Pergunta:
Notabiliza-se, dia após dia – especialmente, na esfera universitária de grande visibilidade –, a ascensão daquilo a que chamam "linguagem neutra": vê-se, ora hebdomadariamente, ora cotidianamente, publicações de universidades fazendo uso da linguagem dita neutra, sem mencionar as entidades políticas que, também, o fazem.
A meu humilde ver, o ver de alguém que prepara bebidas e que ama sua língua pátria; essa implementação – quase discricionária – que me tem sido apresentada, não só através da tela da televisão e do telefone celular; mas, também, através dos clientes que se sentam ao outro lado do balcão; possui – também – a aparência de uma medida que não traz, em seu imo, o intuito de ser uma linguagem não excludente, visto que seu uso se tem espalhado às custas de apelos morais de seus entusiastas: apelos estes que compungem aqueles que não aquiescem a seu uso.
Indago, portanto, aos senhores: a implementação da linguagem neutra é, realmente, necessária?
É o caminho natural– per viam naturalem – que se seguirá rumo à evolução de nossa língua? Ou é reflexo da deterioração do uso de nosso idioma, que passou por séculos de evolução até chegar à sua fisionomia atual em que a neutralidade se faz presente — ao menos no que concerne aos pronomes, e ao que meu saber me limita — na forma masculina.
Agradeço, de antemão aos senhores deste sítio pelo posicionamento seriíssimo com que têm atuado ante as mais diversas questões que lhes tem sido apresentadas.
Resposta:
A questão faz parte de um debate muito alargado que, como é de calcular, não se limita à língua portuguesa e também se faz sentir em línguas em que o contraste de género tem realização morfológica, como é o caso do espanhol ou do alemão.
Sobre o assunto, o Ciberdúvidas tem dado espaço para posições a favor e contra (ver Textos Relacionados), bem como a propostas que podem encontrar cabimento nas estruturas da língua e a outras propostas que podem revelar-se irrealistas. Por exemplo, na referência a um grupo de pessoas constituído por homens e mulheres é verdade que o masculino funciona como plural genérico, uso que atualmente tem sido alvo de contestação, mas não ao ponto de provar que é uso incorreto ou desadequado. Não é, e, do ponto de vista da economia de palavras, continua a ser um plural válido, apesar de, independentemente do debate contemporâneo sobre identidade e género, já se disponibilizarem formulações antecipatórias do estilo inclusivo – é o caso da expressão «Senhoras e Senhores», ou «Minhas Senhoras e meus Senhores».
Para já, o balanço que se pode fazer é que as propostas de linguagem inclusiva que são viáveis são meramente estilísticas: é a avaliação que se pode fazer de expressões como «portuguesas e portugueses».
Quanto ao uso de @ ou de "-e" como marcadores de plural inclusivos – "tod@s" e "todes" – e de outros sinais com função de referência genérica, trata-se de recursos gráficos. É certo que -e tem tido realização fonética, como acontece em "todes", mas é uso de êxito incerto. É preciso notar que a mudança linguística é um processo lento e nem sempre previsível. Quando se trata de níveis de funcionamento linguístico mais profundo, como o sistema fonológico, as regras de formação de palavras (morfologia) ou a sintaxe, a mudança não se faz nem se evita por voluntarismo de grupos. Daí que, mu...