Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «isto pertence-nos», qual é a função sintáctica de «nos»?

Resposta:

Trata-se de um verbo transitivo indirecto que selecciona um complemento indirecto, facto comprovado pela possibilidade de uso com os pronomes de terceira pessoa lhe e lhes: «Isto pertence ao João» = «Isto pertence-lhe»; «Isto pertence ao Henrique e à Sara» = «Isto pertence-lhes» Logo, ao pronome nos, é atribuída a função de complemento indirecto.

Pergunta:

Qual o significado do provérbio «guardou-se da mosca, comeu-a a aranha»?

Resposta:

De acordo com o Dicionário de Provérbios (2009), de Madeira Grilo, o provérbio tem o seguinte significado: «Nem sempre o bocado fica para quem o guardou.»

Pergunta:

Quando fazemos uma frase com o termo «a gente», como deveremos compor a frase?

Ex.: «Quando a gente era garotos», ou «quando a gente era garota»?

A dúvida é se «a gente» deve ser conjugado no singular ou plural e qual o género.

Resposta:

Segue-se a regra geral da concordância (o adjectivo concorda em número e género com o substantivo com que se relaciona): «quando a gente era garota.»

Relativamente à concordância de género no caso de a gente, Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp), observa o seguinte:

«A expressão a gente [...] é usada como um pronome pessoal de plural, numa referência que inclui a primeira pessoa ("nós"). É um uso de linguagem bastante menos formal já bastante aceito. [...] [S]egundo as lições normativas a concordância com a gente (expressão que tem um núcleo feminino) deve ser feita no feminino, não importando que o falante incluído no nós seja homem. A GENTE é solteira, mas não é criança. [...] A GENTE não é amiga de uma pessoa porque quer.» [...]

Contudo, é preciso realçar que a concordância com a gente apresenta grande flexibilidade, justamente porque o discurso menos formal não se submete de forma sistemática às regras e convenções da norma. A isto mesmo se refere Moura Neves (op.cit.) quando diz:

«Entretanto, é frequente a concordância no masculino, e especialmente quando o falante é homem. É uma concordância que reflecte o carácter de pronome pessoal que a expressão assume, no qual fica perdida a propriedade substantiva de gênero (feminino) de gente

Pergunta:

Na frase «Está pegando fogo!», qual é o sujeito?

Resposta:

O sujeito não está expresso, diz-se que está subentendido, sendo interpretado a partir do contexto: se a exclamação é feita numa casa que arde, depreende-se contextualmente que o sujeito subentendido se refere ao que pega fogo, ou seja, a casa.

Pergunta:

A palavra alerta sempre foi usada sem o "apoio" do em.

Inclusivamente, nos anos que estive na tropa, nunca ouvi ninguém perguntar a um soldado de sentinela se estava «em alerta»! Mas, unicamente, «alerta»: «estás alerta?» ou seja, «estás vigilante, de vigia, de sobreaviso, atento»?

Pelo que ouço e leio hoje, tudo ou quase tudo é antecedido por em.

Nessa lógica, será correcto escrever-se:

«Estou em atento, estou em vigilante, em de vigia»?

Será mais uma influência e adopção da maneira de escrever e de falar da língua espanhola e francesa, onde o em é abundantemente utilizado?

Por outro lado, também está em grande moda, substituir o morreu por «perdeu a vida»! Dizem: «foi encontrado sem vida», e não «foi encontrado morto», «foi encontrado com vida», e não «vivo»!

Logo, se isto está bem, porque não dizer «foi encontrado com morte»?

Na expectativa do favor dos vossos esclarecimentos, com as minhas saudações, subscrevo-me antecipadamente grato.

Resposta:

1. Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, a palavra alerta pode ser um advérbio (equivalente «com vigilância»), um adjectivo dos dois géneros («vigilante»), um substantivo masculino («sinal para se estar vigilante») e uma interjeição («cautela!», «sentido!», «cuidado!»). O mesmo dicionário não regista a locução «em alerta», tal como outros (cf. Dicionário Houaiss, Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, Aulete Digital).

No entanto, não é impossível a locução adverbial «em alerta», porque alerta pode ser substantivo precedido por preposição. Além disso, consultando o Corpus do Português, encontra-se uma ocorrência da locução «em alerta» num texto do século XIX, o célebre romance Escrava Isaura, do escritor brasileiro Bernardo Guimarães:

Leôncio, portanto, não só encarcerava com todo o rigor a sua escrava, como também armou todos os seus escravos, que daí em diante distraídos quase completamente dos trabalhos da lavoura, viviam em alerta dia e noite como soldados de guarnição a uma fortaleza.

A locução, portanto, não é assim tão recente em língua portuguesa. Além disso, em Portugal, com a proliferação de avisos relativos à prevenção de incêndios ou ao estado do tempo, aumentou o número de ocorrências como «estado de alerta», a qual pode dar passo a «estar em alerta».

Não pode, portanto, afirmar-se que «em alerta» seja expressão incorrecta.

2. Quanto a substituir morrer por «perder a vida», e outros casos semelhantes, trata-se de usos eufemísticos que, não sendo ilegítimos, correm o risco de ...