Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existem em português interjeições correspondentes às inglesas [que se seguem]:

WoohoohoohooHOO!, burro a berrar por estar assustado;

WAAAAAH!, gato a fazer um barulho semelhante ao choro;

Mrrrrow!--- meeaOOOW… RaaaAAAAH!, sons dos gatos [a parte do meio não será tão complicada, porque temos o nosso miau, e talvez no início se possa fazer algum com "ronron").

E a interjeição de choro (humano), qual é?

Muito obrigada pela atenção e parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

Sem entrar em grandes considerações, proponho que as formas que representam sons de animais são onomatopeias, enquanto as que dizem respeito ao choro humano se aproximam das interjeições. Socorro-me de duas definições disponíveis no Dicionário de Termos Linguísticos (consultar a Associação de Informação Terminológica):

«[Onomatopeia] Palavra criada a partir da imitação de um ruído natural. A onomatopeia, ou criação onomatopaica, distingue-se da imitação não linguística por se compor de segmentos fonéticos integrados no sistema fonológico de uma dada língua.»

«[Interjeição] Classe de palavras que não é produtiva, que não estabelece relações sintácticas com outras classes, e cuja função é exclusivamente emotiva. É uma palavra invariável que constitui, por si só, uma frase.»

A não ser o estudo Subsídio para o Estudo das Onomatopeias em Português, publicado em 1936 por Rodrigo de Sá Nogueira, não conheço inventários exaustivos e estáveis das interjeições e das onomatopeias em português europeu contemporâneo. O material a que tenho acesso está em páginas da Internet e, ainda que interessante, parece-me tomar opções discutíveis, sobretudo do ponto de vista dos hábitos fonéticos e gráficos da língua portuguesa na sua globalidade. Mesmo assim, consciente das limitações desta resposta, apresento as seguintes sugestões:

1. WoohoohoohooHOO!” (burro a berrar por estar assustado)

Não conheço outra onomatopeia do animal em causa que não sejam "him-hã" ou "him-hom", que, apesar de se me afigurarem tradicion...

Pergunta:

Qual é função do pronome o na frase seguinte e por que ele faz tal papel sintático? «Pediu que lhe fornecessem papel de carta e que lhe restituíssem caneta, o que lhe foi concedido.» Desde já, obrigada pela atenção.

Resposta:

Há, fundamentalmente, duas posições sobre a análise do elemento o quando ocorre na expressão «o que» :

a) é um pronome demonstrativo («o que mais jura mais mente» = «aquele que mais jura mais mente»; ver Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, págs. 468/469);1

b) o que forma um todo e é um pronome relativo (ver Textos Relacionados).

Em termos gerais, perante a análise em a), direi que o não desempenha função sintáctica na oração introduzida por que (oração relativa), mas sim na oração precedente (oração subordinante). Optando pela análise b), é a expressão o que que tem uma função sintáctica na oração relativa.

No entanto, é preciso assinalar que a frase em análise inclui uma oração relativa de frase,porque «o que lhe foi concedido» exprime uma propriedade acerca da situação referida por uma frase «Pediu que lhe fornecessem papel de carta e que lhe restituíssem caneta» e reporta-se, em particular, ao conteúdo das duas orações subordinadas completivas que estão coordenadas, isto é, «que lhe fornecessem papel de carta e que lhe restituíssem caneta». Neste tipo de relativas não é possível interpretar o como um demonstrativo, como se vê no seguinte exemplo (o asterisco indica agramaticalidade):

(1) «Pediu que lhe fornecessem papel de carta e que lhe restituíssem caneta, *aquele/*aquilo que lhe foi concedido.»

Neste contexto, resta-me concluir que o que constitui um pronome relativo, desempenhando, por isso, funções sintáctivas como um todo. Como o verbo (na passiva: «foi concedido») concorda com o que, conclu...

Pergunta:

Somos uma associação sem fins lucrativos cuja área de actuação corresponde ao distrito de Portalegre.

A nossa dúvida é se somos uma entidade do «Norte Alentejo» ou do «Norte Alentejano».

Obrigado desde já pela atenção dispensada.

Resposta:

A região em causa tem as designações «Norte do Alentejo» ou «Norte alentejano», assim como se diz «Norte de Portugal» e «Norte português». Como estamos a falar da denominação de uma associação, parece-me adequado que se escreva também «Norte Alentejo», com iniciais maiúsculas, constituindo o par substantivo-adjectivo um nome próprio. Se optarem por "Norte Alentejo", é preferível juntarem um hífen, para indicar que o segundo substantivo, Alentejo, modifica o primeiro, Norte: «Norte-Alentejo».

Pergunta:

Com a nova reforma ortográfica, como se escrevem "preaquecer" e "preaquecimento"? Sem hífen ou com hífen? Pela reforma, se as vogais do prefixo e da palavra são diferentes, não se usa hífen. Mas várias pessoas escrevem com hífen. Qual é o certo?

Grato pela atenção.

Resposta:

A obra Vocabulário — As Palavras Que Mudam com o Acordo Ortográfico, do ILTEC, edição da Editorial Caminho, diz que «O uso do hífen é mais restrito no novo Acordo e as regras mais sistemáticas». Depois, regista «as palavras que mudam», mas não acolhe preaquecer ou preaquecimento, o que quer dizer que são palavras que se mantêm inalteradas, com a grafia registada, por exemplo, no Dicionário Eletrônico Houaiss: preaquecer («aquecer previamente») e preaquecimento («ato ou efeito de preaquecer»).

Cabe, no entanto, referir que pre- tem uma forma tónica, pré-. Esta forma tónica usa-se antes de um segundo elemento com «vida à parte», segundo a Base XVI, 1, alínea f) do Acordo Ortográfico de 1990:

«Nas formações com os prefixos tónicos/tônicos acentuados graficamente pós-, pré- e pró-, quando o segundo elemento tem vida à parte (ao contrário do que acontece com as correspondentes formas átonas que se aglutinam com o elemento seguinte): pós-graduação, pós-tónico/pós-tônicos (mas pospor); pré-escolar, pré-natal (mas prever); pró-africano, pró-europeu (mas promover).»

Pergunta:

Nas atividades de engenharia de reservatório é utilizado o termo "deplecionar" ou "depleção" do reservatório para relacionar o nível de água do mesmo. Nos dicionários o termo "depleção" é para redução de sangue em corpo (relacionado ao corpo humano). Não encontrei nenhuma referência a esse uso feito, a não ser pela origem do termo em inglês. Está correto usar essa palavra?

Aguardo resposta.

Resposta:

Parece-me correcto o uso dos termos apontados, embora seja necessário fazer algumas considerações. Os dicionários gerais consultados limitam o uso de depleção à medicina e à electrónica. Por exemplo, o Dicionário Houaiss regista depleção nas seguintes acepções:

«1 Rubrica: patologia. perda de elementos fundamentais do organismo, esp. água, sangue e eletrólitos (esp. sódio e potássio)
2 Rubrica: medicina. Diacronismo: obsoleto. ato ou processo de extração de um fluido (p. ex., o sangue)
3 Rubrica: medicina. Diacronismo: obsoleto. estado ou condição de esgotamento provocado por excessiva perda de sangue
4    Rubrica: eletrônica. em um material semicondutor, medição da densidade de portadores de carga abaixo do seu nível e do nível de dopagem em uma temperatura específica»

A forma "deplecionar" não está dicionarizada, mas é possível, como verbo derivado de substantivo (verbo denominal).

Noutro contexto, consultas na Internet indicam-me que quer depleção quer "deplecionar" estão em uso em áreas especializadas, por exemplo, em engenharia hídrica ou dos recursos hídricos (sublinhados meus):

«depleção: diferença entre os níveis d´água [sic]1 máximo e mínimo operativos num reservatório, para um determinado instante.» (http://cursos.anhembi.br/TCC-2004/Trabalhos/044.pdf, em 23/03/09)

«RECESSÃO Período de descarga decrescente representado pelo ramo descendente da hidrógrafa, a partir do ponto correspondente à vazão máxima. Em particular, a porção mais baixa desse ramo descendente (depleção), que reflete a diminuição da descarga originária dos reservatórios subterrâneos.» (em