Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Cultíssimo quão atenciosíssimo consultor Carlos Rocha,

Confesso-lhe que não conhecia as palavras farelhão e sua variante farilhão, mas como diz o ditado: viver, viver; aprender, aprender.

Depois de as ter conhecido, mercê dos seus ensinamentos, percebi, consultando alguns dicionários, que as palavras supermencionadas podem significar, além de "ilhota escarpada e pequeno promontório", como mostrou V. Sa., também "certo tipo de abrolhos". Esta última é do Novo Dicionário Eletrônico Aurélio, versão 5.0. Quais seriam esses abrolhos chamados de farelhões? O léxico não esclarece de forma inequívoca se são os que estão em alto mar, longe de qualquer costa, ou também aqueles próximos a algum litoral, porém dá uma pista que indica que são pelo menos aqueles escolhos próximos da costa, ao transcrever, como exemplo, o seguinte verso do meu patrício o poeta Alberto de Oliveira: «Nisto, de encontro aos farelhões da costa,/ Ruge, rimbomba, anseia, estala o oceano...» (in Poesias, 1.ª série, p. 102.).

Como não está claro, peço a V. Sa. que me diga se farelhão/farilhão é apenas um abrolho próximo a um litoral ou também um que está em alto mar.

Também gostaria de saber se a etimologia de farelhão/farilhão é a mesma do espanhol farellón, o que também não ficou claro.

Seria interessante fazer um pequeno quadro comparativo dos significados de farallón, segundo um bom dicionário castelhano-castelhano, com...

Resposta:

Entre abrolho e farelhão, a diferença está em este ser mais alto que aquele, de acordo com a comparação das respectivas entradas no Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (em linha):

farelhão: «1. ilhota escarpada; 2. pequeno promontório»

abrolho: «1. BOTÂNICA planta da família das Zigofiláceas, que produz frutos espinhosos e é espontânea em Portugal; 2. fruto espinhoso dessa planta; 3. espinho de qualquer planta; 4. BOTÂNICA rebento; gomo; 5. ponta aguçada; pua; 6. rochedo sob a água, a pouca profundidade; 7. figurado contrariedade, dificuldade, obstáculo (De abre + olho, ou do lat. apèri ocùlos [sic], «abre os olhos»)»1

Note-se que as acepções 1 e 2 de farelhão e a acepção 7 de abrolho são confirmadas, respectivamente pelo Diccionario da Real Academia Galega e pelo Dicionário Houaiss (brasileiro):

farallón: «Rocha alta, moi próxima a costa, que sobresae moito mesmo na preamar.»2

abrolho: «Recife ou baixio perigoso para as embarcações; escolho.»

Acrescente-se que o dicionário da Real Academia Espanhola (RAE) atribui ao castelhano farallón duas acepções:

«1. m. Roca alta y tajada que sobresale en el mar y alguna vez en tierra firme. 2. m. crestón (‖ parte de un filón que sobresale del suelo).»3

Parecem-me legítimas as seguintes conclusões:

1. Em português, quer

Pergunta:

Disculpe o meu mal portugues (galeguizado). Perto da minha morada hai unha rua que se chama Falperra, i sei que a orixe do nome e o dunha cadea de montanhas na cibdade de Braga.

O que eu quissera saber é a etimoloxia, ou a orixe da palabra "falperra".

Muito obrigado.

Resposta:

Falperra é realmente o nome de serras das regiões portuguesas de Entre-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes, bem como nome de lugar nas mesmas regiões (Amares, Fafe, Guimarães, Paços de Ferreira e Vila Pouca de Aguiar), no norte dos distritos de Aveiro e Viseu (Arouca, Castelo de Paiva) e ainda no Sul de Portugal, em Mourão (Alentejo). José Pedro Machado considera a sua origem obscura (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa); e, rejeitando a hipótese de que derive de «Falsa Pedra», o lexicógrafo sugere «Fal(da) (da) perra», sem comentários.

Outra é a visão de A. de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa, Arouca, 1999, pág. 288/289), que vê o elemento Fal- como  evolução de palla, «abrigo rochoso» ou «edificação dolménica»1 e perra, como derivado do latim petrea, «de pedra». Falperra seria assim o mesmo que Palperra, forma que o referido autor não atesta, mas que permite presumir que fosse uma aglutinação de palla petrea, expressão pleonástica, já que significaria «abrigo rochoso de pedra».

A hipótese de Almeida Fernandes é plausível do ponto de vista semântico-referencial (as serras do Minho podem ser pedregosas e ter dólmenes), bem como no plano fonético, se pensarmos que, em posição inicial, há a alternância [p]/[f] quando comparamos dialectos portugueses e galegos: pechar (galego) ~ fechar (português). Mas a falta de abonações da passagem do hipotético *palla petrea a Falperra dei...

Pergunta:

Os dicionários da língua portuguesa, como, por exemplo, o Aulete Digital, Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0 e também o da Porto Editora em linha, deixam bem claro que a palavra copta, que designa, em geral, os cristãos jacobitas do Egito e da Etiópia e suas coisas, é substantivo e adjetivo comum de dois gêneros, sendo também, como nome da língua copta, substantivo masculino.

Por outro lado, quanto à palavra copto, também do nosso idioma, se diz apenas que é adjetivo e substantivo masculino. Dizendo-se apenas adjetivo, faz supor que se flexione quanto a gênero e número. Sendo assim: «mitra copta», «hino copto», «crianças coptas», «bispos coptos». Como masculino, seria a língua deles. Assim: «O copto é o idioma litúrgico dos coptas.» O mencionado Aulete Digital acrescenta que no plural seria também substantivo masculino, do que deduzo que seria correto também dizer «os coptos do Egito», «os coptos da Etiópia».

Outrossim gostaria de saber se copto eventualmente poderia ser também substantivo com flexão de gênero, da seguinte maneira: «Boutros é um copto»; «Mariam é uma copta». E ainda: «O copto é trabalhador e inteiramente dedicado à família»; «As coptas são submissas aos seus maridos.»

Por último, seria correto dizer: «O copto é uma língua morta»? Ou seria correto apenas: «O copto é um idioma morto»? Copto, masculino, com idioma, também masculino. Ou copto também combina com língua, palavra feminina?

As muito para lá de seguras orientações do nosso Ciberdúvidas, por favor.

Muito obrigado perpetuamente.

Resposta:

Está certo tudo o que diz acerca do uso de copta, como adjectivo e substantivo dos dois géneros, e copto, adjectivo e substantivo masculino, que tem copta como forma feminina correspondente.

Quanto a haver restrições no uso de idioma e língua com a palavra copto, cabe observar que as duas frases propostas («o copto é uma língua morta» e «o copto é um idioma morto») estão correctas, porque a distribuição de idioma e língua não dependem do género atribuído aos nomes designativos de sistemas linguísticos, os quais são sempre masculinos. Por isso, assim como se diz que «o turco é uma língua viva/um idioma vivo»» e «o cachuba é uma língua moribunda/um idioma moribundo», também se dirá que «o copto/o copta é uma língua morta/um idioma morto».

Pergunta:

Quero o significado da palavra «incompatibilidade de tempo».

Resposta:

A expressão «incompatibilidade de tempo» é constituída por três palavras (incompatibilidade, de e tempo) e pode ser alternativa a outra expressão, «indisponibilidade de tempo». Penso que «incompatibilidade de tempo» é usada com certa impropriedade, porque o que se quer referir é a situação de alguém cuja ocupação ou cujos compromissos decorrem em horários não compatíveis com outras actividades; considero, portanto, descritivamente mais adequada a expressão «incompatibilidade de horário» ou «de horários». Quanto a «indisponibilidade de tempo», é, num registo mais formal, o mesmo que «falta de tempo».

Pergunta:

Sabem, por acaso, dizer-me qual a razão por que dizemos «toalha turca» ou simplesmente «turcos» quando nos referimos ao material de que são fabricadas sobretudo as toalhas de banho? Um colega turco, com quem falei, manifestou alguma estranheza, o que me faz parecer que falantes de outras línguas não utilizem esta denominação...

Obrigada.

Resposta:

Um consulente (Manuel Alves, engenheiro reformado, residente em Lisboa) enviou-nos a seguinte achega, que nos parece plausível, embora não a encontremos confirmada noutras fontes:

[...] A explicação é muito simples: diz-se turco para abreviar a expressão «pano turco».

A origem desta designação usada para referir este tipo de tecido de algodão felpudo e bastante absorvente deriva dos tecidos há muito conhecidos e usados na Turquia nos chamados "banhos turcos".

A Turquia possui uma longa tradição de banhos termais, daí a necessidade de ter desenvolvido este tipo de tecidos.»