Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Genserico (rei vândalo), pronunciado com o segundo e aberto, constitui mais uma das diárias evidências do analfabetismo da empresa Ideias e Letras (tradução e locução) que inquina o Canal de História (temático).

No que se refere aos nomes de alguns reis bárbaros, desde os meus 12-13 anos, lembro-me bem de que ouvi sempre os meus professores pronunciá-los como palavras graves (paroxítonas). Assim ensinaram-me a dizer Alarico, Teodorico, tal como Eurico, Frederico, julgo que correctamente.

Pasma-se como o asinino tradutor seguiu, julgo, a entoação anglo-saxónica. Estarei estes 60 anos todos em engano, ou será o Canal de História que tem razão?

Tenho uma certa urgência em tirar isto a limpo porque tenho um antigo colega da faculdade (CL) chamado Eurico e um inimigo de estimação Frederico…

Resposta:

Os nomes próprios portugueses de origem germânica são de facto palavras graves, não são palavras esdrúxulas.

Pergunta:

Venho por este meio esclarecer a seguinte dúvida: ouço muitos colegas de trabalho proferirem o nome Inosat, como "S" de satélite. A minha dúvida reside na fonética. Como o "S" está entre vogais, a fonética não é com o som de "Z"? Gostaria muito de obter a vossa ajuda.

Muito obrigada.

Resposta:

A forma Inosat, que designa uma empresa portuguesa de localização de veículos e gestão de frotas, é um acrónimo que inclui a truncação da palavra satélite. Para vincar bem que o elemento -sat remete para equipamento produzido pela empresa, a tendência é pronunciar a letra s como "ss". Além disso, como a empresa parece ter projecção em Espanha e noutros países, é compreensível que a referida letra seja lida com som surdo (o s de sol), como é inevitável em espanhol (língua em que casa soa "cassa") e aceitável noutras línguas (lembremo-nos do sistema de satélites Meteosat, pronunciado com s surdo). Cabe ainda referir que o acrónimo obtido não é conforme aos padrões ortográficos e morfológicos do português, o que reforça a sugestão de termo estrangeiro ou internacional. Sendo assim, parece-me que a pronúncia mais portuguesa de Inosat será certamente "inozate", sem que isso invalide esta outra — "inossate" —, que, aliás, é perfeitamente pronunciável em português europeu.

Pergunta:

«Obrigada pela amabilidade ao ter cedido o contacto?»

ou:

«Obrigada pela amabilidade em ter cedido o contacto?»

Resposta:

É possível empregar a preposição em a ligar um substantivo e uma oração de infinitivo:

(1) «Obrigado/a pelo cuidado em ter feito o depósito a tempo.»

(2) «Obrigada pela amabilidade em ter cedido o contacto.»

Mas amabilidade, como cuidado, pressupõe muitas vezes uma locução construída com o verbo ter («ter a amabilidade», «ter o cuidado»), seguida da preposição de e de uma oração de infinitivo: «A amiga da senhora teve a amabilidade de não lhe fazer perguntas sobre a morte do filho» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa; sublinhado meu). Por isso, na frase em análise, aceita-se a preposição de, muito embora amabilidade não ocorra como parte da referida locução:

(3) «Obrigada pela amabilidade de ter cedido o contacto.»

A frase (3) é parafraseável por: «Obrigada pela amabilidade que teve de ter cedido o contacto.» Note-se que em (2) e (3), a amabilidade é correspondente à acção descrita pela oração de infinitivo («ter cedido o contacto»).

Finalmente, «ao ter cedido o contacto» é também sequência legítima, querendo, porém, dizer algo ligeiramente diferente: «Obrigada pela amabilidade que teve ao ter cedido (= quando cedeu) o contacto». Neste caso, pode inferir-se que além da cedência de um conta{#c|}to também houve uma amabilidade (que não está descrita na frase).

Pergunta:

Minha filha irá nascer daqui a um mês e estou com uma dúvida a respeito do nome que eu escolhi: O correto é Késia, com s, ou Kézia, com z?

Obrigada, estou no aguardo da resposta.

Resposta:

Não encontro o nome em questão em nenhum dos dicionários de onomástica consultados. Mas numa página da Internet em inglês, acho Kezia e Keziah, como variantes do nome de uma figura bíblica, a segunda filha de Job. É também Keziah a forma atestada na Chave Bíblica da Confederação Evangélica do Brasil (Rio de Janeiro, 1955).

No entanto, nas duas edições da tradução da Bíblia por João Ferreira de Almeida (1628-1691)1, disponíveis no sítio da Sociedade Bíblica do Brasil, o que ocorre é Quezia (Job cap. 42, vers. 14):

«14 Chamou o nome da primeira Jemima, o da outra, Quezia, e o da terceira, Quéren-Hapuque.»

A forma Quezia segue a tradição ortográfica da língua portuguesa e indica tratar-se de palavra paroxítona, isto é, com acento tónico na sílaba -zi- (como se estivesse escrito "quezía"). São, portanto, estas a grafia e a pronúncia correctas do nome em português, e não "Késia" ou "Kézia".

1 É a primeira tradução da Bíblia para o português. Ver a Bíblia de João Ferreira Annes d´Almeida, de Herculano Alves [consultado em 31/03/09].

Pergunta:

A minha dúvida prende-se com o facto de ultimamente as juntas de freguesia passarem a chamar-se "Freguesia", e câmaras municipais, "municípios". Esta alteração prendeu-se com o facto de, nos Serviços de Finanças, as Juntas de Freguesia "Contribuintes" passarem-se a chamar «Freguesia de...» e suponho que os municípios a mesma coisa.

Ora a minha questão está na denominação do presidente do órgão executivo, será «Presidente da Junta de...», ou «Presidente da Freguesia de ...»?

Na minha opinião, a freguesia é governada pela junta de freguesia, e o presidente diz respeito ao órgão, logo será «Presidente da Junta de Freguesia» e não «Presidente da Freguesia».

Gostaria de saber a vossa opinião.

Espero ter sido esclarecedor na minha dúvida.

Obrigado.

Resposta:

A pergunta é mais sobre a conceptualização associada à terminologia das instituições de poder local em Portugal do que sobre elementos estritamente linguísticos. Seja como for, pela leitura da Constituição da República Portuguesa, reconheço que município não é o mesmo que câmara municipal, nem freguesia é o mesmo que junta de freguesia.

Assim, no contexto da lei máxima do Estado Português, município e freguesia são «categorias de autarquias locais» (definidas como «pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos», de acordo com o n.º 2 do artigo 235.º); câmara municipal e junta de freguesia, os órgãos executivos dessas autarquias (artigo 239.º). Acresce que os termos usados no título referente ao poder local (artigos 244.º a 248.º) são «junta de freguesia» e «assembleia de freguesia», como órgãos representativos da autarquia que se denomina freguesia. Mais adiante (artigo 255.º), ocorre a expressão «presidentes de junta de freguesia», o que é coerente com o que se diz no artigo 239.º:

«1. A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela responsável.

2. A assembleia é eleita por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos recenseados na área da respectiva autarquia, segundo o sistema da representação proporcional.

3. O órgão executivo colegial é constituído por um número adequado de membros, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia ou para o executivo, de acordo com a solução adoptada na lei, a qual regulará também o processo eleitoral, os ...