Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra renascerei é derivada por prefixação, ou considera-se o sufixo da desinência verbal e é derivada por prefixação e sufixação?

Resposta:

Em relação a renascerei afirmará que é uma forma da flexão de renascer. Acerca de renascer é que vai dizer que se trata de um verbo formado por prefixação cuja base é nascer.

Note que, em morfologia, a respeito das formas da conjugação verbal, fala-se em flexão e não em derivação, apesar de ambos serem processos morfológicos realizados por afixação (Dicionário Terminológico). Do ponto de vista da flexão, a forma renascerei, 1.ª pessoa do singular do futuro simples do verbo renascer, como sucede com todos os verbos, tem a particularidade de ser analisável como um composto formado pelo infinitivo renascer e pelas terminações do presente do indicativo do verbo haver (ver Alina Villalva, "Aspectos Morfológicos da Gramática do Português", in M.ª Helena Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 937):

renascer + (h)ei

Quanto a renascer, trata-se de uma palavra derivada por prefixação, à luz do DT.1

1 Alina Villalva (op. cit. 963) considera as palavras prefixadas não como palavras derivadas mas como estruturas de modificação morfológica: fazer > refazer.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem a seguinte dúvida:

«Ora certa noite, e já depois de se ter deitado, a mãe lembrou-se de que se calhar não tinha deixado o lume bem acondicionado para não pegar fogo.(...) Eis senão quando, ao passar ao quarto do filho, viu por debaixo da porta uma risca de luz. (...) A mãe nem queria acreditar.»

A Estrela, de Vergílio Ferreira

Neste contexto, a forma verbal passar é um infinitivo pessoal, ou impessoal?

Passar refere-se à mãe (sujeito), contudo também podemos considerar «ao passar ao quarto do filho (...)» como um grupo móvel, o que me leva a pensar que, assim sendo, se trata de um infinitivo impessoal.

Grato pela vossa colaboração.

Resposta:

Considero que o verbo na oração subordinada adverbial reduzida de infinitivo em apreço é ambíguo. Tanto pode ser o infinitivo pessoal como o impessoal:

1) «Eis senão quando, ao passar ao quarto do filho, viram por debaixo da porta uma risca de luz.»

2) «Eis senão quando, ao passarem ao quarto do filho, viram por debaixo da porta uma risca de luz.»

As duas frases estão correctas. Em 1, não é obrigatório o emprego do infinitivo flexionado, porque o sujeito subentendido da subordinante controla, digamos assim1, o sujeito nulo da oração subordinada, à semelhança do que ocorre numa oração final de infinitivo:

3) a. «Passaram pela aldeia para visitar a avó.»

     b. «Passaram pela aldeia para visitarem a avó.»

O infinitivo não flexionado em 3a aproxima a oração de um modificador adverbial («para uma visita à avó»). A opção pelo infinitivo flexionado em 3b, apesar de redundante, sublinha maior dinamismo do estado de coisas que é referido pela oração e pode ser substituído por uma oração subordinada final finita («para que visitassem a avó»).

O facto de as orações subordinadas de adverbiais de infinitivo se comportarem como outros modificadores, que, entre certos meios pedagógicos, se designam globalmente por grupo móvel, não afecta a possibilidade de ocorrência das duas construções:

4) «Eis senão quando viram por debaixo da porta uma risca de luz, ao passar ao quarto do filho.»

5) «Eis senão quando viram por debaixo da porta uma risca de luz, ao passarem ao quarto do filho.»

1...

Pergunta:

Actualmente não encontro em Portugal qualquer aceitação oficial dos seguintes termos, aplicados às ciências computacionais, e de uso corrente, que passo a enumerar incluindo o seu significado geral:

I. "Rasterizar"/"Rasterização" (eng. to raster/rastering) — processo de geração de uma imagem rasterizada (composta por píxeis ou pontos) a partir de uma imagem vectorial (composta por vectores), com o fim de ser apresentada em ecrã, imprimida ou guardada em ficheiro.

"Rasterizador" (eng. raster) — Aplicação, função ou extensão de aplicação que processa dados vectoriais multicamada de uma imagem e os transforma, aplica numa só camada para a formação de uma imagem rasterizada.

«Imagem rasterizada» (eng. raster image) — imagem composta por píxeis ou pontos.

II. "Renderizar" (eng. render) — processo de geração de um resultado a partir de dados de um modelo, por meio de uma aplicação informática e com a finalidade de produzir uma realidade virtual.

"Renderizador" (eng. render) — Aplicação, função ou extensão de aplicação que procede à criação do resultado que representa uma realidade virtual.

"Renderização" (rendering) — acto de renderizar, objecto renderizado.

«Imagem renderizada» (rendered image) — imagem processada segundo dados de um modelo com a propósito de representar uma realidade virtual.

(Uma realidade virtual é um objecto criado por computador que apresenta as características visuais de uma realidade possível ou não).

Esta terminologia é aplicada nas áreas da construção civil (ex.: projectos CAD 3D), medicina (imagologia), produção cin...

Resposta:

Os aportuguesamentos apresentados pelo consulente são possíveis e passíveis de se generalizarem como termos técnicos. Na ciências da computação, são numerosos os termos que têm origem no inglês e que foram aportuguesados fonética e ortograficamente.

Quanto à legitimidade dos elementos de origem inglesa, o que se discute muitas vezes entre quem tem de emitir juízos normativos sobre estes anglicismos técnicos é saber até que ponto tais elementos são conciliáveis com a tradição portuguesa de formação de termos técnicos. Esta tradição parece semelhante à de outras línguas provenientes da Europa, incluindo o inglês, e traduz-se sobretudo em criar terminologias com base no grego e no latim; fora deste critério, procura-se que cada língua encontre termos vernáculos, isto é, que correspondam às características fónicas, morfológicas, morfossintácticas e ortográficas de cada idioma. Por conseguinte, o que se discute entre os mais ciosos da vernacularidade é a legitimidade do inglês enquanto língua científica e, principalmente, a aceitabilidade das palavras que nessa língua fazem parte, não do património greco-latino, que se estendeu à Europa com as devidas adaptações locais, mas do léxico de origem anglo-saxónica.

Por ultrapassada que esteja a atitude de resistência à penetração de termos técnicos ingleses, também não acho pertinente o argumento segundo o qual estes anglicismos devem ser aceites porque o conceito a eles associados não foi criado em Portugal. Aceitar esta ideia parece-me, no fundo, negar a possibilidade de toda e qualquer tradução: é verdade que há palavras e frases intraduzíveis ou difícieis de traduzir (dando razão ao velho dito italiano «traduttore, traditore» — literalmente «tradutor, traidor»), mas o português, como outra língua qualquer, é suficientemente plástico para criar neologismos com base nos seus própr...

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a figura de estilo presente nos seguintes versos:

«Fez primeiro em Coimbra exercitar-se/O valeroso ofício de Minerva.»

Obrigado pela ajuda.

Resposta:

É uma perífrase, porque por muitas palavras («o valeroso ofício de Minerva») se refere o que pode ser  designado simplesmente por uma («o saber» ou «as ciências»).

Trata-se de dois versos que ocorrem em Os Lusíadas (canto III, estrofe 97), de Luís de Camões. Convém assinalar que a forma valeroso é uma variante quinhentista de valoroso.

Pergunta:

Consultei a questão que responde parcialmente à minha dúvida [...]. Embora minha questão incid[a] sobre o gênero, e não sobre o número, o fato de o uso em Portugal ser distinto demonstra que na verdade não existe nenhuma norma com relação a isso, mas apenas hábito linguístico, correto? Porém, uma nova dúvida surgiu com essa informação: por acaso em Portugal se refere a uma banda feminina como «as L7» ou «as Smashing Pumpkins» (artigo feminino)?

Grato. Sucesso!

Resposta:

Não há de facto regra explícita, mas pode detectar-se uma tendência ou um padrão. Em relação a grupos constituídos só por indivíduos do sexo feminino, o uso em Portugal é referi-los no género feminino, no plural: «Gosto de ouvir as Supremes, as Bangles e as Spice Girls