Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaríamos, se possível, de ter a definição dos seguintes vocábulos de origem tupi-guarani: cacarape; caura; combique; munginjaia e taputiua. Desde já agradecemos.

Resposta:

Consultámos Silveira Bueno, Vocabulário Tupi-Guarani, 6.ª edição, São Paulo, Edições Éfeta, 1998, e Antônio Geraldo da Cunha, Dicionário Histórico das Palavras de Origem Tupi, São Paulo, Melhoramentos, 1982, mas não encontrámos os termos em questão nem conseguimos identificar os constituintes morfológicos.

Pergunta:

Em sua resposta à minha pergunta sobre o significado de lunação, [A. Tavares Louro] disse-me que a mesma significava «metade do tempo de uma revolução da Lua». Corrija-me se eu estiver errado, mas numa revolução da Lua, que é um período de tempo cuja duração é de 29,53059 dias, o satélite apresenta quatro fases, quais sejam lua nova, lua crescente (ou quarto crescente), lua cheia, lua minguante (ou quarto minguante). Assim sendo, o tempo correspondente às luas nova e crescente poderia ser considerado um semilúnio; o tempo das luas cheia e minguante, outro. Aliás, semilúnio é, segundo os seus esclarecimentos, apenas um tempo, não um aspecto ou aparência da lua durante as fases da sua revolução.

Ocorre que o dicionário Aulete Digital, em linha, diz, ao definir a palavra semilúnio, que ela significa «meia-lua». Ao determinar o sentido desta última, diz textualmente: «Aparência da lua quando se mostra em meio círculo (no quarto crescente ou minguante)». Logo, para esse léxico, semilúnio tanto pode ser a lua crescente como a minguante, sendo outrossim apenas um aspecto e não um tempo.

Isto posto, pergunto-lhe: é lícito, em português, chamarmos de semilúnio a lua crescente e também a lua minguante?

Por favor, uma resposta clara e objetiva.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra semilúnio vem definida como intervalo de tempo e não como aspecto nas seguintes fontes:

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: «Semilúnio, s. m. Metade do tempo que dura uma revolução da Lua: «Escravo o semilúnio desce, enquanto/Sobre a cruz, e do céu abrindo os braços/ Os homens une com o divino amplexo», Barão de Santo-Ângelo, Colombo, Prólogo. (Do lat. semi e luna).»

Grande Dicionário Enciclopédico Verbo (1997): «semilúnio, n. m. (Astron.) Metade de uma revolução da Lua; meio mês lunar.»

Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete (edição brasileira por Hamilcar de Garcia, 1958): «Semilúnio, s. m. (astr.) metade do tempo em que a lua faz a sua revolução. || F. lat. Semilunium

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (2001): «semilúnio [sɨmilúnju]. s. m. (de semi- + lat. luna `lua´+suf. -io) Astr. Metade do tempo que a Lua leva a descrever a sua órbita; metade de uma revolução da Lua ou do mês lunar.» 

No entanto, é curioso verificar que a própria abonação do artigo da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira evidencia o emprego de semilúnio no sentido de aspecto ou forma de meia-lua, significado que é, de resto, o registado não só pelo

Pergunta:

No site do Dicionário da Língua Portuguesa, ao pesquisar a palavra cálice, pode-se verificar que, em sentido figurado, este termo é sinónimo de «sofrimento moral; humilhação». Daí Cristo dizer: «Pai, afasta de Mim este cálice» (Mt 26, 39. 42; Mc 14, 36; Lc 22, 42). Gostaria de saber qual a origem desta comparação entre o cálice e o sofrimento. Será algum hebraísmo?

Muito grata pela atenção dispensada.

Resposta:

Como metáfora e símbolo, o cálice é um motivo recorrente no Velho e no Novo Testamentos. Contudo, não consigo garantir que locuções como «cálice de amargura» ou «cálice de aflição» sejam expressões típicas do antigo hebraico (hebraísmo) ou tenham origem exclusivamente hebraica. O hebraico estava em contacto com outras línguas, e pode muito bem ter acontecido que tais expressões tenham surgido por via do empréstimo e da tradução. Para um resposta cabal, seria preciso um trabalho de investigação com recurso a estudos de crítica das fontes do texto bíblico, empreendimento que está fora do meu alcance.

De qualquer modo, a informação constante da pergunta é confirmada por Antenor Nascentes, no Tesouro da Fraseologia Brasileira, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986

«CÁLICE. Beber o -- da amargura. Sofrer os maiores infortúnios. Esgotar o -- até as fezes. Sofrer os maiores infortúnios até o fim. Reminiscência dos sofrimentos de Cristo no horto de Getsêmani. S. Mateus, XXVI, 42; S. Marcos, XIV; S. Lucas, XXII, 42. V. Ladislau Batalha, História Geral dos Adágios Portugueses

Uma obra mais especializada, o Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, de Lothar Coenen (ed.) Vol. II, São Paulo, Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1982, s.v. fome (pág. 267), permite situar um pouco melhor o significado do cálice na exegese do texto bíblico:

«O pedido dos filhos de Zebedeu, no sentido de ficarem ao lado de Jesus na eterniddae, tem uma natureza apocalíptica e escatológica (M[a]t[eus] 20:20;M[ar]c[os] 10:35-37; cf. L[u]c[as] e segs.); é notável, porém, que a resposta de Jesus não foi de qualquer modo apocalíptica ou escatológica. Pelo...

Pergunta:

Queridos amigos do Ciberdúvidas:

Hoxe, lendo un fragmento dunha carta do Padre Vieira (Carta LXIII Ao padre André Fernandes. Volume I de Cartas, Antônio Vieira, Globo Editora, São Paulo 2008), reparei neste uso do pretérito máis-que-perfeito: «e posto que já não tem lugar, fora melhor que aqueles livros o tiveram no fogo, que em casa tão sagrada...» Súpetamente me relembrei dunha copla ou cántiga popular que vezaba cantar ou declamar miña avoa:

«Se o mar tivera varandas,

Fora-te ver ó Brasil.

Mais o mar non ten varandas,

Queridiño por onde hei d´ir.»

Como eu non vos son nada dubidado, ipso facto ordenei de vos enviar a consulta ou pregunta que a seguir vos enuncio: ¿Subsiste na actualidade, onde queira que for, dentro das moitas e diversas variantes dialectás existentes no noso idioma, ese xeito de utilizar o pretérito mais-que-perfeito con valor condicional? So me refiro a este caso apuntado e non ó outro no que o citado mais-que-perfeito pode facer as veces de pretérito imperfeito de conjuntivo, feito que curiosa e fortuitamente tamén aparece nos dous exemplos por min asinalados.

Mando-vos os meus parabés e animo-vos a que sigades realizando este magno labor cinco días na semana que é digno de todo encomio. Podedes-vos gabar polo tal. Un abrazo sincero e agradecido.

Resposta:

É difícil dar-lhe uma resposta segura, porque há muitos dados sobre os aspectos fonéticos, lexicais e sintácticos dos dialectos do sistema galego-português, mas são raros os estudos sobre semântica verbal ou semântica de frase, como parece ser o âmbito do problema focado. Mas arrisco-me a dizer, com grande margem de confiança, que o pretérito mais-que-perfeito simples do indicativo, que já constitui um paradigma de conjugação verbal de uso restrito em Portugal e no Brasil, perdeu actualmente o valor de condicional (ou futuro do pretérito na terminologia gramatical brasileira) na língua coloquial. Como prova do que acabei de considerar, sirvam os comentários do verbete da entrada de mais-que-perfeito no Dicionário Houaiss:

«a) é us., tb., em registros mais formais, com o valor do imperfeito do indicativo, imperfeito do subjuntivo e do futuro do pretérito (quisera = queria, quisesse e quereria); p. ex., eu quisera poder voar; se tu souberas o quanto penei; eu o fizera, se tu pedisses.

b) no Brasil, o mais-que-perfeito simples é pouco us. na língua falada, onde é substituído pela forma composta equivalente [...].»

Esclareça-se também que o valor de condicional associado ao pretérito mais-que-perfeito do indicativo é cada vez mais frequente no pretérito imperfeito do português mais corrente; ex. (de Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 2002, pág. 278):

«Eu, se tivesse crédito na praça, pedia outro empréstimo.»

E graciñas polas palabras coas que remata a súa pregunta.

Pergunta:

A língua é um organismo vivo e portanto sujeito a mudanças. Quando é que uma palavra, por exemplo, "entra" no léxico português? Quem tem a autoridade para decidir tal alteração? Onde são publicadas essas alterações e com que periodicidade?

Resposta:

Dizer que uma língua é um organismo vivo é uma metáfora. Sobre esta questão, Ernesto d'Andrade (História de Palavras — do Indo-Europeu ao Português, A. Santos, Lisboa, 2007, pág. 19) faz o seguinte comentário:

«[...] ao contrário de algum bom senso insensato, as línguas não são organismos vivos, que se desenvolvem e morrem. Não, a língua não é um organismo, não é uma vegetação que existe independentemente do homem, não tem vida própria que implique nascimento ou morte. A língua não é um ser organizado, não morre por si própria, não desfalece por si, não cresce, no sentido em que não tem infância nem idade madura ou velhice e, enfim, não desce. Nunca se assinalou na terra o nascimento de uma nova língua.»

Se são as pessoas que fazem a língua, então muito depende delas e da forma como se organizam. Uma nova palavra pode ser introduzida no léxico de qualquer língua como empréstimo de outra ou existir em potência: é o caso de certas palavra derivadas que os dicionários se dispensam de registar, como os adjectivos deverbais em -vel e os advérbios em -mente. Contudo, no caso do português, língua institucionalizada, isto é, língua oficial de Estados independentes, que constitui veículo de comunicação na administração, no ensino, na política, entre outras áreas de actividade, a dicionarização de palavras é considerada popularmente a entrada oficial da palavra no léxico.

Quanto a quem declara e aceita essa "entrada", existem, no conjunto dos países de língua portuguesa, duas instituições aparentemente com esse papel: a Academia das Ciências de Lisboa (ACL) e a Academia Brasileira de Letras (ABL), cuja influência ou autoridade é reconhecida na actividade lexicográfica. No caso da ACL, será preciso referir que a sua intervenção nem sempre é conside...