Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nesta vossa resposta datada de 04/02/09, diz-se que ideia rima com aldeia, assembleia rima com epopeia, etc.

Peço desculpa, mas sempre ouvi pronunciar na minha zona, "idéia", "assembléia" e "aldêia" e "epopêia".

Agradeço um esclarecimento.

Resposta:

O consulente tem razão na medida em que há variação da pronúncia do <e> da  sequência <eia> em palavras como ideia, assembleia, aldeia e epopeia. Por exemplo, há falantes que lêem ideia com um é aberto. Mas, em relação a  ideia e assembleia, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa só regista a pronúncia com ditongo "ei", como em madeira; o ditongo transcrito é o da pronúncia-padrão, que é "âi" (transcrição fonética [ɐj]). A palavra aldeia é transcrita com o mesmo ditongo.

Quanto a epopeia, a pronúncia brasileira tem é aberto, e era por isso que, antes da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990 no Brasil, se escrevia epopéia neste país. No entanto, a pronúncia-padrão portuguesa é também com "âi" (ver o referido dicionário da Academia).

Tudo isto não impede a variação entre os falantes do português europeu, e não obsta a que as pronúncias descritas pelo consulente possam ser também aceites.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem uma dúvida.

Coloca-se ou não vírgula em «quer... quer»?

No vosso site, tanto dizem que sim como não:

«2) E... e, nem... nem, quer... quer, ou... ou são conjunções coordenativas que coordenando separam os elementos da frase. Não necessitam, pois, de mais um elemento de separação: a vírgula», T. A., 22/06/1998.

«A conjunção quer deve ser precedida de vírgula, quando liga orações: "Tens de trabalhar muito, quer vás para a Faculdade de Letras, quer (vás) para a Faculdade de Ciências"», José Neves Henriques, 19/03/2003 (tenho noção que nesta resposta estavam a referir-se à vírgula que precede a expressão, mas no exemplo colocam também vírgula entre "quer... quer...").

«Este uso é confirmado por Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1997, pág. 576), que inclui ora nas conjunções alternativas, às quais também pertence quer («quer..., quer...»)», Carlos Rocha, 26/07/2007.

Muito obrigada.

Resposta:

A locução conjuntiva alternativa ou disjuntiva quer... quer... pode ligar orações ou elementos da mesma oração. Se liga orações, usa-se com vírgulas, colocadas antes das duas ocorrências de quer:

(1) «De qualquer jeito, quer viaje de carro, quer [viaje] de avião, ele vai» (Dicionário Houaiss)1

(2) «Quer chovesse, quer fizesse sol, tinha de sair.» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa)

Se liga elementos da mesma oração, é facultativo o emprego de vírgulas antes de qualquer uma das duas ocorrências de quer:

(3) «Chora quer de dor, quer de saudade» (Dicionário Houaiss)
(4) «O artigo abordava assuntos quer políticos quer sociais.» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa)
(5) «O problema para a Polícia é a presença externa, quer de grupos oriundos de várias cidades espanholas, quer de grupos oriundos do estrangeiro» (João Andrade Peres e Telmo Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 443).

1 A frase foi retirada do Dicionário Houaiss, que a dá como exemplo de conjunção alternativa que «liga orações do mesmo nível sintático, mantendo entre elas uma relação de alternância». Acrescentei entre parênteses rectos a forma verbal viaje, que não ocorre na segunda por elipse.

Cf. Queria? Já Não Quer? Mitos e Disparates da Língua Portuguesa

Pergunta:

Gostaria de saber o significado do seguinte provérbio:

«Pedra movediça não cria bolor.»

Resposta:

No Dicionário de Provérbios Francês-Português-Inglês, de Roberto Cortes de Lacerda et al. (Lisboa, Contexto Editora, 2000) registam-se as seguintes versões do provérbio:

a) «Pedra movediça não ajunta musgo.»

b) «Pedra que muito rola não cria bolor.»

c) «Pedra que rola não cria limo.»

d) «Pedra queda não cria musgo.»

e) «Pedra roliça não cria bolor.»

A versão apresentada pela consulente é variante de b) e e).

Todas estas versões do provérbio, independentemente de nelas ocorrer bolor, musgo ou limo, são interpretadas da mesma forma no referido dicionário: «tal como o musgo não tem tempo de se formar sobre um pedra em movimento, assim a versatilidade e a inconstância, que não permitem capitalizar bens, saber, sabedoria».1

Não obstante, tendo em conta que nas versões b) e e) bolor designa o fenómeno de decomposição causado por fungos, dir-se-ia que o provérbio pode significar «quem está constantemente activo não estagna, não decai». Nesta interpretação, sugere-se uma valorização positiva das ideias de movimento e mudança.

1 Original em francês (idem): «Comme la mousse n´a pas le temps de se former sur une pierre en mouvement, ainsi versatilité et inconstance empêchent de capitaliser biens, savoir, sagesse.»

Pergunta:

Quais são as palavras, em português, correspondentes ao inglês font e typeface?

Resposta:

Na linguagem da informática, existe a adaptação fonte, a que o Dicionário Houaiss atribui as seguintes acepções:

a) «conjunto completo de letras, números, sinais tipográficos e caracteres especiais com características tipográficas comuns»;

b) «conjunto de todas as mensagens que podem vir a ser transmitidas num determinado sistema».

É também fonte a palavra correspondente a font no Novo Dicionário de Termos Técnicos Inglês-Português de Eugênio Fürstenau (São Paulo, Editora Globo, 2003).

Contudo, o Dicionário Houaiss regista fonte como sinónimo de família, termo das artes gráficas definido como «conjunto de tipos que apresentam em seu desenho as mesmas características básicas».

Quanto a typeface, o Dicionário Verbo/Oxford de Inglês-Português dá-o como equivalente a tipo e letra (no sentido de «tipo de letra»).

Pergunta:

Gostava de conhecer a origem do topónimo Campeã, nome da minha freguesia, distrito e concelho de Vila Real. Com base na primeira referência escrita de 1091 (Diplomata e Chartae, n.º 764) em que aparece «... mons Campellana...» a maior parte das pessoas associam-na a campo + plana. No entanto, esta explicação não me convence, pois campos é masculino, e plana é feminina.

Agradecia muito que me dessem a vossa opinião.

Resposta:

Campeã (Mondim de Basto, Vila Real) tem origem em Campelana, adjectivo derivado do nome próprio Campelus, que designava o termo villa (villa campelana; cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Existe também Campanhó (Vila Real), que também deriva de Campelus, mediante a forma Campelana (que deu, como se disse, Campeã) e depois *Campelanola (idem). É igualmente de mencionar Campeães (Pena , Vila Real), que, segundo A. de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa, Arouca, 1999, pág. 131), se desenvolveu igualmente de Campelus, mas através da adjunção de sufixo diferente, -anis, donde Campelanis.

Julgo, portanto, que a etimologia «campo + plana» não é de aceitar, porque Campeã parece ser o resultado da queda de -l- e -n- simples intervocálicos (Campelana > Campeãa > Campeã). Sobre Campelus, as fontes consultadas não lhe desvendam a origem, limitando-se a tratá-lo como nome latino-cristão, com a variante Campilus [cf. Fernandes (op. cit.)].