Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Foi solicitado numa prova de vestibular que o candidato assinalasse uma oração sem sujeito. Dentre os itens, a resposta dada pela instituição como correta foi: «Aqui não me cheira bem.» Essa resposta se dá exclusivamente pela sintaxe dos termos aqui, não e bem como adjuntos adverbiais, ou há algo relacionado ao verbo cheirar? Pois, se formulasse «Algo não me cheira bem», o sujeito é algo, certo? O verbo é transitivo indireto? Acabei me confundindo, não sei se a questão é bem simples e eu me perdi lendo muitas teorias... Por favor, responda-me.

Obrigada!

Resposta:

O verbo cheirar pode ser pessoal ou impessoal:

1) «A comida cheira bem» (pessoal, porque tem sujeito).

2) «Cheira-me bem» (impessoal, porque não tem sujeito).

É curioso verificar que algumas das fontes consultadas (Dicionário Houaiss, Dicionário Universal Gramatical de Verbos Portugueses) não descrevem a estrutura em 2. É no Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, de Winfried Busse (Coimbra, Editora Almedina, 1995), que encontramos a indicação de que o verbo cheirar pode ser usado sem sujeito, como outros verbos seguidos de preposição:

«Cheira aí mal debaixo das escadas.»

«Cheira-me a queimado.»

«Neste quarto cheira a mofo.»

Este comportamento, em que um verbo se torna impessoal, é atribuído por Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 443) a «certos verbos que indicam necessidade, conveniência ou sensações, quando regidos de preposição em frases do tipo:

Basta de provocações!
Chega de lamúrias.
Dói-me do lado esquerdo.»

 

Pergunta:

Qual a origem etimológica do topónimo ?

Qual o gentílico de ?

Agradecido.

Resposta:

O topónimo e apelido  tem origem na forma sala, «de origem germânica, provavelmente do gótico *sala (= ant., alto alemão sal, "casa") [...]» (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Segundo I. Xavier Fernandes (Topónimos e Gentílicos, Porto, Educação Nacional Limitada, 1.º vol., 1941, pág. 329), em Portugal, é nome de «[...] três freguesias no distrito de Viana-do-Castelo e respectivamente nos concelhos de Arcos-de-Valdevez, Monção e Ponte-do-Lima» (mantive a ortografia original). O gentílico respectivo pode ser saense, tendo em conta que esta forma já existe como designação do natural ou habitante de Senador Sá, topónimo do estado brasileiro do Ceará que inclui enquanto apelido.

Assinale-se, no entanto, que, em relação a povoações pequenas, muitas vezes não se usa o gentílico erudito ou semierudito, preferindo-se um nome popular com origem numa alcunha (como acontece até mesmo em grandes cidades: portuense vs. tripeiro) ou construções como «ser de...» («é de Sá»), para referir indivíduos, ou «os de...», «o povo de...», «as pessoas de...», «a gente...» («os de/o povo/as pessoas/a gente de Sá») para designar o conjunto dos naturais e habitantes. A este respeito, como não consegui saber a tradição nos lugares que têm o nome , fica aqui feito um convite a quem queira dar mais alguma informação.

Pergunta:

O dia 9 do Brumário, segundo mês do calendário da Revolução Francesa, era o dia do alisier. Esta palavra francesa se traduz para a nossa língua como mostajeiro?

Gratíssimo perpétuamente.

Resposta:

Sim.

O nome botânico da árvore que se chama alisier em francês é sorbus torminalis. A designação em português é realmente mostajeiro, embora sorvo e sorveira também sejam possíveis (ver Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado). No Regulamento do Plano Regional do Ordenamento Florestal da Beira Interior Norte (Decreto Regulamentar n.º 12/2006), encontro os termos mostajeiro e mostajeiro-de-folha-larga aplicados, respectivamente, à sorbus torminalis e à sorbus latifolia. Estas palavras podem ser usadas no Brasil para designar outras espécies, como revela o Dicionário Houaiss: mostajeiro é sinónimo de azarola quando se refere à craetagus azarola; sorveira é a denominação da couma guianensis e ainda sinónimo de cumaí (couma utilis) e sorva-grande (couma macrocarpa).

Pergunta:

Gostaria de saber 10 palavras vindas do espanhol.

Obrigado.

Resposta:

Por exemplo, segundo o Dicionário Houaiss (desenvolvi todas as abreviaturas do original; as datas são as das primeiras atestações):

Ademane — «proveniente do castelhano ademán, este em espanhol de origem obscura [...].»

Botija — «espanhol botija, derivado do latim vulgar *butticŭla, diminutivo do baixo-latim bŭttis, is, divergente de botelha ["garrafa"] [...].» 

Cabecilha — «espanhol cabecilha (1505) "chefe de rebeldes" [...].» 

Castelhano — «latim castellānus, a, um "relativo a castelo ou praça forte, soldado da guarnição duma praça forte, proprietário dum terreno dentro dos limites duma praça fortificada", plural "guarnição do castelo ou da praça forte, habitantes do castelo, triunfos concedidos pela tomada de um castelo ou praça forte", por extensão "natural de Castela"; empréstimo do espanhol divergente de castelão [...].»

Cavalheiro — «latim tardio caballārius,ĭi, "palafreneiro, escudeiro", pelo espanhol caballero (1076) [...].»

Pergunta:

Em português, você é o equivalente a usted em espanhol? É melhor usar «a senhora» ou «o senhor» com uma pessoa não conhecida ou idosa antes do que você?

Muito obrigada pela sua resposta.

 

Resposta:

Tal como usted em espanhol, você é uma forma de tratamento para a segunda pessoa que se associa a formas verbais da terceira pessoa (ver Paul Teyssier, Comprendre les Langues Romanes, Paris, Chandeigne, 2004, págs. 184-187). Mas, no português europeu, você envolve familiaridade, além de também ser tratamento depreciativo (daí, o dito popular, «você é estrebaria»). Por conseguinte, o equivalente de usted em português europeu (e brasileiro) é realmente a fórmula «o senhor/a senhora», que marca respeito ou distanciamento em relação a um interlocutor. É, portanto, uma fórmula adequada para se usar com pessoas idosas e desconhecidos («o senhor não se quer sentar?»), a par de uma estratégia alternativa, no caso de a relação com o interlocutor ser pouco definida: omitir tais formas de tratamento («não se quer sentar?»).