Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

As palavras terminadas em -agem são femininas em português. As palavras correspondentes são masculinas em francês, espanhol e italiano. Gostava de saber se existe alguma explicação a esta particularidade linguística e se houve mudança de género numa certa altura.

Resposta:

Os substantivos comuns terminados em -agem são realmente quase todos do género feminino em português.1 Na diacronia deste sufixo convergem duas terminações diferentes:

a) a do francês -age, evolução do latim -atĭcu-, que ocorria em palavras do género masculino: passaticu- > passage (francês, masculino) > pasaje (espanhol, masculino), mas passagem (português, feminino);

b) -agĭne (imagine- > imagem), que eram do género feminino em várias línguas românicas (francês image, espanhol imagen).

Em francês e espanhol, manteve-se o género masculino nas palavras cujas terminações remontavam a -atĭcu-; em português, pelo contrário, a terminação -agem (<-age), de origem francesa, confundiu-se com -agem (< -agĭne), generalizando-se o género feminino. É um fenómeno bastante antigo porque, considerando que a separação entre português e galego se terá verificado no século XV, a generalização do feminino está documentada nesses ramos contemporâneos do antigo sistema galego-português.

1 São excepções o arabismo almargem, «prado», que pode ser usado nos dois géneros, e certos compostos como porta-bagagem. Também são usados nos dois géneros os adjectivos selvagem e abencerragem (variante de abencerrage, «relativo à linhagem moura dos abencerrages, que dominou Granada, em Espanha).

Pergunta:

Alguns dos nomes de países e territórios da região das Caraíbas têm uma multiplicidade de grafias, sendo complicado compreender qual delas adoptar. Se por um lado algumas são pouco usuais, outras são bem portuguesas. Neste caso, quando devemos adoptar os estrangeirismos locais?

As minhas dúvidas prendem-se com os seguintes casos:

— "Anguilla" (inglês), "Anguilha" (português), ou "Anguila" (português)?

— "Antigua e Barbuda" (castelhano), "Antígua e Barbuda" (misto de castelhano e português), ou "Antiga e Barbuda" (português)?

— Curaçao (neerlandês, vindo do português), ou Curação (português)?

— Bahamas (inglês, vindo do cast. «baja mar»), ou Baamas (português)?

— Ilhas Cayman (inglês, usado aparentemente no Brasil), Caymans, Caiman ou Caimã (português brasileiro), ou Ilhas Caimão (português europeu)?

— Dominica, ou Domínica?

— Montserrat (inglês), Monserrate (português), ou Monte-Serrado (como já vi aqui no Ciberdúvidas)?

— Nevis (inglês), Névis (misto de inglês e português), ou Neves?

— Trinidad (inglês, vindo do castelhano), Trinidade (misto de castelhano e português), ou Trindade (português)?

— Turks e Caicos (inglês): Turcos ou Turcas (português) e Caicos ou Caícos (português)?

Desde já, um muito obrigado.

Resposta:

Anguila: é a forma que ocorre na definição de anguilano no Dicionário Houaiss; é também assim que o nome se encontra registado na versão portuguesa do Código de Redacção Interinstitucional da União Europeia.

Antígua (e Barbuda): forma confirmada pelas fontes consultadas no caso de Anguila.

Curaçau: é a forma registada no Dicionário Houaiss e no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves. Curaçao é a forma neerlandesa, e curação (de cura), uma das etimologias possíveis do nome da ilha. 

Baamas: forma registada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, e no Dicionário Houaiss, cuja nota etimológica não confirma a etimologia proposta pelo consulente, a qual é também a do artigo da Wikipédia em espanhol :

«a orig[em] do top[ónimo] tem sido atribuída à alt[eração] fonética da pal[avra] indígena guanahani, dita pelos colonos ingleses Buhama, daí Bahama(s); o étimo de guanahani para uns é iwa, "fruto", e jhuanani, "moronóbea (tipo de planta)"; para outros, ivananá, "banana...

Pergunta:

Ribeira de Pantanha, Mãe de Pantanha: gostaria de saber o significado assim como a etimologia de Pantanha.

Resposta:

Sobre a origem do topónimo, nada se sabe ao certo. Só no Dicionário Onomástico Etimológico da língua Portuguesa, de José Pedro Machado, se encontra uma entrada com o seguinte comentário:

«Pantanha, top[ónimo] Nelas. Está relacionado com o s[ubstantivo] f[eminino] pantana, «atascadeiro, lamaçal»? Pantanhas, Paredes de Coura.»

Pergunta:

Considerando que a palavra "graficar" significa o acto de representar dados/informação em gráficos, gostaria de saber se é válido dizer por exemplo que «os dados encontram-se graficados na figura...» ou «os dados foram graficados...» Em suma, gostaria de saber se o verbo "graficar" existe em português.

Desde já, muito obrigada.

Resposta:

Não encontro a forma graficar nem em dicionários brasileiros nem em portugueses. No entanto, o verbo graficar existe em espanhol e é, segundo o dicionário da Real Academia Espanhola, usado em Cuba, Argentina, Chile, Salvador e Uruguai; significa «representar mediante figuras e símbolos». Parece, portanto, tratar-se de um hispanismo, que pode ter pertinência expressiva em português, sobretudo se com a palavra se pretende dizer especificamente «representar por gráfico ou diagrama», uma vez que grafar, possível alternativa vernácula, significa só «representar a linguagem por sinais gráficos», ou seja, «escrever, ortografar».

Pergunta:

Embora tenha investigado, continuo com dúvidas em relação aos pronomes clíticos a usar nas seguintes frases.

a) «Digam-nos o que aconteceu. Espero que__________o que aconteceu.»

b) «Traz-me um pão saloio da padaria. Quero que__________um pão saloio da padaria.»

c) «O professor chama-me todos os dias; oxalá ele_________também hoje.»

Resposta:

No âmbito da variedade europeia, as frases correctas são:

a) «Digam-nos o que aconteceu. Espero que nos diga o que aconteceu.»

b) «Traz-me um pão saloio da padaria. Quero que me traga um pão saloio da padaria.»

c) «O professor chama-me todos os dias; oxalá ele me chame também hoje.»

Recordo que se verifica a próclise do pronome clítico (ou átono) sempre que este ocorre numa oração subordinada. O mesmo acontece depois da interjeição oxalá.

Atendendo a que a consulente nos escreve de Angola, devo lembrar que, neste país, a descrição linguística assinala que se está a formar uma norma local. Com efeito, Ivo Castro, na sua Introdução à História do Português (Lisboa, Edições Colibri, 2006, págs. 11/12), refere que actualmente, além de duas grandes variantes bem individualizadas (a portuguesa e a brasileira), existem outras duas variantes em formação, a angolana e a moçambicana, sendo de esperar que estas também se individualizem normativamente quando estabilizarem. No entanto, neste momento, não há ainda expressão institucional nem instrumentos prescritivos consagrados que fixem as características dessa norma. O que se conhece são aspectos típicos da oralidade que frequentemente afloram no discurso escrito, ao que parece, sem carácter sistemático.