Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é o radical da palavra paciência?

Resposta:

A forma paciênci- é o radical, e -a é o índice temático da palavra paciência.

Pergunta:

Gostaria de saber por que se pronunciam algumas siglas que formam palavra com mais de uma sílaba cuja letra final é o U como paroxítona, enquanto outras são pronunciadas como oxítonas. Exemplo: ONU (paroxítona) e SAMU (oxítona).

De maneira semelhante, aparecem as siglas terminadas em I. Na sigla INPI (que aqui no Brasil pronunciamos como paroxítona), não sería correto lermos de maneira igual a "tupi", palavra oxítona que designa etnias pré-colombianas brasileiras?

Resposta:

A rigor, os exemplos apontados são acrónimos, ou seja, são siglas que têm estrutura silábica e, por isso, se pronunciam como palavras. Como tal, seguem as regras gerais da fonologia e ortografia da língua portuguesa: se ONU se pronuncia como palavra oxítona (ou aguda) "onú", então SAMU também pertence ao mesmo tipo acentual e pronuncia-se "samú". Quanto a INPI, seria de esperar que ou se soletre ("i-ene-pê-i") ou se pronuncie como "impí", com acento na última sílaba (rima com tupi).

Pergunta:

Como é a pronúncia da palavra questão em símbolos fonéticos?

Muito obrigado.

Resposta:

A seguinte: [kɨʃtɐ̃w] em português europeu, e [keʃtɐ̃w] ou [kestɐ̃w] em português brasileiro.1

Assinale-se que há regist{#|r}o da pronúncia da letra u, como "kwestão", mas trata-se de matéria controversa. Com efeito, o Dicionário Houaiss, na sua edição de 2001, que ainda apresenta formas com trema, de acordo com o Formulário Ortográfico de 1943, consigna a variante qüestão, a indicar u pronunciado, mas remete-a para questão, sem essa vogal, o que sugere que é esta a preferencial. Já a edição de 2009, de harmonia com o Acordo Ortográfico de 1990, inclui indicações fonéticas das duas pronúncias, sem assinalar preferência. Por seu lado, Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003) considera que a letra u «não corresponde a nenhum, e, por isso, não há trema».  Conclui-se que a pronúncia com [u] é uma variante que não tem o consenso dos gramáticos normativos, pelo que se aconselha evitá-la.

1 Por razões técnicas não é possível colocar um til também sobre a semivogal [w] nas transcrições da palavra em apreço.  Refira-se ainda que existe igualmente a variante [kɛʃtɐ̃w], com é aberto pré-t{#ó|ô}nico (informação do consulente Gilson Celerino da Silv...

Pergunta:

A propósito da comemoração, em 2009, da chegada do homem à Lua, aconteceu interrogar-me sobre o porquê da diferença de designação: astronauta para os americanos (e ocidente em geral) e cosmonauta para os soviéticos (e para os russos, agora)?

Procurei na Internet, e todos parecem aceitar que quando se fala de russos deve dizer-se "cosmonautas" e que para americanos o termo certo é "astronautas", sem, contudo, em nenhum dos sítios-web que consultei, alguém avançar com qualquer explicação sobre esta diferença de designação.

Então ocorreu-me formular algo que está longe de ser uma teoria, é mais um palpite!

Quando se fala do Vietname, por exemplo, deve dizer-se que fica no Sudeste asiático (localização em relação ao próprio continente asiático) e não que fica no extremo-oriente (nomenclatura eurocentrista).

Será que uma dicotomia semelhante se aplica às designações cosmonauta — que poria a tónica no cosmos infinito, ele próprio, e não na visão que se tem dos astros a partir da Terra (e dos seus interesses...), enquanto astronauta seria, portanto, muito mais "terrocentrista"?

Diferenças semânticas que têm por trás diferentes mundivisões? Por favor, esclareçam-me.

Antecipadamente grato.

Resposta:

A explicação do consulente é realmente um palpite difícil de confirmar. Mas não vejo "terrocentrismo" (para usar o neologismo) em astronauta, porque astro designa qualquer corpo celeste, com e sem luz própria, incluindo a Terra; o mais que me parece poder dizer-se é que cosmos, enquanto «espaço universal, composto de matéria e energia e ordenado segundo suas próprias leis» (Dicionário Houaiss), denota um todo, enquanto astro, uma perspectiva atomista, por referir elementos desse todo.

Diga-se que, segundo o Online Etymology Dictionary, astronaut está atestado em inglês desde 1929 e terá sido criado por sugestão do francês astronautique, termo criado por J. H. Rosny, pseudónimo do belga Joseph Henri Honoré Boex (1856–1940). Cosmonaut também está registado em inglês (ver Oxford Advanced Dictionary, Merriam Webster Dictionary), embora em data mais recente (1959), como empréstimo do russo kosmonavt, língua em se criou o termo a partir de radicais gregos: kosmos (= «cosmos») + nautes (= «navegante»); Online Etymology Dictionary.

Pergunta:

Vivo numa vila do concelho de Tondela, distrito de Viseu, chamada Lajeosa do Dão.

Gostaria de saber a proveniência do nome Lajeosa e se se escreve com um j, com um g, ou pode ser com os dois ("Lageosa").

Obrigado.

Resposta:

Escreve-se com j, porque o topónimo tem origem no adjectivo lajeoso (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), derivado de laje. Lajeosa é também a forma indicada por Rebelo Gonçalves, no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, quando afirma que a grafia de laje «[...] pede que se escreva lajem, lajear, lajedo, Laje, Lajes, Lajens, Lajeosa, etc.» (pág. 30, n. 5)