Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Diz-me lá, Joana, viste o meu irmão?», qual a função sintáctica exercida por ?

Resposta:

O advérbio ocorre na frase sem lhe ser atribuída função sintáctica especial, porque se trata de um marcador discursivo (ver Dicionário Terminológico). Na Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, esta categoria recebia o nome de «expressão de realce». Também num quadro tradicional, Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 548) propõem o termo «palavra denotativa de realce».

Pergunta:

Coloquei há dias dúvidas sobre o uso da palavra gerontismo como sinónimo de «preconceito contra idosos». A resposta diz-me que o significado é outro e não indica como se pode, numa palavra, designá-lo. A palavra "etarismo" soa-me mais estranha. Pode mesmo ser usada? O étimo soa a italiano.

Obrigada.

Resposta:

Que a palavra soe a italiano, não admira porque o radical eta- provém do latim e tem um cognato italiano eta-, que ocorre em età, «idade». Como neologismo é, portanto, possível, mas não obtive dados nem lexicográficos nem provenientes de corpora que confirmem a sua generalização como termo que designa «preconceito contra a idade».

Cf. Quando o preconceito passa pelas nossas redes sociais

Pergunta:

Em Guimarães a Colina Sagrada é também conhecida por Monte Latito.

Qual a origem ou significado da palavra Latito?

Resposta:

Não se sabe ao certo a origem do nome Latito, a cuja entrada a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira dedica breves linhas: «Latito. Antiga denominação do monte Largo, próximo de Guimarães. Deste monte trata o livro de Numadona [sic], da antiga colegiada daquela cidade.»1

Também se regista no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado: «top. ant. Monte perto de Guimarães, Lattito em 959 (Dipl. p. 48; ver também p. 226), Latito em 961 (id. p. 51), Lattido em 1059 (id. p. 260), Latido em 1258 (Inq. p. 298).» A forma medieval Latido, em confronto com Latito, apresenta sonorização de -t- intervocálico, indicando que o elemento -ito esteve em variação com -ido. Acontece que -ido é um sufixo que ocorre em vários topónimos portugueses e galegos como Carvalhido (Porto), Pampelido (Porto), Teixido (Corunha, Galiza); é uma variante de -edo, sufixo que forma nomes colectivos, sobretudo no domínio botânico (arvoredo) e que está também na origem de alguns topónimos portugueses: Macedo, Moledo. Se a variante Latido designa um antigo colectivo, então poderíamos relacioná-lo com Latedo e Lata (ou Latas), este, por sua vez, conversão em topónimo do substantivo feminino lata, «talvez na acepção nortenha, de "courela, leira, belga" (Machado, op. cit.).2

Além disso, se o radical de Latito for o mesmo de lata, ficamos a saber que esta palavra tem origem controversa, segundo o Dicionário Houaiss:

Pergunta:

Qual é a origem e o significado do provérbio popular «Boas palavras custam pouco e valem muito»?

Resposta:

Sobre a origem do provérbio em questão, não me foi possível encontrar fontes. Como já temos explicado, em relação à maioria dos provérbios, raramente se conseguem identificar o autor, as circunstâncias que rodearam a sua formulação ou reconstituir o contexto em que foi proferido e transmitido. Sobre o significado, parece-me quase literal: «Uma simples observação ou um simples conselho feitos com oportunidade e adequação são mais eficazes do que outras estratégias para ajudar ou persuadir.» Resta dizer que o provérbio se encontra registado no Grande Livro dos Provérbios, de José Pedro Machado (Lisboa, Editorial Notícias, 2005).

Pergunta:

Gostaria de saber se, segundo a norma culta, a raça canina se escreve "perdigueiro-português" ou "perdigueiro português". Li a resposta sobre pastor-alemão, mas este é um caso especial, pois trata-se de nome criado e registrado por associação privada. Se possível, peço-lhes ainda que expliquem por que se deve escrever dessa ou daquela forma.

Obrigado.

Resposta:

Recomendo perdigueiro-português, pelas razões que adiante exponho.

Antes da adopção do novo Acordo Ortográfico (AO 1990), a situação era esta:

— em Portugal, recomendava-se pastor-alemão, com hífen, seguindo o Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, pelo que a tendência era hifenizar nomes de espécies, subespécies e raças animais (lobo-marinho, lobo-d´alsácia, gato-bravo);

— no Brasil, os dicionários registavam pastor alemão, sem hífen (Aurélio XXI, publicado em 1999, e Dicionário Houaiss, versão brasileira, de 2001).

A respeito do nome em questão, não encontro registos lexicográficos, mas suponho que as tendências atrás indicadas também eram aplicáveis: perdigueiro-português, em Portugal, e perdigueiro português no Brasil.

O AO 1990 unifica estes casos, porque determina que em compostos que designam espécies botânicas e zoológicas se use sempre o hífen (Base XV, 3.º): donde, perdigueiro-português.