra ainda como membro da família de palavras de roda — mas, note-se, estamos a falar de uma "prima" afastadíssima.

Pergunta:

Gostava de saber se: 1) tem fundamento ou/e 2) é correcto aplicar refeição com o sentido de recuperar ou reabilitar um telhado. É este o significado pretendido no contexto da frase em que foi aplicado por um ex-emigrante português em França.

Obrigado.

Resposta:

Em português, a palavra refeição aplica-se apenas ao momento em que se come ou à comida que é ingerida nesse momento. Usá-la em lugar de reparação é galicismo, porque existe em francês a palavra réfection com o mesmo sentido. Refira-se que o francês repas é o equivalente do português refeição. Diga-se ainda que esta confusão é um caso dos tradicionalmente chamados «falsos amigos» na aprendizagem de línguas estrangeiras e em situações de bilinguismo.

Pergunta:

Como os senhores avaliam o acordo quanto à dupla grafia de palavras como, por exemplo, puré, purê, adoção, por empréstimo, do francês purée? Parece-me que o que ampara a existência da dupla grafia é o respeito à fala regional, diatópica.

No caso do Brasil, que no seu regionalismo linguístico registra, também, em dicionário, a palavra pirê, sob provável cruzamento com pirão, do tupi, como lidaríamos com uma tripla grafia em sala de aula ou em formação de professores da língua portuguesa?

O Acordo não desrespeitaria, no tocante às prescrições da dupla grafia, à variação regional interna dos países ao fixar unicamente as duas formas puré e purê?

E do ponto de vista cultural isso não é ruim para o Brasil e também para Portugal?

Um abraço cearense.

Resposta:

A forma pirê não se encontra ao mesmo nível que a alternância ou facultatividade entre puré e purê. Pirê é um brasileirismo que deve ter entrada própria num dicionário. Não é, portanto, uma variante gráfica que se soma à alternância puré/purê.

Em contrapartida, as formas puré e purê são variantes fonéticas e gráficas da mesma palavra e, por isso, deverão ser contempladas na mesma entrada lexicográfica. Estas variantes enquadram-se pelo princípio da dupla acentuação que, explica o anexo II da legislação portuguesa ao Acordo Ortográfico de 1990, surgiu «como a solução menos onerosa para a unificação ortográfica da língua portuguesa». O referido anexo esclarece ainda o seguinte sobre o sistema de acentuação gráfica (bases VIII a XIII):

«2.3. Encontramos igualmente nas oxítonas [v. base VIII, 1.º, a), obs.] algumas divergências de timbre em palavras terminadas em e tónico, sobretudo proveniente do francês. Se esta vogal tónica soa aberta, recebe acento agudo; se soa fechada, grafa-se com acento circunflexo. Também aqui os exemplos pouco ultrapassam as duas dezenas:

bebé ou bebê, caraté ou caratê, croché ou crochê, guiché ou guichê, matiné ou matinê, puré ou purê; etc. Existe também um caso ou outro de oxítonas terminadas em o ora aberto ora fechado, como sucede em cocó ou cocô, ou .

A par de casos como este há formas oxítonas terminadas em o fechado, às quais ...