Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem da expressão «resvés Campo de Ourique»?

Obrigada.

Resposta:

Transcrevo a explicação dada por Orlando Neves, no seu Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000):

Uma das explicações mirabolantes para esta frase1 dá-a como tendo origem no lago de sangue que ficou em Ourique, na célebre batalha de D. Afonso Henriques contra os Mouros.

A acepção em que se usa está ligeiramente deturpada. Hoje, ela é sinónima de «à justa, à tangente, ao pé de». Mas a significação primeira foi a comparação com algo plano, liso, nivelado, raso. O que se compreendia, porque o bairro lisboeta conhecido como «Campo de Ourique» era, antes de o terreno ser urbanizado, um vastíssimo planalto, onde se plantava trigo que abastecia a maior parte das padarias da cidade.

Refira-se que resvés significa, como adjectivo, «que é exacto, justo» e, como advérbio, «rente», «na medida certa, na conta» (Dicionário Houaiss). 

1 O autor deve querer dizer «expressão».

Pergunta:

Nas frases «esse livro é igual ao meu» e «o seu livro é igual ao meu», a impressão que eu tenho é de que no primeiro exemplo o «o» antes de «meu» seria um pronome demonstrativo, e na segunda, um artigo definido. Justifico tal posição pelo fato de que na primeira frase o primeiro pronome é outro demonstrativo (esse) e a segunda frase inicia com artigo. Concluo isso através do que se me apresenta como paralelismo na frase. Há respaldo teórico para essa minha, digamos, opinião? Coincide com a teoria gramatical que por vezes é divergente entre os autores em alguns pontos?

Na verdade, pesquisando na Internet, percebi que há posições divergentes até mesmo em relação à definição de pronome possessivo adjetivo/substantivo. Há quem diga que numa frase como «Pegue seu ônibus, que eu pegarei o meu», o segundo «meu» seria substantivo, já que não antecede nome, e outros que dizem que o nome (substantivo) está subentendido, e que por isso, então, seria um pronome adjetivo.

Leigo na área, e no entanto interessado, formulei algumas hipóteses, e gostaria que respondessem às minhas questões incluídas nas minhas hipóteses. Ei-las:

1) No caso de se considerar o «meu» nas frases anteriormente citadas como um pronome possessivo adjetivo, haveria duas possibilidades para tal. a) O «meu» estaria adjetivando um substantivo subentendido no contexto, e o «o» seria um artigo definido, e tanto o artigo «o» como o pronome adjetivo «meu» desempenhariam a função de adjuntos adnominais do substantivo subentendido. b) O «meu» serviria como um pronome adjetivo posposto ao pronome substantivo demonstrativo «o», e assim estaria o adjetivando.

2) No caso de se considerar o «meu» nas frases anteriormente citadas como um pronome possessivo Resposta:

Nos casos em apreço, a literatura não tem diferenciado a classe nem a função da forma o, associada ao possessivo meu, em casos como o das duas frases. Normalmente, considera-se que esse o é um artigo definido, quer acompanhe um pronome possessivo («o meu») quer se junte a um adjectivo numa construção elíptica («estou a usar o casaco velho, porque não encontro o novo», onde «o novo» = «o casaco novo»).

Penso que as ilações retiradas pelo consulente derivam da constatação de uma propriedade que é comum a demonstrativos como esse e aos possessivos: a função deíctica. O valor deíctico de esse, o e meu remete para as coordenadas espaciais de uma situação de comunicação — como é o caso dos demonstrativos — ou para os intervenientes nessa situação — marcados pelos pronomes eu e tu e pelos respectivos possessivos.

Quanto a meu, pronome possessivo substantivo (em Portugal, pronome possessivo), e meu, pronome adjectivo possessivo (em Portugal, determinante possessivo), trata-se de uma distinção da gramática tradicional (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, págs. 277 e 319). Deste ponto de vista tradicional, encara-se o o associado ao possessivo meramente como artigo definido (cf. Paul Teyssier, Manual de Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pág. 134/135).

Noutra perspectiva, M.ª Helena Mateus et al., na

Pergunta:

Gostaria de saber se os topónimos portugueses Tróia e Vila Nova de Foz Côa vão perder os respectivos acentos gráficos tendo em conta as regras do novo Acordo Ortográfico (AO 90).

Grata pela atenção.

Resposta:

Com a adopção do AO 90, Tróia perde realmente o acento agudo, passando a Troia, conforme indica o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora, o qual inclui a grafia de muitos topónimos. O topónimo e hidrónimo até agora escrito Côa em português europeu não está registado no referido VOLP, mas os artigos da Infopédia, trabalho da mesma editora, grafam-no sem acento circunflexo — Coa.

A perda de acento agudo em Troia deve-se ao disposto no AO 90, na Base IX, 3 , sobre palavras paroxítonas, isto é, graves, com ditongo "ei" ou "oi" na sílaba tónica:

«3 Não se acentuam graficamente os ditongos representados por ei e oi da sílaba tónica/tônica das palavras paroxítonas, dado que existe oscilação em muitos casos entre o fechamento e a abertura na sua articulação:assembleia, boleia, ideia, tal como aldeia, baleia, cadeia, cheia, meia; coreico, epopeico, onomatopeico, proteico; alcaloide, apoio (do verbo apoiar), tal como apoio (subst.), Azoia, boia, boina, comboio (subst.), tal como comboio, comboias, etc. (do verbo comboiar), dezoito, estroina, heroico, introito, jiboia, moina, paranoico, zoina

Relativamente a Côa, observe-se que, em Portugal, enquanto vigorou o Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45), a palavra tinha acento circunflexo a marcar vogal tónica fechada, como côa (3.ª pessoa do presente do indicativ...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a função sintáctica dos elementos que constituem a seguinte frase:

«Que longe fica o caminho!»

Resposta:

Trata-se de uma frase exclamativa, na qual um dos constituintes, longe, se torna tópico de frase (é topicalizado), mediante o recurso a que, que, em contexto exclamativo, a preceder substantivos («que coragem!»), adjectivos («que lindo!») e advérbios («que tarde!»), o Dicionário Houaiss classifica como intensificador expletivo.

Convertendo a sequência em apreço numa frase declarativa, é possível observar, talvez com maior clareza, a sua estrutura sintáctica:

«O caminho fica longe.»

sujeito: «o caminho»

predicado: «fica longe»

predicativo do sujeito: «longe»

Atenção, que, numa perspectiva tradicional, há gramáticos que atribuem ao advérbio longe a função de complemento circunstancial de lugar.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe, em português (contemporâneo ou antigo), uma palavra equivalente ao francês vers, ao italiano verso, ao espanhol hacia e ao inglês towards. E em latim?

Muito obrigada.

Resposta:

Existem as locuções «em direcção a» e «na direcção de», embora, dependendo do contexto, as preposições em apreço possam ser traduzidas por para. Na expressão do tempo, têm por equivalente as locuções «perto de» e «por volta de».

As mesmas preposições correspondem a versŭs, vorsŭs, versum, vorsum, em latim.

Fonte: versões em linha dos dicionários bilingues da Porto Editora (Infopédia).