Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem uma dúvida (comum a várias colegas professoras de Português).

No manual Página Seguinte da Texto Editora do 11.º ano, página 332, numa secção informativa de Funcionamento da Língua, num quadro de orações completivas não finitas, consta o seguinte exemplo: «A Manuela apreciou visitar o Museu da Música.» A oração destacada como completiva não finita é, pois, «visitar o Museu da Música». A nossa dúvida reside nesta classificação, na medida em que nos parece que o verbo visitar, por estar no infinitivo impessoal e não ser antecedido por nenhuma conjunção (que, se, para...) ou pronome relativo, não pode formar oração. Ou seja, parece-nos ser a frase simples e não complexa. Sendo duas orações, qual seria o sujeito da segunda?

Antecipadamente gratas pelo vosso esclarecimento.

Resposta:

Trata-se mesmo de uma oração completiva de infinitivo, ou seja, este tipo de orações não tem de ser introduzido por conjunções. Também não é de admirar que o infinitivo não esteja fletido, porque ocorrem outros casos semelhantes, como o de gostar: «Gosto de visitar museus.» Sobre este verbo, que é de certo modo um sinónimo de apreciar, observam J. A. Peres e Telmo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 113):

[...] [O]s argumentos oracionais infinitivos de gostar [...] – e bem assim os argumentos pronominais e nominais – são obrigatoriamente preposicionados:

(380) O Paulo gosta de ser elogiado/disso. [...]

Refira-se que, na análise de um grupo verbal formado por verbos psicológicos como apreciar, gostar ou volitivos como querer, associados a um infinitivo, se considera que os dois verbos constituintes desse grupo têm sujeitos correferentes: «eu gosto de sair» (interpretável como «eu gosto (de) que eu saia»1). O mesmo sucede com um verbo psicológico: «eu penso sair mais tarde» (= «eu penso que saio mais tarde»)

Convém ainda reiterar que a ocorrência de conjunção não é condição para a seleção de uma oração completiva. Basta lembrar que as orações completivas de infinitivo flexionado não são introduzidas por conjunções, podendo muitas começar por preposições: «ouvi as crianças chorarem»; «o tema levou-os a discutirem.»

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Pergunta:

Nas frases «Eu tenho o cabelo molhado» e «O carro tem o pneu furado», qual a função sintática desempenhada por molhado e furado?

Eu entendo que será o nome predicativo do complemento direto, apesar de o verbo ter não pertencer à lista dos verbos que exigem PCD. No entanto, as frases tornam-se agramaticais sem este constituinte.

Resposta:

Trata-se efetivamente de um predicativo do complemento direto.

Note-se, contudo, que a agramaticalidade decorrente da supressão deste predicativo advém do facto de o verbo ter ocorrer numa construção resultativa (ter alguém, alguma coisa + particípio passado). Por outras palavras, a presença de um verbo numa lista de itens com determinado comportamento sintático não impede que esse mesmo verbo apareça noutras estruturas, associado a outros valores semânticos, podendo, por isso, pertencer a outros elencos.

Assinale-se que Inês Duarte e Fátima Oliveira se referem a essa construção com particípio passado ("Particípios resultativos", XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, pp. 397-408):

[...] o português dispõe igualmente de uma construção resultativa encabeçada pelo verbo leve ter, em que o argumento interno directo entra num estado resultante de um evento prévio.

Num estudo sobre o particípio passado em português (Marcin Wlodek, "O particípio português — formas e usos", in Romansk Forum, n.º 17, 2003, pp. 43-53), descreve-se esta estrutura, também selecionada por outros verbos:

[...] o particípio é muito usado como elemento predicativo ligado ao complemento directo dos verbos ter, trazer, levar e deixar. Nestes casos focaliza-se o estado atribuído ao complemento mediante um particípio que concorda com este em género e número:

Pergunta:

Minhas saudações à mui dileta equipe de Ciberdúvidas. Confesso-lhes que senti falta, e até saudades, de suas atualizações – nesse período de recesso –, dada a assiduidade com que lhes consulto e tamanho contributo que vem prestando, louvavelmente, ao estudo de nossa língua.

Desta vez, gostaria que me auxiliassem nesse exercício de colocação pronominal. Tive algumas dúvidas sobre esse tema.

I. Assinale a alternativa cuja colocação pronominal está incorreta.

(A) Preciso que venhas ver-me.

(B) Procure não desapontá-lo.

(C) O certo é fazê-los sair.

(D) Sempre negaram-se tudo.

(E) As espécies se atraem.

Obs. 1: Tive dúvida na alternativa (B) e (C). Os advérbios não e sempre não são termos atrativos? Isso não levaria a uma próclise?

II. A frase em que a colocação do pronome átono está em desacordo com as normas vigentes no português padrão do Brasil é:

(A) A ferrovia integrar-se-á nos demais sistemas viários.

(B) A ferrovia deveria-se integrar nos demais sistemas viários.

(C) A ferrovia não tem se integrado nos demais sistemas viários.

(D) A ferrovia estaria integrando-se nos demais sistemas viários.

(E) A ferrovia não consegue integrar-se nos demais sistemas viários.

Obs. 2: Suponho que em (B) deveria ser uma mesóclise. Por que o advérbio de negação não não atraiu o pronome

Resposta:

No Ciberdúvidas, há muitas respostas sobre colocação de clíticos, tanto numa perspectiva global como na ótica do contraste entre o português do Brasil e o de Portugal (ver Textos Relacionados). Mesmo assim, vou procurar responder, seguindo a ordem de perguntas do consulente:

I. Onde o consulente diz «opção B», deve muito provavelmente ler-se «opção D», porque é esta que apresenta o advérbio sempre. Sendo assim, a resposta é afirmativa: não e sempre são atratores da próclise.

II. Em B, a forma "deveria-se" está incorreta, devendo ser substituída por uma forma em que o pronome se encontra ligado ao auxiliar, em mesóclise, se não for antecedido de um atrator da próclise: «dever-se-ia». Isto não exclui que o pronome esteja ligado ao verbo principal: «deveria integrar-se». A respeito da opção C, são possíveis duas formas: «A ferrovia não se tem integrado nos demais sistemas viários» (português do Brasil e português de Portugal); «A ferrovia não tem se integrado nos demais sistemas viários» (aceitável só no Brasil, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 317). Quanto a E, são possíveis três formas: «A ferrovia não consegue integrar-se nos demais sistemas viários» (comum às duas variedades); «A ferrovia não consegue se integrar nos demais sistemas viários» (apenas no Brasil, cf. ibidem); «A ferrovia não se consegue integrar nos demais sistemas viários» (colocação mais discutível, por causa do estatuto menos claro de conseguir como auxiliar; cf. Anabela Gonçalves e Teresa da Costa, (Auxiliar a) Compreender os Verbos Auxiliares, Lisboa; Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2002, págs. 83-89).

Pergunta:

Gostaria de saber o que entende por «não frase».

Obrigada!

Resposta:

«Não frase» um termo usado em Portugal, no contexto do ensino da língua portuguesa, sobretudo no 1.º ciclo, para designar uma sequência de palavras que não formam uma frase, confundindo-se com as expressões «frase agramatical» ou «frase não aceitável». Assinale-se que o Dicionário Terminológico não acolhe este termo.

Pergunta:

Na expressão «trepar às árvores», pode considerar-se «às árvores» complemento direto, ou é complemento oblíquo?

Resposta:

A expressão «à árvore» não é complemento direto de «trepar», porque aparece introduzida por preposição, não podendo ser substituída pelo pronome pessoal o (o asterisco indica agramaticalidade):

1. «Trepou à arvore.»

2. *«Trepou-a.»

Trata-se, sim, de um complemento oblíquo, visto ser realizado por um grupo preposicional. Note-se que este grupo não é substituível pelo pronome dativo lhe, não se confundindo, portanto, com um complemento indireto (cf. Dicionário Terminológico):

1. «Trepou à árvore.»

2. *«Trepou-lhe.»

Se 2 pressupuser 1, a ocorrência de lhe não é aceitável, dado que este pronome não pode substituir «à árvore», um complemento oblíquo.