Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em Abertura de 3/2/2010, há uma chamada sob título «As relações difíceis entre a escrita e a fala», cuja frase inicial é «A grafia não imita a fala». Discorre sobre a eterna querela da ortografia ser fonética ou etimológica, quando, de fato, ela tem de ser um mero conjunto de signos, convencionado, para que todos es crevam de uma determinada maneira "correta", e todos que a falam ou leiam consigam entendimento. Ao contrário da fala, que os linguistas consideram que não há certa nem errada, a escrita é diferente; a lei obriga a escrever "certo". E é por isto que não entendo porque existe a necessidade de se escrever falámos em Portugal e falamos no Brasil.

Que cada qual pronuncie como quiser (ou puder), mas não há razão para acentuar a escrita, ainda mais em palavras paroxítonas. Precisamos urgente de um Acordo Ortográfico unificador, de fato, da nossa escrita. Acabei de reler A Velhice do Padre Eterno, do imortal Guerra Junqueiro, em sua primeira edição, onde praticamente não há acentuação, mesmo em palavras proparoxítonas; os acentos não fizeram a menor falta ao entendimento ou à pronúncia mental que realizei enquanto lia. A pletora de acentos está fazendo com que a escrita digitalizada (praticamente não há mais escrita "manuscrita") leve os preguiçosos da Internet a escrever "nahum" apenas para não ter que digitar o til.

E viva a língua portuguesa, que consegue ser compreendida em um país de dimensões continentais como o Brasil, sem a preocupação dialetal.

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço ao consulente a vontade de partilhar as suas reflexões por nosso intermédio. Pela minha parte, deixo aqui uns breves comentários a certas passagens do texto enviado.

1. «... a escrita é diferente; a lei obriga a escrever "certo". E é por isto que não entendo porque existe a necessidade de se escrever falámos em Portugal e falamos no Brasil.»

Penso que a diferença que é focada decorre exactamente de "leis" diferentes. Durante mais de 60 anos, distinguiu-se a terminação -amos (1.ª pessoa do presente do indicativo) da terminação -ámos (1.ª pessoa do pretérito perfeito do indicativo) em Portugal na observância do estipulado no Acordo Ortográfico de 1945 (AO45). No Brasil, não havia tal distinção, porque ela não estava prevista no Formulário Ortográfico 1943 (FO43). Recordo que a distinção no AO45 -amos/-ámos não era apresentada como reflexo dos factos de pronúncia de uma variedade em especial; no entanto, o que parece muitas vezes é: a distinção é feita na pronúncia-padrão do português europeu, e muitos consideram que deve ser conservada na tradição ortográfica respectiva. O Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) recorre às facultatividades, para aceitar quer a distinção das terminações quer a sua indistinção, como se pode ler na Base IX:

«4 É facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do indicativo, do tipo amámos, louvámos

Pergunta:

Eu aprendi que existem dois grupos de pontuação: sinais de pontuação que marcam pausa e sinais de pontuação que marcam melodia, entoação. No entanto, vi escrito que os sinais de pontuação se encontram em dois grupos: sinais que marcam ritmo e sinais que marcam melodia, entoação. Está correcta esta divisão em ritmo e melodia, entoação? Não é pausa e melodia, entoação? Afinal em que grupos se divide a pontuação? Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

Não existe um sistema de classificação dos sinais de pontuação que tenha aceitação geral. No entanto, parece-me que as duas classificações em apreço se assemelham bastante, se pensarmos que os sinais de pontuação que marcam pausas são sinais que também definem o ritmo da frase.

Deste modo, o que parece estar em questão é afinal um mesmo sistema de classificação, que, por exemplo, se encontra exposto em Celso Cunha e Lindley Cintra, na sua Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da costa, 1984, pág. 639):

«Os sinais de pontuação podem ser classificados em dois grupos:

O primeiro grupo compreende os sinais que, fundamentalmente, se destinam a marcar as PAUSAS:

a) a VíRGULA (,)

b) o PONTO (.)

c) o PONTO E VÍRGULA (;)

O segundo grupo abarca os sinais cuja função essencial é marcar a MELODIA, a ENTOAÇÃO:

a) os DOIS PONTOS (:)

b) o PONTO DE INTERROGAÇÃO (?)

c) o PONTO DE EXCLAMAÇÃO (!)

d) as RETICÊNCIAS (...)

e) as ASPAS («»)

f) os PARÊNTESES ( () )

g) os COLCHETES ( {} )

h) o TRAVESSÃO (—)»

Mas os mesmos autores logo depois observam:

«Esta distinção, didacticamente cómoda, não é, porém, rigorosa. Em geral, os sinais de pontuação, indicam, ao mesmo tempo, a pausa e a melodia.»

Na verdade, não encontramos esta classificação em sistematizações mais recentes da terminologia linguística. É o que acontece no Dicionário Terminológico, que não faz tal distinção:

«[Os sinais de pontuação constituem um] conjunto de sinais gráficos utilizados, na escrita, para representar alguns aspectos da entoação, para delimitar constituintes da frase, para veicular valores discursivos ou para representar tipos de frase. Os sinais gráficos utilizados na pontuação são ponto [.], ponto de interrogação [?], ponto de exclamação [!], dois pontos [:], ponto e ...

Pergunta:

Se se é um criador no domínio das artes visuais, é-se um «artista visual»?

Obrigada.

Resposta:

Sim. Tendo em conta que existe o termo artes visuais, diz-se também que existem artistas visuais. Deve contar-se também com o termo artes plásticas e artista plástico, cujas significações são menos amplas que as de artes visuais e artista visual.

Pergunta:

Uma simples pergunta, como se chamam os habitantes de Oldrões?

Sem mais de momento, muito obrigado.

Resposta:

Não parece haver um gentílico consagrado para designar o natural ou habitante de Oldrões. O mais que se pode propor é que se crie um com base no radical do topónimo que se pode identificar com oldron-; sendo assim, diremos oldronense, à semelhança de pilonense (de Pilões, Nrasil). No entanto, em matéria de gentílicos, deve-se respeitar a etimologia, e o que acontece neste caso é não se saber ao certo se o radical oldron- tem razão de ser histórica. Na verdade, por José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, ficamos a saber que a freguesia já se chamou Oldrãos e talvez Oldrães. Sendo assim, oldranense seria forma mais adequada. De qualquer maneira, parece-me que o mais certo é não se usar mesmo nenhuma designação e se recorra a expressões como «os naturais/habitantes de Oldrões» ou simplesmente «os de Oldrões».

Pergunta:

A disciplina de Ciências Físico-Químicas aparece designada por Físico-Química no Decreto-Lei n.º 6/2002, que estabeleceu as matrizes curriculares para o ensino básico. Julgo haver aqui um erro linguístico, em cujas causas não vou agora deter-me, pois dever-se-á chamar «Ciências Físico-Químicas» ou «Física e Química». Não terei razão? Aguardo esclarecimentos.

Obrigado!

Resposta:

O termo físico-química está correcto e encontra-se registado em dicionários gerais de língua:

Dicionário Houaiss

«ciência interdisciplinar, de limites indefinidos, que visa estudar as propriedades macroscópicas de um sistema, relacionando-as com a sua estrutura microscópica ou, por um processo inverso, partir da estrutura microscópica, obtendo as suas propriedades macroscópicas por métodos da física e da química; químico-física [A fronteira entre a físico-química e a física é tênue e, com o advento da física moderna, tende a desaparecer em grande parte das situações.]»

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das Ciências de Lisboa)

«Ciência que engloba simultaneamente os domínios da física e da química, no estudo que faz dos corpos.»

O termo ciências físico-químicas aparece sem definição no verbete de físico-químico, adjectivo que significa «que se refere simultaneamente à física e à química».

De harmonia com o Acordo Ortográfico de 1945, escreve-se com maiúscula inicial «[...] os nomes de ciências, ramos de ciências e artes, quando em especial designam disciplinas escolares ou quadros de estudos pedagogicamente organizados [...]» (Base XLIII). Com o Acordo Ortográfico de 1990, é facultativa a maiúscula inicial (Base XIX, 1.º g).