Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«With more severe clinical signs, including severe dehydration.»

Gostaria de saber se é errado traduzir a palavra inglesa severe para severo, como termo médico. Disseram-me que a tradução correcta é grave, e não severo.

Obrigada.

Resposta:

O Oxford Portuguese Pocket Dictionary traduz severe, referido a doença, como grave. Também no Dicionário Verbo Oxford Inglês-Português, severe, junto de palavras equivalentes a problem, «problema», damage, «dano», shortage, «carência, falta», injury, «ferimento», depression, «depressão», shock, «choque», é traduzido por grave.

Parece-me que a consulente tem de estar atenta à própria expressão em português. A tradução correcta não depende apenas da correspondência palavra a palavra; também decorre da sensibilidade de encontrar as compatibilidades lexicais mais correntes na língua de chegada, aqui, o português. Assim, o que se lê em inglês, sem o adjectivo em questão, verte-se em português como «com mais sinais clínicos, incluindo desidratação». Em seguida, escolhe-se o adjectivo mais adequado, que, neste caso, se me afigura ser grave: «com mais sinais clínicos graves, incluindo desidratação grave». Com desidratação, não é impossível usar severa: «desidratação severa».

Pergunta:

Gostaria de saber por qual razão no dicionário Aurélio o encontro consonantal ps não se encontra separado na translineação do vocábulo parapsicologia.

Resposta:

Na edição do Aurélio XXI a que tive acesso, o que encontro é não a partição silábica para translineação mas, sim, a análise morfológica de parapsicologia, que é constituída pelo prefixo de origem grega para- e por psicologia, palavra da mesma proveniência. Noutras circunstâncias, siga-se o que recomenda o n.º 2 da Base XX do Acordo Ortográfico de 1990, à semelhança do que o Acordo de 1945 e o Formulário Ortográfico de 1943 determinavam: «são divisíveis no interior da palavra as sucessões de duas consoantes que não constituem propriamente grupos», como ocorre em íp-silon. Sendo assim: pa-rap-si-co-lo-gi-a (ver também MorDebe).

Pergunta:

O Correio da Manhã publicou, no dia 1 de Dezembro de 2009, o seguinte título: «Raile de protecção trespassa jovem.» Em resposta à minha reclamação junto da direcção do CM, recebi a seguinte resposta: «Mas é assim que se escreve agora.»

Poder-me-iam informar se o termo "raile" é português correcto?

Desde já os meus agradecimentos.

Resposta:

É. Raile é o aportuguesamento de rail proposto pelo Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), da Academia das Ciências de Lisboa. Esta forma está também registada na base de dados da MorDebe, no Portal da Língua Portuguesa e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora (orientação científica de João Malaca Casteleiro). Este aportuguesamento parece válido apenas para o português europeu, porque não o encontro na edição brasileira do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe uma diferença entre as frases «vou ficar em casa a estudar» e «vou ficar a estudar em casa».

O professor disse que ambas as preposições a e para têm um significado de "motivo", mas queria saber qual é a diferença.

Por exemplo, posso dizer:

«Vou ficar em casa para estudar» em vez de «vou ficar em casa a estudar»

ou

«Quantas pessoas são ao todo a jantar» em vez de «quantas pessoas são ao todo para jantar»?

Não tenho palavras para agradecer.

Resposta:

Existe diferença, mas, na prática, é pequena.

Se usar a construção a + infinitivo, está a empregar um infinitivo equivalente a um gerúndio, com valor durativo:

1 – «Vou ficar em casa a estudar.» = «Vou ficar em casa estudando.»

Se usar para + infinitivo, a construção tem valor final, podendo parafrasear-se como «com a finalidade de...»:

2 – «Vou ficar em casa para estudar.» = «Vou ficar em casa com a finalidade de estudar.»

Estes valores mantêm-se nas paráfrases de «a jantar» e «para jantar»:

3 – «Quantas pessoas são ao todo a jantar?» = «Quantas pessoas são ao todo que estarão a jantar/estarão jantando?»

4 – «Quantas pessoas são ao todo para jantar?» = «Quantas pessoas são ao todo para virem jantar?»

Pergunta:

Como posso analisar o termo em destaque na estrofe que escreverei abaixo?

«Vamos visitar a estrela

da manhã raiada

que pensei perdida "pela madrugada",

mas vai escondida, querendo brincar.»

Obrigada!

Resposta:

Há duas possibilidades de interpretação:

1. O constituinte «pela madrugada» é um agente da passiva, uma vez que «perdida» é uma oração reduzida de particípio e uma construção passiva elíptica, podendo ser parafraseada como subordinada de «pensei»: «... pensei estar/ser perdida pela madrugada».

2. O constituinte em causa é um modificador adverbial na frase «que pensei perdida pela madrugada», comportando-se como outros adverbiais de tempo introduzidos pela preposição por («pela manhã», «pela tarde»).