Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A expressão de calão «estar na boa» tem um diminutivo, que lhe dá um significado ainda mais descansado. Como é que se escreve? «Estar na "boinha"» ou «estar na "boínha"»? Tenho procurado muito, mas não encontro.

Agradeço-vos desde já a vossa ajuda.

Resposta:

A grafia correcta é boinha, porque palavras graves (ou paroxítonas) que tenham um i ou um u tónicos, precedidos de uma vogal com que formem hiato, dispensam acento agudo se essas letras forem seguidas de n + consoante (ainda, constituinte) ou de nh (rainha, moinho). Recomenda-se a consulta do Acordo Ortográfico de 1945 (Base Analítica XIX), Formulário Ortográfico de 1943 e do novo Acordo Ortográfico(n.º 2 da Base X). De todos estes documentos, parece-me que, a respeito destes casos, o mais claro é o Formulário Ortográfico, que esteve em vigor no Brasil até 2008 e que cito (Base XX, regra 4.ª):

«Não se coloca o acento agudo no i e no u quando, precedidos de vogal que com eles não forma ditongo, são seguidos de l, m, n, r ou z que não iniciam silabas e, ainda, nh: adail, contribuinte, demiurgo, juiz, paul, retribuirdes, ruim, tainha, ventoinha, etc.»

Pergunta:

Cada vez mais frequentemente ouço pessoas desejarem umas às outras, à despedida: "Continuação" ou mesmo "Boa continuação". Entendo que se trata de abreviar a formulação de um desejo de continuação de bom dia, de bom fim-de-semana, etc., mas será correcto dizer-se assim? Parece-me não ter sentido!

Aproveito para agradecer, mais uma vez, o facto de existirem e de trabalharem em prol da língua portuguesa.

Resposta:

Trata-se de uma expressão recente do português europeu usada em contexto informal, o que permite certas liberdades, como a omissão (elipse) do que se deseja continuado, por exemplo, melhoras, êxitos ou uma viagem. O emprego de continuação sugere também que, mediante esta fórmula, quem se despede exprime o desejo de que continue o que é bom ou que nada afecte o equilíbrio de alguém; daí, o recurso ao adjectivo boa em boa continuação.

Como avaliar a correcção destas expressões? São coloquialismos da moda que podem ou não fixar-se como outras fórmulas de despedida. Seja como for,  considero que, por enquanto, noutras situações, estas expressões são de evitar.

Pergunta:

Qual o significado conotativo e denotativo do provérbio «Burro velho não toma andadura»?

Resposta:

Se tiver em conta o que já se disse sobre denotação e conotação no Ciberdúvidas, depressa chegará à conclusão de que, para o caso vertente, denotação se confunde com sentido literal, e conotação, com sentido figurado. Se tomar o provérbio à letra, obterá a seguinte paráfrase, que tem valor de simples constatação: «um burro que seja velho não consegue andar muito tempo ou tem dificuldade em manter andamento». De modo figurado, terá de projectar o provérbio sobre situações de âmbito geral, recorrendo a uma leitura metafórica: «a idade faz-nos perder a agilidade física e mental, tornando-nos mais lentos e menos resistentes, logo menos receptivos a novidades.»

Já agora, refira-se uma variante um pouco mais extensa, que reforça a mensagem de que, com a idade, vem também a perda de resistência física e o aumento da resistência a novos estímulos: «Burro velho não toma andadura e se a toma pouco dura» (cf. José Pedro Machado, O Grande Livro dos Provérbios, Lisboa, Editorial Notícias, 2005; ver também Gabriela Funk e Mattias Funk, Dicionário Prático de Provérbios Portugueses, Lisboa, Edições Cosmos, 2008). Em suma, o provérbio em apreço é muito próximo deste outro, mais corrente em Portugal e centrado na perda de agilidade intelectual e/ou emocional: «Burro velho não aprende línguas.» Mas são coisas que se dizem, e nos tempos de hoje o "burro", mesmo velho, toma sempre "andadura".

Pergunta:

Conheço desde sempre a palavra falada (termo) "ocharia" ou "oxaria" ou "oucharia" para significar «qualquer coisa que está à venda por um preço muito baixo». Vim hoje a descobrir que não consigo encontrar esta palavra no dicionário. Pergunta: 1) a palavra existe? 2) Se existe, como é que se escreve corretamente?

Obrigado.

Resposta:

Guilherme Augusto Simões, no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, confirma o uso da forma ucharia na acepção referida pelo consulente:

«Coisa considerada muito barata; pechincha [...]; coisa rendosa [...]»

Mas há mais significados:

«como era conhecido antigamente, em Évora, o conjunto de utensílios de cozinha tais como: facas, espetos, tachos de cobre ou latão e outros objectos de arame; na Vidigueira eram denominados os "Ocharia" [...], nas casas reais a ucharia era o local onde se guardavam os géneros alimentícios; abundância; fartura.»

Pergunta:

Numa tradução de francês para português surgiu o vocábulo marxisant, que gostaria de saber se a sua correspondência em português será "marxizante" ou "marxisante"? Ou será correcto utilizar os vocábulos marxismo e/ou marxiano?

Muito obrigada.

Resposta:

Marxizante é adjectivo estreitamente ligado ao verbo marxizar, «tornar marxista» ou «tornar próximo do marxismo». Marxismo e marxiano são formas que têm a mesma base de derivação, que é o nome próprio Marx (filósofo alemão, 1818-1883).

Note que, em francês, o sufixo verbal correspondente ao português -izar é -iser, com s. Do mesmo modo, os adjectivos que em português são formados com o sufixo -izante, em francês, aparecem como -isant: arcaizante, archaïsant.