Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Devemos chamar de "cassubos" ou "cachubos" o povo não-polaco que habita Gdansk e regiões próximas, na Polônia?

Baseado na vossa resposta, poderei saber se as regiões onde moram será "Cassúbia" ou "Cachúbia"?

Creio que talvez a etimologia do etnônimo deverá dizer-nos a forma correta dele e da região. Na Vicipaedia latina, se diz que é “Cassubia” o nome da região, dando assim de entender que este é o nome da região na época romana. Não sei se o Império Romano chegou até lá, mas, de qualquer maneira, os romanos atribuíam nomes latinos às regiões próximas ao Império, mas que a ele não pertenciam.

Os vossos confiabilíssimos esclarecimentos, por favor.

Obrigadíssimo.

Resposta:

Os termos que designam a língua e o grupo étnico assim conhecidos não têm uma forma estável, certamente em virtude do seu escasso uso, que é confirmado pela ausência de entradas em dicionários gerais e até em enciclopédias (em Portugal, só a Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Editorial Verbo, o regista, na forma francesa, Kachoube). A informação que pude reunir é toda ela proveniente de artigos da Wikipédia em várias línguas, de modo a permitir a identificar a(s) forma(s) do etnónimo em português. Cheguei assim à conclusão de que há duas formas possíveis:

a) uma, cachuba, que procura reproduzir o som palatal que ocorre na palavra alemã Kaschube, adaptação ou da palavra kaszëbi, designativo da língua em causa, ou do polaco kaszubie;

b) outra, cassuba, que é o aportuguesamento do latim cassuba, que alterou a palatal das formas eslavas e alemã numa consoante sibilante geminada, uma vez que em latim não existem as consoantes (pré-palatais) representadas por sz (polaco), sch (alemão) ou ch/x (português).

Note-se que em publicações em português ocorre a forma cachuba, dos dois géneros; no entanto, sabendo que a palavra tem forma feminina nas línguas em que é mais corrente, e ainda considerando que noutras línguas românicas o termo é biforme (por exemplo, italiano casciubo/casciuba), parece-me que são também aceitáveis as formas cachubo ou cassubo, para o masculino, e cachuba ou cassuba, para o feminino. Existem ainda mais possibilidades: cachubiano e cassubiano

Pergunta:

A palavra sujeito é usada com dois significados contraditórios: por um lado, é usada como «senhor do seu destino, das suas próprias acções», «voluntarista»: por outro, como estando submetido a alguém ou à vontade de alguém. Parece ter ligação etimológica a jugo (canga) e a súbdito, nas monarquias (súbdito britânico), por oposição a cidadão, nas repúblicas (cidadão português)...

A palavra objecto tem, por um lado, o significado de «coisa ou pessoa sem vontade própria» («objecto sexual», «objecto de estudos» etc.) e, por outro, como em objectivo de: coisa ou ideia bem concreta e precisa. E com o seu oposto, subjectivo, passa-se um pouco a mesma coisa...

Eu só tenho o antigo 5.º ano do liceu (como se dizia), mas gosto muito da nossa língua e procuro usá-la com acuidade...

Antecipadamente grato.

Resposta:

Congratulo-me pelo interesse que demonstra pela semântica e pela etimologia do léxico português. Infelizmente, não posso confirmar nem a primeira acepção proposta («senhor do seu destino, das suas próprias acções»), nem a relação com jugo.

Penso, todavia, que quer de certa maneira referir-se ao conceito filosófico de sujeito, que não corresponde exactamente ao que sugere, dado ser definido «na metafísica clássica, esp[ecialmente] no aristotelismo, [como] ser real, substância, realidade permanente à qual se atribuem transformações, qualidades ou acidentes», donde, por extensão de sentido, se chegou ao conceito lógico de sujeito, que, «em uma proposição, [constitui o] termo de que se fala, de que se afirma ou se nega algo, e ao qual se predicam propriedades, qualidades ou determinações [símb.: S]» (Dicionário Hoauiss). Ainda no âmbito da tradição filosófica ocidental, sujeito é, «em epistemologia, esp[ecialmente]. a partir do cartesianismo e do pensamento moderno, o eu pensante, consciência, espírito ou mente enquanto faculdade cognoscente e princípio fundador do conhecimento» (idem). Quanto à noção de «submissão a algo ou alguém», ela encontra-se associada à palavra sujeito, enquanto substantivo, na acepção de «súbdito», e como adjectivo, em várias acepções, todas elas relacionadas com as noções de submissão, dependência.

A respeito da etimologia da palavra, ainda segundo o Dicionário Houaiss, ela tem origem no adjectivo subjectus,a,um, «posto debaixo, colocado em lugar baixo, posto diante de, exposto a; subordinado, submetido, sujeito, subjugado; dependente», derivado do verbo latino subjicĭo,is, «lançar ou pôr debaixo; ocultar, escon...

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem uma dúvida decorrente da leitura desta frase: «De resto, não tenho dúvidas que a FMUP é uma excelente faculdade.»

A minha dúvida prende-se com a utilização do presente do indicativo por oposição ao presente do conjuntivo. Por outras palavras, pergunto-me se o uso do presente do indicativo do verbo ser será aceitável neste contexto, ou se o correcto seria mesmo recorrer ao presente do conjuntivo do mesmo — «De resto, não tenho dúvidas que a FMUP seja uma excelente faculdade.»

Gostaria que se justificassem, para que a dúvida fosse completamente exterminada.

Resposta:

Ao negar a expressão «ter dúvidas de que» (melhor que «ter dúvidas que»), pode dizer das duas maneiras, que não são totalmente equivalentes:

1 – «De resto, não tenho dúvidas de que a FMUP é uma excelente faculdade.»

2 – «De resto, não tenho dúvidas de que a FMUP seja uma excelente faculdade.»

Em 1, quem enuncia a frase assume inteiramente o valor de verdade da oração completiva «a FMUP é uma excelente faculdade».

Em 2, o enunciador indica mediante o conjuntivo que o conteúdo da oração completiva é uma afirmação feita por outra pessoa.

Pergunta:

Estou a tentar fazer a minha árvore geneológica. Há três gerações atrás apareceu-me o sobrenome Nunes Perna; ex.: Manuel, filho de João, e por aí adiante; a família é originária de Tomar. Mas o sobrenome é muito estranho Nunes Perna, não sei o que lhe poderá ter dado origem; inclusivamente a minha avó Emília "deixou cair este apelido". Como estou a escrever a história, achava interessante, se alguém pudesse esclarecer-me.

Desde já muito grata.

Resposta:

O apelido Nunes tem origem num patronímico medieval Nunez, que significa «filho de Nuno». Quanto a Perna, segundo José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, trata-se de antiga alcunha, com origem no substantivo feminino perna. A palavra existe também como topónimo, cuja origem, de acordo com o mesmo autor, talvez se encontre no substantivo feminino perna, embora também proponha «[...] se trate de voc[ábulo] diferente, adaptado a perna por etimologia popular, proventura [sic] pedra, tornada pêra [...] e depois, como em Perna Chã e Perna Negra, teria havido imposição do mais vulgar perna1

1 Por lapso, o autor escreveu "proventura" em lugar da forma correcta, porventura.

Pergunta:

Aqui em Campinas se usa dizer: «de domingo», «de segunda», etc., em vez de «no domingo», «na segunda», etc. Acho que pela norma culta esse uso não está correto, mas gostaria de saber por que o uso do de é errado nessa situação. Ex.: «de domingo irei ao teatro» em vez de «no domingo irei ao teatro».

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de um uso regional, que não faz parte nem da norma brasileira nem da portuguesa. Considera-se que não está correcto sobretudo porque os adjuntos adverbiais de tempo, quando se destinam a localizar determinado evento em relação aos dias da semana, se usam habitualmente com a preposição em ou sem preposição nenhuma: «No domingo, vou à praia»/«Domingo, vou à praia» (Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora UNESP, 2003, s. v. dia 2). Poderia dizer-se que se usa a preposição em, porque é esta que melhor localiza os acontecimentos relativamente a uma data, pelo seu significado geralmente estático; no entanto, para expressar localização sem movimento empregam-se outras preposições como a, cujo significado nem sempre é estático: «Estive em Portugal em/a 1 de Janeiro» (mas «Vou a Lisboa»). Além disso, existem expressões como «de futuro», em que a preposição de é equivalente a em («de futuro» = «no futuro»), o que sugere que, em expressões temporais, é possível empregar de. Por conseguinte, a motivação do uso das preposições não parece ser semântica, antes se afigurando como convenção que se encontra enraizada na construção deste tipo de locuções adverbiais.