Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Vejamos os seguintes exemplos:

Exemplo 1:

«As principais contas integrantes desta classe são:

a. Vendas:

São de considerar nesta conta as vendas representadas pela facturação emitida pela empresa sobre terceiros.»

Exemplo 2:

«Assim, as principais rubricas integrantes desta conta são:

a. Terrenos e recursos naturais – como terrenos em bruto, terrenos com arranjos, terrenos com edifícios e subsolo como:

– terrenos para construção;

– propriedades rústicas e pedreiras;»

A minha dúvida surge na colocação dos dois-pontos em frases seguidas. É possível?

Resposta:

É possível em situações como a que serve de exemplo, com mudança de linha. Mas também pode ocorrer no mesmo parágrafo, embora não seja de recomendar; p. ex.:

«As principais contas integrantes desta classe são: a. Vendas: São de considerar nesta conta as vendas representadas pela facturação emitida pela empresa sobre terceiros.»

Pergunta:

Qual destes termos é mais correcto: "Estrada-património", "estrada-património" ou "Estrada-Património", para designar estradas com determinadas características?

Resposta:

Sem contexto, direi que, em princípio, a forma mais adequada é estrada-património, com minúsculas iniciais, uma vez que não se trata de uma entidade de alcance superior. Poderá, porém, escrever-se "Estrada-Património", com maiúsculas iniciais, se o que está em causa é algum estatuto conferido oficialmente, tal como acontece com as categorias relativas aos espaços classificados como Património Mundial da UNESCO (p. ex., «Paisagem Cultural», «Itinerários Culturais», ver Comissão Nacional da UNESCO – Portugal).

Pergunta:

Como se pronuncia correctamente o acrónimo ACES (Agrupamento de Centros de Saúde)?

Deve-se pronunciar "Áces", "Ácês" ou "Ácés"?

Muito obrigado.

Resposta:

Se ACES se lê como acrónimo, isto é, com estrutura silábica, então deve pronunciar-se como asses, 2.ª pessoa do singular do presente do conjuntivo do verbo assar.

Pergunta:

Outra vez a pronúncia de remoto e «erupção peleana».

1) Sei que já foi respondido (a Armando Dias, 01/07/1997) que se deve, latim exige, pronunciar "–mó",

E entre gente remota edificaram

Novo Reino que tanto sublimaram.

Entretanto, mais de 12 anos passaram inutilmente, pois hoje ouvi na TV o tal [remôto]: pois, como dizia a irmã do Solnado, que gostava de dizer coisas.

2) E esta é da National Geographic: «Erupção "+liana"»!

Meu paciente e sapientíssimo interlocutor da Ciberdúvidas, tenho a comunicar Urbi et Orbi que deve escrever-se peleano, pois provém do Mont Pelée (Martinica) onde ocorreu uma erupção com as características referidas no documentário. É tão fácil recorrer a um dicionário... "Pliano", meu caro, documenta, mais uma vez, a rasca qualidade do tradutor e a passividade dos responsáveis/proprietários do referido canal. Parece que, quando há dúvidas, se recorre lá à improvisação/desenrascanço. Mas que corja de "qualificados" divulgadores de cultura científica! Pergunto: estará o chico-espertismo socrático a tornar-se desígnio nacional?

Resposta:

1. Remoto

Confirmo que se pronuncia remoto, com o aberto na penúltima sílaba. No entanto, do ponto de vista diacrónico, seria de esperar que tal vogal fosse fechada, uma vez que o étimo latino apresenta ō longo (remōtus, a, um, «removido, afastado», Dicionário Houaiss). Assim se compreende que amōremamor, e nōmen, nome. Contudo, acontece que numa série de itens lexicais formados por via erudita ou semierudita, há vogais abertas que, apesar de tudo, remontam a um ō longo latino; p. exp.: atrōcem > atroz; sacerdōtem > sacerdote; vōcem > voz (ver Edwin Williams, Do Latim ao Português, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, pág. 50). É este também o caso de remoto.

2. Peleano

O adjectivo é mesmo peleano, por ter a origem referida no comentário do consulente. É esta a forma que aparece registada na edição em linha do Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora:

«peleano adjetivo GEOLOGIA diz-se do tipo de erupção vulcânica muito violenta e catastrófica

(Do vulcão da montanha Pelée, top., na ilha Martinica, uma das Pequenas Antilhas +-ano).»

Esta grafia está também consignada na 5.ª edição (2009) do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia ...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem das seguintes expressões:

«Bem digo eu que me trazes de há um tempo essa ideia transuida!»

«Tem-te não cai.»

São expressões que se encontram tal qual no original de uma peça de teatro inédita, dactilografada, do séc. XX, mas cuja acção se passa no séc. XVIII.

Muito obrigada.

Resposta:

Sem dados que permitam situar o contexto da primeira frase em relação a coordenadas culturais e literárias mais precisas, limito-me a informar que:

a) transuída é palavra que não encontro atestada, que tem a configuração do feminino de particípio passado, pressupondo um verbo transuir, pelo que deve escrever-se com acento agudo no i para manter o hiato (cf. construir, construído);

b) talvez esse verbo seja latinismo com origem no verbo transŭō, ĭs, ĕre, ŭī, ūtum, «perfurar com agulha, coser»;

c) tendo em conta o contexto e as alíneas anteriores, parece-me que transuída significa «preparada», «urdida».

Sobre «tem-te não cai», será variante de tem-te-não-caias, «posição ou situação de instabilidade; falta de segurança» e «estado de saúde débil, precário» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).