Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra carantonha é uma palavra simples, ou modificada por sufixação? Na 2.ª hipótese, qual é o sufixo?

Resposta:

Carantonha pode ser considerada uma palavra complexa, que modifica cara por sufixação1. Entre outras acepções2, é o mesmo que «cara grande», ou seja, um aumentativo de cara. Sucede, porém, que só uma análise morfológica diacrónica consegue dar conta da sua constituição, como indica o Dicionário Houaiss:

«orig[em] contr[o]v[ersa]; J[osé Pedro] M[achado] considera de orig. obsc.; A[ntônio] G[eraldo da] C[unha] liga a cara, mas de formação estranha, talvez relacionado a carântula; Corominas considera o esp[anhol] carantoña da mesma orig[em] que carántula, do lat[im] charactēr, que tardiamente tomou o sentido de 'símbolo mágico'; pode-se postular t[am]b[ém] um suf[ixo] -antonha, de aum[entativo] algo pejorativo [...].»

Por conseguinte, direi, na perspectiva do português contemporâneo, que -antonha é um sufixo, mas com a característica de ter baixa ou nula produtividade, já que ocorre num único item lexical, carantonha.

1 O termo modificação morfológica é aplicado por Alina Villalva na Gramática da Língua Portuguesa (Porto, Editorial Caminho, 2003, págs. 956-965), como um tipo de afixação. Assinale-se, contudo, que no

Pergunta:

Vejamos os seguintes exemplos:

Exemplo 1:

«As principais contas integrantes desta classe são:

a. Vendas:

São de considerar nesta conta as vendas representadas pela facturação emitida pela empresa sobre terceiros.»

Exemplo 2:

«Assim, as principais rubricas integrantes desta conta são:

a. Terrenos e recursos naturais – como terrenos em bruto, terrenos com arranjos, terrenos com edifícios e subsolo como:

– terrenos para construção;

– propriedades rústicas e pedreiras;»

A minha dúvida surge na colocação dos dois-pontos em frases seguidas. É possível?

Resposta:

É possível em situações como a que serve de exemplo, com mudança de linha. Mas também pode ocorrer no mesmo parágrafo, embora não seja de recomendar; p. ex.:

«As principais contas integrantes desta classe são: a. Vendas: São de considerar nesta conta as vendas representadas pela facturação emitida pela empresa sobre terceiros.»

Pergunta:

Qual destes termos é mais correcto: "Estrada-património", "estrada-património" ou "Estrada-Património", para designar estradas com determinadas características?

Resposta:

Sem contexto, direi que, em princípio, a forma mais adequada é estrada-património, com minúsculas iniciais, uma vez que não se trata de uma entidade de alcance superior. Poderá, porém, escrever-se "Estrada-Património", com maiúsculas iniciais, se o que está em causa é algum estatuto conferido oficialmente, tal como acontece com as categorias relativas aos espaços classificados como Património Mundial da UNESCO (p. ex., «Paisagem Cultural», «Itinerários Culturais», ver Comissão Nacional da UNESCO – Portugal).

Pergunta:

Como se pronuncia correctamente o acrónimo ACES (Agrupamento de Centros de Saúde)?

Deve-se pronunciar "Áces", "Ácês" ou "Ácés"?

Muito obrigado.

Resposta:

Se ACES se lê como acrónimo, isto é, com estrutura silábica, então deve pronunciar-se como asses, 2.ª pessoa do singular do presente do conjuntivo do verbo assar.

Pergunta:

Outra vez a pronúncia de remoto e «erupção peleana».

1) Sei que já foi respondido (a Armando Dias, 01/07/1997) que se deve, latim exige, pronunciar "–mó",

E entre gente remota edificaram

Novo Reino que tanto sublimaram.

Entretanto, mais de 12 anos passaram inutilmente, pois hoje ouvi na TV o tal [remôto]: pois, como dizia a irmã do Solnado, que gostava de dizer coisas.

2) E esta é da National Geographic: «Erupção "+liana"»!

Meu paciente e sapientíssimo interlocutor da Ciberdúvidas, tenho a comunicar Urbi et Orbi que deve escrever-se peleano, pois provém do Mont Pelée (Martinica) onde ocorreu uma erupção com as características referidas no documentário. É tão fácil recorrer a um dicionário... "Pliano", meu caro, documenta, mais uma vez, a rasca qualidade do tradutor e a passividade dos responsáveis/proprietários do referido canal. Parece que, quando há dúvidas, se recorre lá à improvisação/desenrascanço. Mas que corja de "qualificados" divulgadores de cultura científica! Pergunto: estará o chico-espertismo socrático a tornar-se desígnio nacional?

Resposta:

1. Remoto

Confirmo que se pronuncia remoto, com o aberto na penúltima sílaba. No entanto, do ponto de vista diacrónico, seria de esperar que tal vogal fosse fechada, uma vez que o étimo latino apresenta ō longo (remōtus, a, um, «removido, afastado», Dicionário Houaiss). Assim se compreende que amōremamor, e nōmen, nome. Contudo, acontece que numa série de itens lexicais formados por via erudita ou semierudita, há vogais abertas que, apesar de tudo, remontam a um ō longo latino; p. exp.: atrōcem > atroz; sacerdōtem > sacerdote; vōcem > voz (ver Edwin Williams, Do Latim ao Português, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, pág. 50). É este também o caso de remoto.

2. Peleano

O adjectivo é mesmo peleano, por ter a origem referida no comentário do consulente. É esta a forma que aparece registada na edição em linha do Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora:

«peleano adjetivo GEOLOGIA diz-se do tipo de erupção vulcânica muito violenta e catastrófica

(Do vulcão da montanha Pelée, top., na ilha Martinica, uma das Pequenas Antilhas +-ano).»

Esta grafia está também consignada na 5.ª edição (2009) do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia ...