Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a figura de estilo presente nos seguintes versos:

«Fez primeiro em Coimbra exercitar-se/O valeroso ofício de Minerva.»

Obrigado pela ajuda.

Resposta:

É uma perífrase, porque por muitas palavras («o valeroso ofício de Minerva») se refere o que pode ser  designado simplesmente por uma («o saber» ou «as ciências»).

Trata-se de dois versos que ocorrem em Os Lusíadas (canto III, estrofe 97), de Luís de Camões. Convém assinalar que a forma valeroso é uma variante quinhentista de valoroso.

Pergunta:

Consultei a questão que responde parcialmente à minha dúvida [...]. Embora minha questão incid[a] sobre o gênero, e não sobre o número, o fato de o uso em Portugal ser distinto demonstra que na verdade não existe nenhuma norma com relação a isso, mas apenas hábito linguístico, correto? Porém, uma nova dúvida surgiu com essa informação: por acaso em Portugal se refere a uma banda feminina como «as L7» ou «as Smashing Pumpkins» (artigo feminino)?

Grato. Sucesso!

Resposta:

Não há de facto regra explícita, mas pode detectar-se uma tendência ou um padrão. Em relação a grupos constituídos só por indivíduos do sexo feminino, o uso em Portugal é referi-los no género feminino, no plural: «Gosto de ouvir as Supremes, as Bangles e as Spice Girls

Pergunta:

Na frase «Ao chegar perto, Ulisses contornou disfarçadamente a criança», que função sintáctica desempenha «Ao chegar perto»? Poderemos aceitar «Ao chegar» como complemento circunstancial de tempo, e «perto» como complemento circunstancial de lugar?

Resposta:

«Ao chegar perto» é uma oração subordinada adverbial temporal reduzida de infinitivo, que, em relação à oração subordinante, desempenha a função de modificador (ver Dicionário Terminológico — DT) ou, recorrendo a uma terminologia mais tradicional, de complemento circunstancial, neste caso, de tempo. No contexto dessa oração subordinada é que se pode dizer que «perto» é um complemento circunstancial de lugar (terminologia tradicional) ou um modificador do verbo (DT).

Pergunta:

Foi solicitado numa prova de vestibular que o candidato assinalasse uma oração sem sujeito. Dentre os itens, a resposta dada pela instituição como correta foi: «Aqui não me cheira bem.» Essa resposta se dá exclusivamente pela sintaxe dos termos aqui, não e bem como adjuntos adverbiais, ou há algo relacionado ao verbo cheirar? Pois, se formulasse «Algo não me cheira bem», o sujeito é algo, certo? O verbo é transitivo indireto? Acabei me confundindo, não sei se a questão é bem simples e eu me perdi lendo muitas teorias... Por favor, responda-me.

Obrigada!

Resposta:

O verbo cheirar pode ser pessoal ou impessoal:

1) «A comida cheira bem» (pessoal, porque tem sujeito).

2) «Cheira-me bem» (impessoal, porque não tem sujeito).

É curioso verificar que algumas das fontes consultadas (Dicionário Houaiss, Dicionário Universal Gramatical de Verbos Portugueses) não descrevem a estrutura em 2. É no Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, de Winfried Busse (Coimbra, Editora Almedina, 1995), que encontramos a indicação de que o verbo cheirar pode ser usado sem sujeito, como outros verbos seguidos de preposição:

«Cheira aí mal debaixo das escadas.»

«Cheira-me a queimado.»

«Neste quarto cheira a mofo.»

Este comportamento, em que um verbo se torna impessoal, é atribuído por Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 443) a «certos verbos que indicam necessidade, conveniência ou sensações, quando regidos de preposição em frases do tipo:

Basta de provocações!
Chega de lamúrias.
Dói-me do lado esquerdo.»

 

Pergunta:

Qual a origem etimológica do topónimo ?

Qual o gentílico de ?

Agradecido.

Resposta:

O topónimo e apelido  tem origem na forma sala, «de origem germânica, provavelmente do gótico *sala (= ant., alto alemão sal, "casa") [...]» (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Segundo I. Xavier Fernandes (Topónimos e Gentílicos, Porto, Educação Nacional Limitada, 1.º vol., 1941, pág. 329), em Portugal, é nome de «[...] três freguesias no distrito de Viana-do-Castelo e respectivamente nos concelhos de Arcos-de-Valdevez, Monção e Ponte-do-Lima» (mantive a ortografia original). O gentílico respectivo pode ser saense, tendo em conta que esta forma já existe como designação do natural ou habitante de Senador Sá, topónimo do estado brasileiro do Ceará que inclui enquanto apelido.

Assinale-se, no entanto, que, em relação a povoações pequenas, muitas vezes não se usa o gentílico erudito ou semierudito, preferindo-se um nome popular com origem numa alcunha (como acontece até mesmo em grandes cidades: portuense vs. tripeiro) ou construções como «ser de...» («é de Sá»), para referir indivíduos, ou «os de...», «o povo de...», «as pessoas de...», «a gente...» («os de/o povo/as pessoas/a gente de Sá») para designar o conjunto dos naturais e habitantes. A este respeito, como não consegui saber a tradição nos lugares que têm o nome , fica aqui feito um convite a quem queira dar mais alguma informação.