Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Antes de mais, muitos parabéns pelo site, pois tem sido muito útil.

Qual a expressão correcta para nos referirmos ao acto de descarregar a água do autoclismo na sanita depois de usada?

Muito obrigada pela atenção.

Cumprimentos.

Resposta:

Em português europeu, usa-se muito simplesmente descarga, como nos mostra o seguinte exemplo, recolhido na Internet; por exemplo:

«Utilize o autoclismo só quando for necessário; evite descargas desnecessárias.»

Pergunta:

Sendo certo que, no português europeu, se utiliza a palavra registo e não registro, gostaria de saber se as palavras daí derivadas devem ou não conter o r na última sílaba. Isto é, deve falar-se em «direito registal», ou em «direito registral»? Na linguagem jurídica, os autores europeus utilizam ambas as formas. Qual deve considerar-se mais correcta?

Resposta:

A forma consagrada no português europeu é registo, da qual se forma regularmente registal, conforme o modelo de outros adjectivos denominais (semana > semanal; prédio > predial; arquitectura/arquitetura > arquitectural/arquitetural). É também registo a forma fixada no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, o qual estabelece a grafia das palavras em harmonia com o Acordo Ortográfico de 1945, neste momento ainda vigente em Portugal. É de assinalar que Rebelo Gonçalves não omite a forma registro, mas aponta-a como variante preferida no Brasil. Do ponto de vista linguístico-normativo, não vejo, portanto, razão para se optar por «direito registral», e recomendo «direito registal» a quem fala e escreve português europeu.

Pergunta:

Por vezes quando ando pela zona norte do país, ouço as seguintes perguntas: «Estivésteis ontem em casa?», «Fôsteis ontem à mãe?», «Comêsteis bem?» Portanto, em vez de dizerem fostes, estivestes — 2.ª pessoa do plural. Gostaria de saber se será possível falar-se assim, já que, quando era miúda, questionei um professor de Português, e ele respondeu que tinha origens noutras culturas e que era aceitável.

Resposta:

Trata-se de formas dialectais, não aceites pela norma-padrão. Dado que as segundas pessoas do singular e dos plural do pretérito perfeito do indicativo não têm os mesmos sufixos flexionais que as formas homólogas dos restantes tempos verbais, verifica-se no português europeu não normativo uma tendência para as regularizar por analogia; é por isso que em vez de estiveste, foste, comeste se ouve "estivestes", "fostes", "comestes", e algo semelhante acontece a (vós) estivestes, fostes, comestes, que passam a ser "estivésteis", "fôsteis", "comêsteis". Trata-se não de «origens noutras culturas», mas, sim, de um caso de analogia linguística.

Pergunta:

Gostaria de esclarecer uma dúvida: «ao mesmo tempo (que?)» é uma conjunção? Se sim, é uma conjunção subordinativa?

Muito obrigada.

Resposta:

É uma locução conjuntiva. Como refere Maria Helena de Moura Neves, em Gramática de Usos do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2000, pág. 789), as locuções conjuntivas são conjunções compostas que «têm, normalmente, o elemento que como final». Entre outros tipos de elementos, estas locuções podem envolver advérbios (ibidem). Sendo assim, uma vez que a expressão «ao mesmo tempo» é classificada como locução adverbial e é funcionalmente equivalente a um advérbio (ver dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), é legítimo concluir que «ao mesmo tempo que» é uma locução conjuntiva. Também é locução conjuntiva subordinativa temporal, porque introduz orações subordinadas adverbiais temporais e é sinónima de enquanto, conjunção subordinativa temporal, como se ilustra nos seguintes exemplos:

«Come ao mesmo tempo que lê.» = «Come enquanto lê.»

Pergunta:

Qual a origem dos topónimos das seguintes povoações do concelho da Lousã: Mingachos, Papanata, Quatro Águas, Fiscal e Vilarinho?

Resposta:

Os breves comentários que se seguem apoiam-se no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. 

Mingachos

Topónimo com origem no plural do nome próprio Mingacho, usado como alcunha|apelido. Sobre este nome, Machado sugere três hipóteses sem optar por nenhuma:

a) derivado do substantivo comum mingacho, «espécie de cabaço com água em que se conservam vivos os peixes de água doce» ou «espécie de rede»;

b) «alusão ao nome de repovoadar medieval: Mem Cacho, Mem Gato ou semelhante»;

c) o italiano Minguacio.

Diga-se que Machado não esclarece a origem do nome italiano nem lhe atribui entrada.

Papanata

Não atestado. 

Quatro Águas

Não atestado, mas, sobre Quatro, Machado assinala: «ocorre em diversos topónimos, de que não me ocuparei especialmente, porque todos me parecem com origem e significações diferentes». Pode, contudo, imaginar-se que Quatro Águas tenha surgido inicialmente como designação de lugar onde havia quatro fontes, nascentes ou cursos de água. 

Fiscal

Além da Lousã, este topónimo surge também em Amares (Braga) e na província de Ourense (Galiza); é também nome de uma ilha na baía de Guanabara (Brasil). Machado dá conta de Fiscal se encontrar atestado em documentos da primeira metade do século XII como S. Michael de Fiscal, mas nada mais consegue...