Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Queria dar-vos conta do erro que se tornou cada vez mais frequente em Portugal e ao qual não ficaram imunes, na vossa abertura:

«Em Portugal, no passado dia 13 de Abril, a Associação de Professores de Português (APP), respondendo a um apelo dos deputados da Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República, apresentou publicamente uma proposta para aumentar "em" mais de 50 por cento o horário daquela disciplina entre o 5.º e o 9.º anos de escolaridade.»

Obrigada.

Resposta:

Não é certo que a ocorrência da preposição em no contexto em questão seja erro.

Napoleão Mendes de Almeida, no Dicionário de Questões Vernáculas (pág. 58), afirma que «aumentar algo em X» é incorrecto:

«Aumentar — Quando este verbo vem seguido de objeto direto (aumentar o capital, aumentar o valor, aumentar o patrimônio) e do quanto houve de aumento, este quanto vem expresso de várias formas: Aumentou a resistência com mais um batalhão — ... os que aumentam de novos cabedais o patrimônio comum. As mesmas variantes de construção podem aparecer em formas passivas: A qual ficou aumentada com mais de dois mil índios — Teve nova edição em 1794, aumentada de mil frases.

Pode algum aumentar em glória, em riqueza, em saber, mas irá aumentar de tantos por cento em popularidade, de tantos por cento em influência.

"Aumentar em 20%" é complementação estranhável, como estranhável é "reduzir em 20%". Corretamente expressas, estas deviam ter sido as notícias: "O Ministério da Indústria e do Comércio decidiu aumentar de 10 por cento o preço do quilo do café em pó." — "O fornecimento já foi reduzido de 25 por cento desde o início do embargo árabe" — "A Grã-Bretanha aumenta de 20% o preço da gasolina" — "A Polícia Militar do Estado terá seu efetivo aumentado de 18 494 homens, passando de 35 906 para 54 400 elementos" — "Aumentou de um centímetro o comprimento" (aumentou um centímetro no comprimento).»

Sucede, porém, que o parecer de Mendes de Almeida não é corroborado pelo seu compatriota Celso Pedro Luft, no Dicionário Prático de Regência Verbal (São Paulo, Editora Ática, 2003):

«aumentá-lo (de, em...)...

Pergunta:

Qual deverá ser o género da palavra checklist quando usada numa frase em português? Faz-se "um" ou "uma" checklist?

Grato.

Resposta:

O Dicionário Houaiss atribui o género feminino ao anglicismo checklist, o que se justifica, quando se verifica que a palavra inglesa significa «lista ordenada de operações que permite verificar o funcionamento de partes e dispositivos de um avião ou foguete antes da decolagem, durante o voo e depois deste». Ou seja, checklist é um termo em grande parte equivalente a lista, substantivo do género feminino em português. A atribuição do género feminino, isto é, do traço [+fem] aos anglicismos, segue, de resto, a tendência descrita por Tiago Freitas, Celeste Ramilo e Elisabete Soalheiro, em "O processo de integração dos estrangeirismos no português europeu":

«Há [...] um factor de ordem semântica que pode ser decisivo na atribuição desse traço. É aquilo a que alguns autores chamam atracção sinonímica, processo pelo qual o estrangeirismo adquire o género feminino por estar associado a uma palavra vernácula [+ fem] que designa um conceito equivalente.» (pág. 5)

Pergunta:

Li um título sobre uma conferência com o seguinte título:

«Maneio das hepatites víricas em doentes com infecção por VIH.»

Neste contexto, a palavra maneio está correctamente utilizada?

Resposta:

No título em apreço, interpreto o substantivo maneio como «forma de abordar/lidar/tratar» ou «forma de tratar». Nos dicionários consultados (Houaiss, Academia das Ciências de Lisboa, Grande Dicionário e Dicionário da Língua Portuguesa 2009, ambos da Porto Editora, Grande Dicionário de José Pedro Machado), não encontro abonações da palavra nessa acepção.

Assinalo que as acepções correntes costumam ser as seguintes: «1. ato ou efeito de manear; manuseio; 2. administração laboral; direção; 3. trabalho manual; 4. protuberância adiposa nas reses, por onde se aprecia a sua gordura» (Dicionário da Língua Portuguesa 2009, da Porto Editora). Sei por comunicação pessoal que em Portugal, entre médicos, se emprega maneio como «forma de abordar/lidar/tratar».1 Sendo assim, considero que este uso é provavelmente uma extensão semântica de «acto de manear (= manusear)», não se confundindo com tratamento, porque pode referir também uma série de cuidados no comportamento a ter para com um doente.

Em suma, o uso de maneio em contexto médico fica justificado e é correcto, se se tratar de termo especializado com significado próprio. Se for simplesmente substituível por tratamento, afigura-se-me dispensável.

1 Agradeço à dra. Cristina Gonçalves (Hospital de Santo António, Porto) a informação que me prestou.

Pergunta:

Gostaria de ser esclarecido acerca de uma sigla/palavra. DVD é estrangeirismo, ou não? Já fiz várias pesquisas e tudo me indica que seja estrangeirismo, pois não consta no dicionário de português, mas sim no dicionário de inglês. Gostaria de saber a vossa opinião, fico grato pela atenção.

Obrigado.

Resposta:

Pode-se afirmar que DVD já não é um estrangeirismo. Foi-o historicamente, porque começou por se tratar da sigla de uma expressão inglesa, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa 2009, da Porto Editora:

DVD = «digital video disc» ou «digital versatile disc»

Contudo, o referido dicionário traduz as expressões inglesas como «disco vídeo digital», o que permite obter DVD, forma igual à inglesa. Direi, portanto, que DVD é hoje também uma sigla portuguesa, registada no Dicionário Houaiss.

Pergunta:

Seria um pleonasmo a utilização do termo "baixo-calão"? Aprendi no nível médio com um professor de português que não deveríamos usar o termo "baixo-calão" uma vez que calão já configura o nível menor do que se quer tratar. Deveríamos apenas usar calão. Ex.: «Ele utilizou palavras de calão para ofender aquele sujeito.»

Resposta:

Ao registar a locução «baixo calão», o Dicionário Houaiss parece consagrá-la (ver verbete de calão3; atenção que a expressão não tem hífen); no entanto, junta uma advertência:

«O s[i]nt[agma] baixo calão é, propriamente, uma redundância (no entanto, muito us[ada] com valor intensivo ou de reforço), uma vez que o sentido que a palavra orig[i]n[al] tomou em port[uguês] já incluía a idéia de "baixa condição social" (dos falantes do calão).»

Concluindo, é melhor empregar simplesmente o termo calão, sem qualificativo.