Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber por que o correto é dizer «estamos "em greve"» e não «estamos "de greve"».

Resposta:

A expressão «estar em greve» e «entrar em greve» decalcam a estrutura da francesa que lhe deu origem, «se mettre en grève»; por conseguinte, a preposição em traduz a sua cognata francesa, en. Também o português «fazer greve» se afigura decalque de «faire grève».

Pergunta:

Gostaria que me dissessem qual a grafia portuguesa mais correcta dos seguintes topónimos estrangeiros:

Adiguésia ou Adigueia (república russa)?

Ajária ou Adjária (república russa)?

Anju ou Anjú (região francesa)?

Arrochela ou Rochela (cidade francesa)?

Bachequíria ou Basquíria (república russa)?

Bizerta ou Biserta (cidade da Tunísia)?

Bucóvina ou Bucovínia (região da Roménia)?

Camecháteca ou Canchatca?

Catânia ou Catana (cidade da Sicília)?

Cuala Lumpur ou Quala Lumpur (capital da Malásia)?

Estetino ou Estetim (cidade da Polónia)?

Goteburgo ou Gotemburgo (cidade sueca)?

Hainaut, Henau ou Hainaute (província da Bélgica)?

Hessen, Héssia ou Hesse (land da Alemanha)?

Iacútia ou Jacútia (república russa)?

Lviv, Leópolis ou Lemberga (cidade da Ucrânia)?

Mekong, Mecão ou Mecom (rio asiático)?

Midelburgo ou Meldeburgo (cidade holandesa)?

Mogadíscio ou Mogadixo (capital da Somália)?

Osaca ou Ósaca (cidade do Japão)?

Pittsburgo ou Pitesburgo (cidade da Pensilvânia)?

Surrento ou Sorrento (cidade italiana)?

Taline ou Talim (capital da Estónia)?

Toscana ou Toscânia (r...

Resposta:

Em primeiro lugar, uma chamada de atenção: nem todas as formas portuguesas de corónimos1 e topónimos estrangeiros têm uso. Por exemplo, diz-se Milão em vez de Milano, mas usa-se Buenos Aires em lugar de "Bons Ares", que seria a versão portuguesa correspondente. Um critério para usar o aportuguesamento de corónimos e topónimos estrangeiros acha-se, por exemplo, na Base LI do Acordo Ortográfico de 1945:

«Recomenda-se que os topónimos de línguas estrangeiras se substituam, tanto quanto possível, por formas vernáculas, quando estas sejam antigas em português, ou quando entrem, ou possam entrar, no uso corrente. Exemplos: Anvers, substituído por Antuérpia; Berne, por Berna; Canterbury, por Cantuária; Cherbourg, por Cherburgo; Garonne, por Garona; Helsinki, por Helsínquia; Jutland, por Jutlândia; Louvain, por Lovaina; Mainz, por Mogúncia; Montpellier, por Mompilher; München, por Munique; Zürich, por Zurique; etc.»

Feita esta advertência, limitar-me-ei ao português europeu na identificação dos corónimos e topónimos em questão, para o que me apoiarei nas obras de Rebelo Gonçalves que seguem o Acordo Ortográfico de 1945, no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (TOLP), de 1947, e no Vocabulário da Língua Portuguesa (VLP), publicado em 1966; referirei também o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado em 2009 pela Porto Editora ...

Pergunta:

Na língua inglesa existem muitas palavras que são antónimas de si mesmas e recebem a designação de «antagonyms» ou «contronyms». Apesar de no português tais palavras serem muito menos frequentes, gostava de saber qual a sua classificação semântica — "antagónimos"? "contrónimos"? Por exemplo, a palavra levantar tanto pode ter o sentido de «construir» (um edifício) ou de «desmantelar» (um acampamento); cruzar-se, no sentido de «encontro» (imprevisto com alguém) ou «desencontro» (de cartas numa troca de correspondência).

Grato pela atenção.

Resposta:

Os termos em apreço não têm sido usados na tradição gramatical portuguesa, nem os encontro em estudos de linguística em português. Existem em inglês, onde há quem os considere neologismos; por exemplo, no sítio Fun with Words, encontro a seguinte definição:

«The word contronym (also antagonym) is used to refer to words that, by some freak of language evolution, are their own antonyms. Both contronym and antagonym are neologisms; however, there is no alternative term that is more established in the English language»,

o que, numa tradução livre e afeiçoando alguns termos à morfologia portuguesa, significa:

«A palavra contrónimo (também antagónimo) é usada para referir palavras que, por qualquer bizarria da evolução da língua, são os seus próprios antónimos. Tanto contrónimo como antagónimo são neologismos; no entanto, não há termo alternativo que esteja mais generalizado na língua inglesa.»1

Não contestando que as palavras referidas na pergunta caibam neste tipo de palavras, sugiro outros exemplos de "antagónimos" ou "contrónimos" em português:

empréstimo: a palavra é ambígua porque designa tanto o que se toma como o que se concede (ver Dicionário Houaiss);

alugar: ceder ou tomar em locação (cf. idem).

arrendar: dar ou tomar em arrendamento (cf. idem).

sanção: pena ou recompensa que corresponde à violação ou execução de uma lei (cf.

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É próprio do devir das sociedades haver momentos de crise e manifestações de rua. Ora, hoje, a comunicação social portuguesa, favorecendo a poupança de caracteres, reduz qualquer manifestação a uma "manif", forma de origem francesa, segundo o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Que há de errado com as...

Pergunta:

Não entendo a razão por que tanto se insiste aqui (cf. grande número de respostas) em dizer que no Brasil se prefere a forma quatorze à catorze. Não me estranha nenhuma das duas, mas confesso que me parece mais comum no trato com brasileiros ouvir catorze.

O dicionário Houaiss não me deixa pensar assim sozinho, quando dirige a quem procura por quatorze para o verbete escrito com cê, dando a entender que esta última será a forma preferida.

Resposta:

As respostas em questão coincidem com a descrição de Paul Teyssier, no seu Manual de Língua Portuguesa (Coimbra, Coimbra Editora, 1989), que atribui catorze à variedade portuguesa e quatorze à variedade brasileira, acrescentando que «[e]m relação a 14 [...] existe uma diferença entre a forma portuguesa e a forma brasileira» (pág.  180).

Mas a verdade é que Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática da Língua Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 298), regista catorze ao lado de quatorze como formas do numeral cardinal em apreço, sem referir uma distribuição geográfica definida. E Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições Sá da Costa, 1984, pág. 372), afirmam que «no Brasil quatorze alterna com catorze, que é a forma normal portuguesa».

Em suma, a situação é esta: em Portugal só catorze se aceita; no Brasil há variação entre quatorze e catorze, embora esta pareça ter algum favor, como sugere o consulente.