Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Eu não saberia se você voltasse», o se é conjunção condicional, ou concessiva? Por favor, considerem com cuidado a possibilidade de ser concessiva... Caso contrário, expliquem-me por que é condicional (de modo mais extenso). Aguardo ansioso. Abraço!

Resposta:

Se a conjunção se for a única palavra que introduz uma oração, não é uma conjunção concessiva, sendo antes classificada do seguinte modo (cf. Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, págs. 323/324):

a) como conjunção integrante: «Perguntou se era possível passar.»

b) como conjunção condicional: «Eu não partiria, se você voltasse.»1

Não obstante, há quem a classifique de maneira diferente. Por exemplo, além de a registar como conjunção integrante e condicional, o Dicionário Houaiss classifica-a também como:

c) conjunção temporal: «Se fala, irrita a todos.»

d) conjunção causal: «Se você tem carro, por que ir a pé?»

Deve, no entanto, observar-se que os usos evidenciados em c) e d) são exemplificativas de valores que podem estar associados às orações condicionais, como aliás aponta Bechara (op. cit., pág. 498):

«As orações condicionais não só exprimem condição, mas ainda podem encerrar as ideias de hipótese, eventualidade, concessão, tempo, sem que muitas vezes se possam traçar demarcações entre esses vários campos do pensamento.»

Penso, portanto, que o consulente se refere à possibilidade de à conjunção condicional se se associar um valor concessivo. E, na verdade, o valor de concessão fica em evidência, quando reforçamos se com mesmo, dando origem à locução conjuncional «mesmo se», que certas gramáticas descrevem como introdutora de orações concessivas:

Pergunta:

No âmbito da metodologia da Economia fui confrontado com a palavra isolation, que significa separar um dado conjunto de variáveis/fenómenos em dois grupos, em que as variáveis de cada grupo não impactam sobre as variáveis do outro grupo. Como traduzo isolation? Isolamento dá uma ideia negativa de excluído e incomunicável, o que não é o caso. Daí preferir isolação a isolamento, mas não sei se a primeira existe. Qual a vossa opinião?

Resposta:

A palavra isolação encontra-se registada quer no Dicionário Houaiss quer no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Faço notar, porém, que isolação pode ter a mesma conotação negativa de isolamento. Além disso, essa conotação não me parece impedimento para o uso de isolamento ou isolação como equivalentes de isolation: é que a própria palavra inglesa pode ser usada negativamente. Por exemplo, uma frase como «Many unemployed people experience feelings of isolation and depression» (ver Oxford Advanced Learner´s Dictionary) será traduzida por «Muitos desempregados experimentam sentimentos de isolamento e depressão». É de notar ainda que isolação pode ter a desvantagem de, em português europeu, ser sinónimo de revestimento.

Apesar de tudo, lembro que em inglês existe a expressão in isolation, «separadamente; fora do contexto» (cf. Dicionário Inglês-Português, da Porto Editora). Não será então esta a expressão que nos permite captar o significado de isolation na área de especialidade em apreço? Se sim, então sugiro separação ou descontextualização para traduzir isolation.

Pergunta:

Nas frases «O carácter do artista raramente corresponde à ideia que dele temos»; «O carácter do artista corresponde sempre/frequentemente à ideia que dele temos», como classificamos os advérbios raramente, sempre e frequentemente? São advérbios adjuntos, ou disjuntos? E, sob o ponto de vista sintáctico, modificadores de frase, ou de verbo?

Suponho que o advérbio raramente tem sentido negativo. Estes advérbios, sob o ponto de vista da designação semântica, são advérbios de frequência e/ou de tempo?

Antecipadamente agradecida.

Resposta:

A distinção entre advérbio adjunto e advérbio disjunto ocorria na Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS). Como muitos se recordarão, a TLEBS foi suspensa em 2007, teve entretanto uma revisão e agora chama-se Dicionário Terminológico (DT).

Feito este preâmbulo, e porque muitos dos manuais utilizados neste momento no ensino secundário têm por quadro de referência a TLEBS, recordo a diferença em causa:

Advérbio adjunto: «Palavra pertencente à subclasse dos advérbios que podem ser núcleo de constituintes adverbiais internos ao grupo verbal.»

Advérbio disjunto: «Palavra pertencente a uma subclasse dos advérbios que podem ser modificadores da frase.»

Atenção, que o DT substituiu estes termos: o advérbio adjunto é agora o advérbio de predicado, e o advérbio disjunto, o advérbio de frase.

Assim, direi que todos os advérbios mencionados na pergunta são advérbios adjuntos ou advérbios de predicado, uma vez que modificam um grupo verbal (p. ex., «corresponde sempre/frequentemente/raramente à ideia que...»). Trata-se, portanto, de modificadores do grupo verbal, cujo núcleo é um verbo.

Quanto à subclasse destes advérbios, note-se para já que o DT é omisso a respeito de advérbios de tempo, sem que se perceba a razão desta lacuna. A TLEBS, por seu lado, incluía sempre entre os advérbios adjuntos de tempo; frequentemente e raramente não constam da lista de membro...

Pergunta:

Preciso de ajuda para fazer a análise sintática completa da seguinte frase, de acordo com as gramáticas tradicionais:

«Eles não se vexam dos cabelos brancos.»

Obs.: Se o verbo vexar é transitivo direto, devo afirmar que «dos cabelos brancos» é adjunto adverbial? E qual é a função de se (se = partícula sem função, que é exigida pelo verbo; ou se = objeto direto? Como saber?)?

Agradeço-lhes imensamente pela análise sintática completa e pelos esclarecimentos. Parabéns pelo excelente trabalho!

Resposta:

Sugiro a seguinte análise, adoptando a Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959:

«Eles»: sujeito;

«não se vexam dos cabelos brancos»: predicado;

«dos cabelos brancos»: adjunto adverbial ou complemento verbal (objecto indirecto).

O verbo vexar, como envergonhar e outros verbos que exprimem também sentimento (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 308, e Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, pág. 178), pode seleccionar um objecto directo, em frases semelhantes à seguinte:

«Os cabelos brancos não vexam os mais idosos.»

No entanto, quando usados pronominalmente, estes verbos passam a ter como parte integrante o pronome reflexo se (envergonhar-se, vexar-se), o qual, por essa razão, não desempenha qualquer função sintáctica.

Mais controversa pode ser a classificação do constituinte «dos cabelos brancos», porque há gramáticos tradicionais que preferem analisar um constituinte introduzido por preposição e seleccionado por um verbo como adjunto adverbial, atribuindo-lhe um valor circunstancial (cf. Bechara, op. cit., pág. 421). Nesta perspectiva, «dos cabelos brancos» será o mesmo que «por causa dos cabelos brancos», ou seja, uma circunstância de causa.

Ainda no âmbito tradicional, outros gramáticos diriam que «dos cabelos brancos» é um complemento verbal. É o caso de Evanildo Bechara (idem, págs. 419/420), que o definiria como complemento relativo. Cels...

Pergunta:

Gostaria de poder fazer uma tréplica em relação à construção «A ou B, complementando com C». A dúvida original não foi solucionada pela construção lógica [ARBITRARIAMENTE] utilizada. A questão é exatamente saber que construção lógica adotar:

(A V B) Λ C ou A V (B Λ C)

Ora, substituindo-se a vírgula pela conjunção aditiva e (Cunha e Cintra), a estrutura da frase «A ou B, complementando com C» ficará:

A V B Λ C

Para a lógica booleana, o conectivo ou (V) equivale ao sinal de adição (+) e o conectivo e (Λ), ao de multiplicação (.). A partir daí, vale a regra de prioridade das operações fundamentais envolvidas numa expressão matemática: a multiplicação tem prioridade sobre a adição. Logo, a expressão A V B Λ C se reduzirá a:

A + B.C

Em conclusão, C só se aplica a B. Não cabe qualquer dúvidda quanto a isso. Quem estudou lógica booleana e trabalhou com circuitos integrados TTL sabe muito bem disso. Podemos afirmar com toda certeza que a construção em debate corresponde ao circuito eletrônico assim formado:

Uma porta OR (em inglês) que tem por entradas o valor A e o resultado de B AND C.

Noutros termos, somente oficiais aviadores terão de atender às opções 1, 2 ou 3 (a uma ou a mais de uma).

P. S.: Além do mais, no caso concreto, não haveria sentido em distinguir oficiais aviadores dos demais candidatos de nível superior (utilizando um OU). Em todo caso, espero ter sid...

Resposta:

A análise e a argumentação apresentadas são muito interessantes, porque há realmente propostas de análise semântica que se inscrevem ou se inspiram na lógica. Contudo, do ponto de vista da sintaxe da língua portuguesa, a oração reduzida de gerúndio com valor de oração adjectiva «complementando com uma das opções a seguir» tanto tem por antecedente «curso de formação de Oficiais Aviadores» como toda a estrutura que inclui a coordenação de «curso de graduação de nível superior concluído em qualquer área de formação» e «curso de formação de Oficiais Aviadores» mediante a conjunção ou.

Uma chamada de atenção para este tipo de oração gerundiva: no âmbito da gramática prescritiva, há quem condene o seu uso por se tratar de um galicismo; outros contestam esta posição e lembram que tal oração está atestada em português medieval (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, João Sá da Costa Editores, 1984, pág. 610). Seja como for, é curioso verificar que a sua paráfrase por estruturas relativas poderia desambiguar a frase. Duas paráfrase são possíveis:

1) Curso de graduação de nível superior concluído em qualquer área de formação ou curso de formação de Oficiais Aviadores, que se complemente com uma das opções a seguir.

Em 1, «que se complemente com uma das opções a seguir» tem por antecedente «curso de formação de Oficiais Aviadores», e o verbo está no singular, «complemente». O antecedente é, em princípio, «curso de formação de Oficiais Aviadores» e não «Curso de graduação de nível superior...», por um critério de proximidade.

Observe-se agora a seguinte frase:

2) Curso de graduação de nível superior concluído em qualquer área de formação ou curso de formação de Oficia...