Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

As sequências complexas tipo consoante + <r, l=""> <i, e,="" u,="" o=""> vogal, em português lusitano são pronunciadas geralmente C + /r, l/ + /j, w/ + V, ou também, numa fala mais lenta, C + /r, l/ + /i, u/ + V, com hiato entre as duas vogais finais. Por exemplo, apadroar é geralmente /apadrw`ar/, mas pode ser pronunciado também /apadru`ar/.

O que é que acontece em brasileiro, tendo em conta que o, interno à palavra, corresponde geralmente a /o/?

Outros casos:

abalroamento, abalroar, açafroal, açafroeira, acobreado, acreano, acrianço, adriático, alandroeiro, alcatroado, alcatroamento, altruísmo, ambliope, ambliopia, ampliar, apadroou, aproar, aproou, apropriar, apropriou, arbítrio, atroar, atroou, autodestruí, autodestruição, autodestruir, autodestruiu.

Resposta:

Não há diferença entre o português europeu (PE) e o português brasileiro (PB). Essas vogais, mesmo que sejam representadas por o ou e seguidos de vogal, podem articular-se ora como [u] e [i], formando hiato com a vogal subsequente, ora como semivogais, formando ditongo com essa vogal (por exemplo, [wa] ou [ja]).

Antenor Nascentes, num estudo datado de 19581, afirma que «no hiato oa o o se apresenta reduzido: voar (vuar), Joaquim (Juaquim)»; quanto a <ea> e <eo>, «o e se apresenta reduzido»: passear (passiar), Teodora (tiodora). Os exemplos de Nascentes mostram que, mesmo postulando /o/ e /e/ fonológicos, não há diferença entre o português europeu (PE) e o português do Brasil (PB), porque esses segmentos são realizados, respectivamente, como [u], uma vogal alta, recuada e arredondada, e como [i], uma vogal alta, não recuada e não arredondada, [i]. Estas vogais, bem como as que se escrevem com as letras u e i, tendem a ser pronunciadas como glides (ou semivogais; símbolos fonéticos: [w] e [j]) se forem seguidas de vogal, tanto em PE como em PB2, como mostram os seguintes exemplos:

(1) coar: [kuaɾ] ~ [kwaɾ]

(2) suar: [suaɾ] ~ [swaɾ]

(3) gear: [Ʒiaɾ] ~ [Ʒjaɾ]

(4) piar: [piaɾ] ~ [pjaɾ]

Sendo assim, todas as palavras que na lista em ...

Pergunta:

Conheço bem as diferentes realizações do prefixo ex- em Portugal, que dependem do som posterior (vogal, consoante surda ou sonora) e também da região (centro-setentrional/resto do país). Quanto ao Brasil, encontrei algumas informações contraditórias. Parece que êx-/ex- seguido de vogal é pronunciado normalmente [éz]/[ez] (êxito/exótico) (sem ditongo à diferença de Portugal). Quando seguido de consoante surda, pronuncia-se [és]/[es] (êxtase/expor), embora em posição átona se admita também a pronúncia [is] (expor). Pelos vistos no Brasil não se produz a ditongação na pronúncia deste prefixo. É assim em todos os casos? Qual seria no Brasil a realização padrão de ex- seguido de consoante sonora em palavras como ex-ministro? Seria [ez]/[iz]? Se for assim, não existe no Brasil, como em Portugal — estou a pensar sobretudo no Rio de Janeiro —, a realização com palatal surda (como o "ch" de chama) ou sonora (como o "j") para ex-/êx- quando seguido de consoante surda ou sonora, respectivamente?

Obrigadíssimo pela vossa resposta e os meus parabéns pela web.

Resposta:

A pronúncia de /e/ em começo absoluto de palavra tem oscilações quer em português europeu (PE) quer em português do Brasil (PB). Tais oscilações não parecem ser as mesmas nas duas variedades. Irei primeiro referir-me à pronúncia desta vogal tal como vem descrita em dicionários de PE, para depois abordar este caso no contexto do PB.

I. Em PE

Na perspectiva normativa, diz-se que a letra e é geralmente pronunciada [i] (cf. Teyssier 1989: 28); exemplos:

(1) elefante = [i]lefante

(2) enorme = [i]norme

(3) herdar = [i]rdar

(4) ermida = [i]rmida

Não obstante, do ponto de vista descritivo, assinala-se certa variação da vogal «por se encontrar em início absoluto de palavra» (cf. Mateus et al. 2008: 1014); daí formas como [e]rmida.

Mas há casos particulares; são eles:

1.1. O e inicial seguido de l pronuncia-se aberto (símbolo fonético [ɛ]; cf. Mateus e Andrade, 200: 58): Elvira = [ɛ]lvira, Eldorado/...

Pergunta:

Em que grau estão os adjectivos da seguinte frase?

« – Que água é aquela, tão negra no centro e tão castanha nas margens?»

Resposta:

Os adjectivos da frase em causa estão no grau superlativo absoluto analítico, mas, ao contrário do que é habitual, essa intensificação está marcada pelo advérbio tão em lugar do advérbio muito, intensificador da construção de superlativo absoluto analítico.

O advérbio tão pode ser associado a adjectivos para formar o comparativo de igualdade (cf. «tão verde como»), para formar o superlativo absoluto analítico, normalmente inserido em expressões enfáticas (cf. «esta água é tão verde!» = «esta água é muito verde») e como correlativo na subordinante consecutiva (cf. «a água era tão cristalina, que nadei novamente»).

O advérbio tão, presente na frase que indica, modifica e intensifica os adjectivos de cor verde e castanho, indicando aumento de qualidade ou grau superior. Note-se que, por vezes, na construção do grau dos adjectivos, podem ocorrer intensificadores como tão e bem a substituir o advérbio muito. Segundo Evanildo Bechara, Gramática Escolar da Língua Portuguesa, «o superlativo indica que a qualidade do ser ultrapassa a noção comum que temos dessa mesma qualidade (...) e é absoluto ou intensivo». Ainda, de acordo com Celso Cunha e Luís F. Lindley Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, «o superlativo absoluto analítico constrói-se com a ajuda de outra palavra, geralmente, um advérbio indicador de excesso — muito, imensamente, extraordinariamente, excessivamente, grandemente, entre outros». Já que corresponde às características que acabam de ser apontadas, o advérbio tão pode, portanto, ocorrer na construção do grau superlativo.

Pergunta:

Como se deve ler (pronúncia) de forma correcta a palavra expletivo?

Resposta:

Em português europeu, há duas possibilidades (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa):

a) pronunciar a sequência ex- como "eis" (transcrição fonética [ɐjʃ]): [ɐjʃ]pletivo;
b) ou pronunciá-la como o es- de escola, isto é, como "is-" ou, como é mais frequente, simplesmente como um "s" chiado: [iʃ]pletivo ou [ʃ]pletivo.

Acrescente-se que o e da sílaba -ple- está descrito como e aberto no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Sendo assim, há duas pronúncias possíveis para a palavra em apreço: [ɐjʃplɛtivu], [(i)ʃplɛtivu]. Paul Teyssier (Manual de Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, págs. 28/29) considera que a pronúncia com [ɐjʃ] é mais enfática, enquanto a que envolve [(i)ʃ] é normal.

Pergunta:

Na frase «Eu não saberia se você voltasse», o se é conjunção condicional, ou concessiva? Por favor, considerem com cuidado a possibilidade de ser concessiva... Caso contrário, expliquem-me por que é condicional (de modo mais extenso). Aguardo ansioso. Abraço!

Resposta:

Se a conjunção se for a única palavra que introduz uma oração, não é uma conjunção concessiva, sendo antes classificada do seguinte modo (cf. Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, págs. 323/324):

a) como conjunção integrante: «Perguntou se era possível passar.»

b) como conjunção condicional: «Eu não partiria, se você voltasse.»1

Não obstante, há quem a classifique de maneira diferente. Por exemplo, além de a registar como conjunção integrante e condicional, o Dicionário Houaiss classifica-a também como:

c) conjunção temporal: «Se fala, irrita a todos.»

d) conjunção causal: «Se você tem carro, por que ir a pé?»

Deve, no entanto, observar-se que os usos evidenciados em c) e d) são exemplificativas de valores que podem estar associados às orações condicionais, como aliás aponta Bechara (op. cit., pág. 498):

«As orações condicionais não só exprimem condição, mas ainda podem encerrar as ideias de hipótese, eventualidade, concessão, tempo, sem que muitas vezes se possam traçar demarcações entre esses vários campos do pensamento.»

Penso, portanto, que o consulente se refere à possibilidade de à conjunção condicional se se associar um valor concessivo. E, na verdade, o valor de concessão fica em evidência, quando reforçamos se com mesmo, dando origem à locução conjuncional «mesmo se», que certas gramáticas descrevem como introdutora de orações concessivas: