Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se pronuncia Wikipédia? "Viquipédia", ou "Uiquipédia"?

Obrigada.

Resposta:

O w de palavras de origem inglesa costuma ser adaptado ao português como u. Diga, portanto, "uíkipédia", com o "uí" pronunciado como se fosse a palavra francesa oui.

Pergunta:

Gostaria de saber se podem facultar a origem e o significado do nome Espadaneira.

Obrigada.

Resposta:

Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), Espadaneira é topónimo e apelido|sobrenome com origem no substantivo comum espadaneira, derivado de espadana, «nome vulgar extensivo às plantas herbáceas, palustres, de folhas lineares, do gé(ê)nero Sparganium (família das Esparganiáceas), espontâneas em Portugal» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). Existe também o topónimo Espadanal, de espadanal, atestado como «lugar onde crescem espadanas» (idem). Espadaneira, por seu lado, não está atestado como substantivo comum, mas está bem formado, quando se atenta no facto do sufixo -eira poder adquirir o sentido de «acúmulo, de grande quantidade ou de coletividade da coisa denotada pela base substantiva: aguaceira, apostemeira, arrozeira, bagaceira, buraqueira, cabeleira, esterqueira, estrumeira, lamaceira, [...] piolheira, poeira etc» (Dicionário Houaiss).  Finalmente, é provável que o uso de Espadaneira como topónimo tenha precedido o uso como apelido|sobrenome}, visto muitos apelidos|sobrenomes serem alusivos ao lugar de origem do fundador de uma família (po...

Pergunta:

Gostaria de conhecer a origem etimológica do nome contra-regra.

Resposta:

Trata-se de um composto morfológico, constituído pela preposição e também prefixo contra e pela palavra regra.1 É, portanto, uma palavra formada em português que não tem globalmente origem numa palavra mais antiga (étimo) do latim, do grego, do árabe ou de outra língua qualquer com relevância para a história da língua portuguesa. Pode-se é abordar a questão da origem dos elementos constituintes; nesse caso, cabe fazer os seguintes comentários:

Contra: do latim contra, como preposição, «em frente de, em oposição a, contrariamente a, para com, a respeito de, de outro lado, em contraposição a, em comparação com», e, como advérbio, «em frente, defronte, ao contrário, pelo contrário» (Dicionário Houaiss).

Regra: «latim regŭla,ae, "régua, barra de pedreiro ou carpinteiro para aferir e tornar reta uma superfície, pau ou ripa que sustenta alguma coisa, tala que endireita osso quebrado, preceitos ou normas que servem de guia a procedimentos ou comportamentos", diminutivo derivado do radical do verbo regĕre, "dirigir, guiar, conduzir, governar"; de mesma origem, os vocábulos divergentes quanto à forma regra, régua e relha se firmam no português com significados também diferentes [...].» (ibidem).

1 Contrarregra, segundo o Acordo Ortográfico de 1990 (ver também 5.ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras).

Pergunta:

Preciso de ajuda para fazer a análise sintática completa da seguinte frase, de acordo com as gramáticas tradicionais:

(1) «A nacionalidade viveu da mescla de três raças: as três raças tristes, branca, negra e indígena.»

Obs.: O verbo viver é, nesse caso, transitivo indireto, ou intransitivo? Por quê?

Agradeço-lhes imensamente pela análise sintática completa e pelos esclarecimentos. Parabéns pelo excelente trabalho!

Resposta:

 

1. Análise sintáctica

«A nacionalidade»: sujeito;

«viveu da mescla de três raças: as três raças tristes, branca, negra e indígena»: predicado;

«as três raças tristes»: aposto de «três raças»;

«branca, negra e indígena»: aposto enumerativo de «três raças tristes».

Obs.: A análise dos constituintes «três raças tristes» e «branca, negra e indígena» baseia-se em E. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 457.

2. Subcategoria sintáctica do verbo viver

Na tradição gramatical brasileira (e agora também em Portugal), um verbo transitivo indirecto é o que se liga ao seu complemento por intermédio de uma preposição (ver Dicionário Houaiss; E. Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, pág. 419, chama-lhe complemento relativo). No exemplo em causa, o verbo tem um complemento regido pela preposição de e é interpretado como sinónimo de manter-se (de), subsistir (com).

Pergunta:

No contexto de estudos clínicos e de análises estatísticas, em particular no âmbito da oncologia, encontramos as expressões sobrevida e sobrevivência (do inglês survival). Qual das palavras é a mais correcta?

Resposta:

Os termos sobrevida e sobrevivência realmente não significam a mesma coisa em linguagem médica. Mas Manuel Freitas e Costa, Dicionário de Termos Médicos (Porto, Porto Editora, 2005), define-os assim:

sobrevida: «acto de sobreviver»

sobrevivência: «viver para além do esperado»

Pude, no entanto, saber que em português europeu, na área da oncologia, o uso de sobrevida corresponde a «vida com continuação da doença», enquanto sobrevivência significa a «situação de sobreviver livre de doença».1

1 Agradeço a informação ao dr. António Guimarães, médico no Instituto Português de Oncologia em Lisboa.