DÚVIDAS

A locução adverbial «em alerta»

A palavra alerta sempre foi usada sem o "apoio" do em.

Inclusivamente, nos anos que estive na tropa, nunca ouvi ninguém perguntar a um soldado de sentinela se estava «em alerta»! Mas, unicamente, «alerta»: «estás alerta?» ou seja, «estás vigilante, de vigia, de sobreaviso, atento»?

Pelo que ouço e leio hoje, tudo ou quase tudo é antecedido por em.

Nessa lógica, será correcto escrever-se:

«Estou em atento, estou em vigilante, em de vigia»?

Será mais uma influência e adopção da maneira de escrever e de falar da língua espanhola e francesa, onde o em é abundantemente utilizado?

Por outro lado, também está em grande moda, substituir o morreu por «perdeu a vida»! Dizem: «foi encontrado sem vida», e não «foi encontrado morto», «foi encontrado com vida», e não «vivo»!

Logo, se isto está bem, porque não dizer «foi encontrado com morte»?

Na expectativa do favor dos vossos esclarecimentos, com as minhas saudações, subscrevo-me antecipadamente grato.

Resposta

1. Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, a palavra alerta pode ser um advérbio (equivalente «com vigilância»), um adjectivo dos dois géneros («vigilante»), um substantivo masculino («sinal para se estar vigilante») e uma interjeição («cautela!», «sentido!», «cuidado!»). O mesmo dicionário não regista a locução «em alerta», tal como outros (cf. Dicionário Houaiss, Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, Aulete Digital).

No entanto, não é impossível a locução adverbial «em alerta», porque alerta pode ser substantivo precedido por preposição. Além disso, consultando o Corpus do Português, encontra-se uma ocorrência da locução «em alerta» num texto do século XIX, o célebre romance Escrava Isaura, do escritor brasileiro Bernardo Guimarães:

Leôncio, portanto, não só encarcerava com todo o rigor a sua escrava, como também armou todos os seus escravos, que daí em diante distraídos quase completamente dos trabalhos da lavoura, viviam em alerta dia e noite como soldados de guarnição a uma fortaleza.

A locução, portanto, não é assim tão recente em língua portuguesa. Além disso, em Portugal, com a proliferação de avisos relativos à prevenção de incêndios ou ao estado do tempo, aumentou o número de ocorrências como «estado de alerta», a qual pode dar passo a «estar em alerta».

Não pode, portanto, afirmar-se que «em alerta» seja expressão incorrecta.

2. Quanto a substituir morrer por «perder a vida», e outros casos semelhantes, trata-se de usos eufemísticos que, não sendo ilegítimos, correm o risco de se tornarem repetitivos em certos registos, sobretudo o jornalístico. Mas, mais uma vez, é de frisar que estamos a tratar de expressões fixas em português: emprega-se «com vida» em alternativa a vivo, porque a tradição assim o fixou; o mesmo não aconteceu com morto, porque não se criou a expressão «com morte».

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