Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Lúcia é a maior responsável pelo péssimo estado da casa», ou «Lúcia é o maior responsável pelo péssimo estado da casa»?

Obrigado.

Resposta:

«Lúcia é a maior responsável...» é forma correcta, mas aceita-se «Lúcia é o maior responsável...» em certos contextos. Numa frase em que ocorra o verbo ser (ou outro verbo copulativo), o predicativo do sujeito, se for realizado por um adjectivo ou um substantivo que tenha contraste de género,1 concorda em número e género  com o sujeito: «A Lúcia é bonita [adjectivo].» «A Lúcia é professora [substantivo]».2  Ora, se «Lúcia» é um substantivo próprio do género feminino, também responsável terá de se encontrar no mesmo género. A concordância não é visível na morfologia de responsável; porém, este vocábulo comporta-se como nome comum dos dois géneros: «o/a responsável». Assim, a atribuição de género pode manifestar-se pelas marcas das palavras que determinem (por exemplo, artigos) ou modifiquem (adjectivos) responsável: «a [artigo, feminino] responsável directa [adjectivo, feminino] do desastre».

No entanto, pode objectar-se que «A Lúcia é o professor» é uma sequência correcta e que, por conseguinte, «Lúcia é o responsável...» também o é. Estas frases estarão correctas, desde que se admita haver restrições de ocorrência: só me parecem possíveis em pares pergunta-resposta como os exemplificados a seguir:

(1) P: Quem é o professor aqui?

     R: A Lúcia/O professor é a Lúcia/A Lúcia é que é o professor.

(2) P: Quem é o responsável aqui?

     R: A Lúcia/O responsável é a Lúcia/A Lúcia é que é o responsável.

Observo, porém, que as respostas de (1) e (2) são ambas formadas pela equivalência entre duas entid...

Pergunta:

No Brasil, até há poucos anos, ouviam-se de pessoas, normalmente incultas e de origem rural, orações como estas: «Comprei as ferramentas por mode que preciso delas para o trabalho», «Você vai à feira por mode quê?», «Estou ajuntando dinheiro pro mode comprar uma mesa», «Pru mode de que a senhora quer falar com a minha filha»; «Aprumode que as moças estão fazendo um bolo.»

Como podeis observar, nelas aparecem as locuções «por mode», «pro mode», «pru mode», «aprumode». Sempre que as ouvia, já desde a minha infância, elas chamavam-me a atenção e deixavam-me encabulado, pois mal entendia o seu significado. Tempos depois, quando eu já era adulto, nunca pude descobrir a real origem das mesmas.

Tudo o que sei de fato a seu respeito é o seguinte: a) Que eram consideradas do dialeto caipira do Brasil falado por pessoas, em geral de pouca instrução, do campo ou de cidades do interior do país. b) O seu uso se dava em todo o território brasileiro. c) É possível que estas expressões ainda não tenham morrido de todo no Brasil hodierno. d) O significado delas, ao que parece, são por causa, por que razão (ou motivo), por que, para.

Quanto à origem dessas expressões, não encontrei nada de certo, porém, há pouco, descobri, pelo Diccionario da Real Academia Galega em linha, que em galego existe a locução «por mor de», a qual, segundo o mesmo, «Indica a causa, o motivo de que algo suceda». Pelas similitudes fonéticas e semânticas entre a locução galega e a primeira das expressões acima mencionadas («por mode»), comecei a imaginar que esta poderia ser uma derivação deturpada daquela, a qual teria passado ao português do Brasil através dos dialetos do Norte de Portugal. Então, «por mor de» teria virado, possivelmente aqui no Brasil mesmo, «por mode», sendo esta, por sua vez, também distorcida para «pro mode», «pru mode», «aprumode».

Em plena dúvid...

Resposta:

Todas as expressões apresentadas parecem realmente deturpações de «por amor de» ou «por mor de», que significam «por causa de». No Dicionário Houaiss, são subentradas de amor e mor, palavras sinónimas que se relacionam morfologicamente, porque mor é uma forma de amor por aférese do -a.

Observe-se, porém, que a interpretação das referidas expressões nem sempre é causativa:

(1) «pro mode» = «por causa de» ou «para»

«Estou ajuntando dinheiro pro mode comprar uma mesa»

(2) «pru mode de que» = «porque» ou «parece que»

«Pru mode de que a senhora quer falar com a minha filha.»

(3) «aprumode» = «porque» ou «parece que»

«Aprumode que as moças estão fazendo um bolo.»

Enquanto, em (1), a leitura de finalidade («para») pode surgir associada ao valor de causa («viajo por causa das distracções» = «viajo para ter distracções»), já em (2) e (3) o valor evidencial («parece que») afigura-se como resultado da fusão com uma outra expressão que não encontro atestada — «pelo modo» —, sinónima de «pelo jeito», que «expressa conclusão equivalente a pelo que se está vendo; pelo que as aparências fazem crer» (Dicionário Houaiss); ex.: «Pelo jeito, não teremos eleições tão cedo» (ibidem).

Pergunta:

Qual a etimologia do nome próprio Timóteo Meneses?

Resposta:

Não há uma etimologia conjunta do nome em questão, formado pelo nome próprio Timóteo e por um outro nome, Meneses, tradicionalmente um apelido|sobrenome. Ambos os nomes estão registados no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado: 

Timóteo

Tem origem no antigo grego Timótheos, «que venera Deus/deuses», formado por timē, «honra», «respeito», e theós, «deus», e transmitido pelo latim Timŏthĕu-. Machado observa que é «nome difundido pelo calendário», em que se dedica um dia a S. Timóteo, que é «o convertido e companheiro de São Paulo, a quem dirigiu uma das suas epístolas». 

Meneses

É um apelido|sobrenome de origem castelhana, derivado do topónimo castelhano Meneses (Palência). Este ter-se-á formado de Mena, nome de um vale da província de Burgos: Meneses seria, portanto, «lugar povoado por gente vinda do vale de Mena». Note-se que, como apelido|sobrenome, as atestações medievais são sempre acompanhadas da preposição de, cuja presença «confirma a origem toponímica».

Pergunta:

Existe no Brasil a família Cassu, de origem francesa.

Em Goiás (Brasil) existe a cidade que já foi Cassu, depois Caçu, e recentemente voltou a ser Cassu.

Em Uberaba (Minas Gerais), existe o topônimo Cassu nos registros de documentos oficiais e Caçu no romance Vila dos Confins, de Mário Palmério.

Estão corretas ambas as grafias, e por quê? E a cidade em Goiás, deve ser Cassu, ou Caçu? Por quê?

Resposta:

Se diz que o nome da cidade do estado brasileiro de Goiás passou a escrever-se Cassu, então é porque tal aconteceu muito recentemente: encontro a grafia Caçu num documento em linha datado de Novembro de 2008. Além disso, é Caçu a forma que ocorre no artigo sobre o gentílico caçuense no Novo Aurélio Século XXI:

«caçuense, Adj. 2g. 1. De, ou pertencente ou relativo a Caçu (GO). S. 2 g. 2. O natural ou habitante de Caçu.»

Caçu é também a grafia da entrada referente à cidade em apreço na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Editotial Verbo. E, finalmente, o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, regista Caçu, como topónimo de origem tupi existente em Goiás e Minas Gerais.

A hipótese da origem tupi de Caçu é sugerida no respectivo artigo da Wikipédia:

«Diz-se na cidade que o nome "Caçu" provém da planta [a]lcaçuz, que já foi bastante encontrada nas margens do rio que margeia a cidade, o rio Claro (Goiás). No entanto, o [a]lcaçuz é uma planta que só vive em regiões frias, então é impossível que tenha havido grandes quantidades desta planta em qualquer região do cerrado. Outra possível origem do nome é da expressão indígena "Caá-açu", que significa "Mato Grande".»

É plausível a origem tupi de Caçu, porque, no Dicionário Histórico das Palavras Portuguesas de Origem Tupi, de Antônio Geraldo da Cunha, o "Índice analítico dos Étimos Tupis" (págs. 321-334) inclui os elementos ka´a, «folha, mato, erva», e a´su...

Pergunta:

Qual a forma correcta: «manga cava», ou «manga à cava»?

Obrigada.

Resposta:

Há variação regional nas designações do tipo de manga em causa. No Ciberdúvidas já comentámos a expressão «blusa caveada», usado na zona do Porto (ver extos Relacionados). Mais a sul, prefere-se a expressão «manga cavada», ao lado das expressões «manga à cava» e «manga cava», ambas registadas no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Como a subentrada de «manga à cava» remete para a de «manga cava», presumo que no referido dicionário se considere «manga cava» a expressão mais corrente, sem que se possa dizer categoricamente que é a mais correcta. De qualquer forma, comparando as duas expressões, «manga cava» é, para mim, falante criado na região de Lisboa, a que me é mais familiar.