Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de que tivessem a gentileza de dizer-me qual destas orações é o correcto. Se for a última, que me digam, por favor, por que é necessária a preposição: Te pago o serviço; te pago pelo serviço.

Infinitamente obrigado.

Resposta:

Pode usar as duas estruturas, embora elas não tenham os mesmos valores semânticos e referenciais. Assim, mantendo a formulação da frase, que é comum no português brasileiro coloquial:

1. «Te pago o serviço.»

2. «Te pago pelo serviço.»

Em 1, subentende-se a expressão «o que o serviço custa», «o valor do serviço» ou «o preço do serviço». Em 2, ocorre a elipse da expressão correspondente ao valor pago: «pago-te [uma dada soma de dinheiro] pelo serviço».

 

Pergunta:

A estrutura «deixar-se ser/estar + particípio» é aceitável?

Resposta:

Depois de «deixar-se», não é de recomendar a construção passiva formada pelo auxiliar ser e pelo particípio passado de um verbo principal, como mostra a agramaticalidade (indicada por um asterisco) ou a reduzida aceitabilidade (marcada por ?) da seguinte frase:

1.*/?«Ele deixou-se ser apanhado.»

Como a gramática tradicional tem dificuldade em explicar (1), socorro-me da investigação em linguística, mais precisamente, dos comentários de Augusto Soares da Silva sobre a construção deixar-se + infinitivo, em A Semântica de Deixar (Fundação para a Ciência e Tecnologia/Ministério da Ciência e Tecnologia, 1999, págs. 590):

«Na construção reflexiva deixar-se + INF, ocorre o infinitivo ora intransitivo ("O Zé deixou-se cair") ora transitivo ("O Zé deixou-se apanhar"). No primeiro caso, o pronome reflexo é o sujeito da frase infinitiva (O Zé deixou + O Zé caiu), ao passo que, no segundo, é o objecto directo da frase infinitiva (O Zé deixou + Alguém apanhou o Zé).»

Quando o infinitivo corresponde a um verbo transitivo, este assume um valor passivo, mas com certas particularidades em relação à passiva canónica (idem, pág. 591):

«Com infinitivo transitivo [...] põe-se a questão da interpretação do valor passivo não só do infinitivo como de toda a construção. Se é verdade que a oração apresenta marcas da passiva, que se tornam claras quando o sujeito do infinitivo é explicitado no sintagma com por (cf. O Zé deixou-se apanhar pelo companheiro = O Zé deixou + o Zé foi apanhado pelo companheiro), e estas marcas "contaminam" toda a construção, também é verdade que o sujeito (aqui, "o Zé") é mais 'activo' do que na passiva canónica e falta o carácter 'resultativo' (estáti...

Pergunta:

Nas frases «Ele entrou chorando» e «O rapaz encontrou o amigo correndo», qual seria a função sintática de «chorando» e «correndo»?

Resposta:

Em ambos os casos, trata-se de um predicativo. Na primeira frase, o predicativo refere-se ao sujeito «ele»; no segundo, ao objecto directo «o amigo» (cf. Evanildo Bechara, Moderna Gramática Brasileira, pág. 433).

Pergunta:

1. «Ele não só fala inglês, mas francês.»

«Ele não só fala inglês, como francês.»

Mas e como também são conjunções coordenativas aditivas? Não seria opcional o uso de também e ainda (mas também, como também, mas ainda) depois dessas palavras? Não só também é conjunção?

2. «Isto não é ouro, e sim ferro.»

«Isto não é ouro, senão ferro.»

E sim e senão são conjunções adversativas?

Resposta:

1. Estamos a falar de conjunções aditivas descontínuas cujas formas recomendadas são: «não só... mas também» e «não só... como também» ou «não só... como». Estas podem, no entanto, assumir as formas «não só... mas ainda...», «não só... como ainda». Usada isoladamente, a expressão «não só» não é uma conjunção.

2. A conjunção aditiva e pode ter um sentido adversativo suplementar (cf. Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, pág. 320). Já a palavra senão é uma conjunção adversativa. No entanto, nos casos apresentados pelo consulente, parece-me preferível empregar mas em lugar de e: «Isto não é ouro, mas, sim, ferro.» O advérbio sim não faz parte das conjunções e ou mas, antes se destina a marcar o contraste com uma oração ou um sintagma precedentes, afectados por uma negação. Neste tipo de construção, sim costuma ocorrer entre vírgulas.

Pergunta:

Eu costumo ensinar que a palavra floresta é um nome colectivo. No entanto, numa prova, o aluno ao responder que floresta era um nome colectivo, a resposta foi considerada errada.

Gostaria que me elucidassem sobre o assunto.

Obrigado.

Resposta:

Um substantivo colectivo é aquele «que se aplica a um conjunto de objectos ou entidades do mesmo tipo» (Dicionário Terminológico). Como floresta se define como «conjunto denso de árvores», conforme se lê no Dicionário Houiass, diz-se que esta palavra é também um substantivo colectivo. Note-se que o referido dicionário regista explicitamente floresta como substantivo colectivo.