Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se a forma adequada é «um par de sapato» ou «um par de sapatos» e se, nesse caso, «de sapatos» pode ser classificado como adjunto adnominal ou complemento nominal.

Grata.

Resposta:

A forma correcta é «um par de sapatos», com «sapatos» no plural. À luz da Nomenclatura Gramatical Brasileira, a expressão «de sapatos» é um complemento nominal, uma vez que completa o sentido do substantivo par: «um par de», como equivalente a dois, requer normalmente ser especificado em relação à entidades a que se refere («um par de meias» = «duas meias»). Sem complemento, «um par» é o mesmo que «duas pessoas» e não requer complemento: «Fazem um bonito par.»

Pergunta:

Gostaria de saber se as palavras Deus, Anjo e Alma são consideradas substantivos concretos ou abstratos.

Resposta:

Os substantivos Deus (ou deus), Anjo (ou anjo) e Alma (ou alma)1 são tradicionalmente incluídos na subclasse dos nomes concretos. Não serão abstratos porque não designam «uma ação, um estado ou uma qualidade, considerados independentemente da classe de objetos ou seres a que se refere», citando a definição de substantivo abstracto no Dicionário Houaiss. Trata-se, portanto, de designações de entidades às quais se associam acções, estados e qualidades, pelo que estamos perante substantivos concretos.

No entanto, gostaria de assinalar que o Dicionário Houaiss levanta um problema interessante quanto à ambiguidade dos termos concreto e abstrato: substantivo concreto é definido como um «substantivo real», e substantivo abstrato, como «substantivo imaginário». Se a questão se coloca entre saber o que é imaginário e real, fácil é de ver que uns dirão que as palavras em foco são substantivos concretos («Deus, os anjos e as almas são reais»), enquanto outros os considerarão abstratos, porque lhe dão um estatuto imaginário. No contexto da educação religiosa e entre quem seja crente, as palavras em discussão são tão concretas e reais como o pão quotidiano. Numa perspetiva não-religiosa, aceita-se que os substantivos Deus/deus, anjo e alma sejam quer concretos quer abstratos.

1 As palavras em causa podem ser nomes próprios, com maiúscula inicial (Deus, Anjo e Alma), se são substantivos que designam indivíduo de uma classe ou categoria (Dicionár...

Pergunta:

Antes do mais, quero-vos agradecer a grande ajuda que este espaço de informação supõe para mim, pois sou uma espanhola que adora a língua portuguesa e que precisa dela no dia-a-dia para trabalhar, mas que ainda tem muito por aprender.

Até agora não encontrei nada melhor. Obrigada.

Uma das minhas dúvidas é a diferença entre «problema na/no» e «problema da/do».

Por vezes não consigo saber qual é que tenho de usar, por ex.:

— O problema das picagens de Fevereiro está resolvido.

— O problema nas picagens de Fevereiro está resolvido.

Gostava de saber se existe alguma regra ou se alguma das formas apontadas está errada.

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, obrigado pelas palavras iniciais.

Ambas as frases estão correctas. Não se trata de uma diferença entre regras, mas de maneiras de ver uma situação, com reflexo na selecção das preposições. A paráfrase de cada frase indica isso:

(1) «O problema das picagens de Fevereiro está resolvido.» = «O problema relativo às picagens...»

(2) «O problema nas picagens de Fevereiro está resolvido». = «O problema que existe nas picagens...»

É provável que casos como este também se verifiquem em espanhol e noutras línguas.

Pergunta:

Gostaria de saber se existem equivalências para os termos estrangeiros abaixo, e como são usados em Portugal:

shopping, happy hour, freezer, self-service, telemarketing, stress e fashion.

Por exemplo: mouse é usado no Brasil na forma original (inglês). Em Portugal sabemos que se diz rato. Podem me ajudar em relação aos demais termos? Esta informação é para desenvolver um trabalho de pesquisa sobre estrangeirismos.

Parabenizo pelo site, ou melhor, sítio e agradeço.

Resposta:

Shopping: no sentido de «shopping centre», usa-se centro comercial.

Happy hour: no contexto da restauração, não tem termo equivalente em português europeu.

Freezer: congelador e arca congeladora, no padrão do português europeu, mas nos Açores é corrente a adaptação "friza".

Self-service: sem termo equivalente em português europeu.

Telemarketing: sem termo equivalente em português europeu.

Stress: é corrente a forma inglesa. O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa propõe stresse, sem êxito. Muitos críticos deste dicionário consideram preferível recorrer à forma brasileira, estresse.

Fashion: usa-se em títulos de festivais e certames, mas, como substantivo comum, é substituído por moda.

Pergunta:

Encontrei nesta semana uma página da Internet que se destina a resolver as dúvidas do português e nela li uma frase que me deixou surpreso. Penso que o autor em questão está errado, mas gostaria de ter a vossa confirmação. A frase em questão é:

«A crase não é considerada acento. Também não deve ser utilizada no lugar do verbo haver, como tenho visto muito:

À muito tempo atrás... ERRADO!!!

(o correto é "há muito tempo atrás")»

O endereço electrónico de onde foi retirada a frase é: http://www.ffsol.org/portal/texto.php?idff=1652

Muito obrigado.

Resposta:

O termo crase é usado na terminologia gramatical brasileira numa acepção fundamental (Dicionário Houaiss):

«contração da preposição a com o artigo a ou com o pronome demonstrativo (à = a + a; àquele = a + aquele; àquela = a + aquela; àquilo = a + aquilo

Mais especificamente, crase é:

«a contração da preposição a e o artigo a (ou no pl.: as), grafada à, às, e seu emprego na língua escrita (já que na fala essas formas ger. não se distinguem)
Ex.: <erra muito em c.> <fez muito erro de c.>»

Por extensão de sentido, pode significar ainda «o acento grave que marca na escrita a contração».

Por conseguinte, considerar que crase é equivalente a acento grave pode não estar tão errado assim, pelo menos, no Brasil.