Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o plural diminutivo de ator?

Resposta:

Os plurais dos diminutivos formados por substantivos terminados em r e pelos sufixos -zinho e -zito1 não têm forma estável, como mostra Paul Teyssier, no seu Manual da Língua Portuguesa (Coimbra Editora, 1989, pág.91), concebido para um público francês:

«-zito, -zinho (sufixos com z) conservam na palavra à qual se ligam a sua individualidade fonética e morfológica. [...] [O] plur[al] de coraçãozinho (de coração, "coeur") é coraçõezinhos; o de sinalzinho (de sinal "signe") é sinaizinhos; o de florzinha (de flor "fleur") é florezinhas (n. b. encontra-se no entanto florzinhas) [...].»

Nesta citação, vemos Teyssier assinalar duas variantes para o diminutivo de um nome terminado em-r: florezinhas, formado de acordo com as regras de associação do sufixo -zinho (e -zito), isto é, o nome modificado pelo sufixo mantém a desinência do plural sem o -s (cf. coraçõezinhos e sinaizinhos); e florzinhas que perde o e do plural.2

E. Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, pág. 128) também se refere a esta oscilação:

«A razão do emprego de forma plurais barzinhos, colherzinhas se prende ao fato de que com sufixos outros não ocorre o plural das duas unidades florinha —> florinhas

Quanto a mim, o argumento de Bechara não é válido, porque fica por explicar o mais importante: a razão por que se aceitam e até parecem mais...

Pergunta:

Alem de professor de Espanhol, estou fazendo um mestrado em Filologia e gostaria de receber ajuda dos especialistas na Net.

Qual é a origem da palavra nada e, usando o método histórico-comparativo de Diez, quais as mudanças sofridas por essa palavra?

Resposta:

O Dicionário Houaiss explica com algum pormenor a origem de nada, pronome indefinido, advérbio e substantivo masculino:

«[do] lat[im] tar[dio] res nata, "coisa nascida", diferente do lat[im] cl[ássico] "segundo a circunstância", alt[eração] promovida, segundo Corominas, prov[ovavelmente], pelo uso constante da locução, que, sob a influência de homines nati, empregada em frases negativas, tomou o valor pronominal e indefinido que é próprio de nada

Quanto ao método histórico-comparativo de Diez, trata-se do método comparativo tal como ele foi aplicado ao estudo diacrónico das línguas românicas (português, espanhol, francês, italiano, romeno, etc.). Neste contexto, é possível representar as mudanças verificadas entre o étimo latino e a palavra portuguesa do seguinte modo:

(1) (res) nata- > nada

Em (1), considera-se como ponto de partida a forma da expressão original latina no caso acusativo (o chamado caso etimológico). Entre este étimo e a forma nada, verificou-se a alteração da consoante dental surda intervocálica [t], que, por um processo de sonorização (também chamada lenição), passou a [d], consoante dental sonora. Este fenómeno de sonorização afectou as consoantes surdas entre vogais ou entre vogal e líquida (sons [r] e [l]) no processo de transição do latim vulgar aos dialectos romances das antigas Hispânia e Gália.

Pergunta:

Salve!

Gostaria que me pudessem esclarecer o seguinte aspecto: quais são as classes etimológicas do léxico português? Ou, mais especificamente, quais são as subdivisões possíveis e exemplos às categorias «Vocabulário hereditário», «Transferências lexicais», «Criações portuguesas», etc.?

Agradeço desde já a vossa resposta.

Com os melhores cumprimentos.

Resposta:

Há vários tipos de classificação. Por exemplo, Joseph-Maria Piel, no artigo "Origens e estruturação histórica do léxico português" (1976) in Estudos de Linguística Histórica Galego-Portuguesa, Lisboa, IN-CM, 1989, págs. 9-16 (disponível no sítio do Instituto Camões), considera oito grupos etimológicos:

1. Elementos pré-latinos
2. Fundo latino
3. Elemento germânico
4. Aluvião lexical árabe
5. Latim medieval, humanista e científico-erudito
6. Elementos franceses e provençais
7. Elementos exóticos
8. Elementos italianos, espanhóis e outros

Visto que o artigo em referência já conta com mais de três décadas, é natural que hoje se tenha de considerar o conjunto de empréstimos do inglês ou como um importante subgrupo de 8. ou um grupo à parte, caracterizador do português contemporâneo.

Pergunta:

As palavras creio, meio e Manuel são tritongos?

Resposta:

Em primeiro lugar, as palavras não podem ser tritongos, mas podem incluir tritongos. Um tritongo é um «grupo de três vogais em uma única sílaba», pelo que um bom exemplo é "uai" na sílaba guais de iguais. Não é o caso de duas das palavras em questão: creio e meio são dissílabos, cada um com o ditongo ei na primeira sílaba (crei-o e mei-o).

Quanto a Manuel, tudo depende da variedade de português. No português europeu, pode ocorrer um ditongo, "ue" ([wɛ]), em pronúncia rápida. No português brasileiro, surge um tritongo fonético, não só devido à pronúncia rápida de "u" seguido de vogal, mas também por causa da vocalização de "l" que fecha sílaba (processo fonético característico dos falantes brasileiros); por conseguinte, Manuel pronuncia-se "manueu" (em transcrição fonetica, [mɐnwɛw]).

Pergunta:

Gostaria de saber se possível quais são as palavras primitivas da palavra abobadado.

Obrigado.

Resposta:

Na perspectiva da gramática tradicional, a palavra primitiva é abóbada, visto deste termo se formar o verbo abobadar. Entre as formas flexionadas deste verbo, encontra-se abobadado, que é particípio passado adjectival («sala abobadada»). A palavra primitiva de abobadado é, portanto, abóbada.