Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber como se designa um estudioso da hebelogia.

Parabéns pelo excelente trabalho que têm vindo a desenvolver em prol da língua portuguesa.

Resposta:

O termo hebelogia1 designa «o estudo da adolescência e da problemática biológica, psicológica e sociogenética que caracteriza aquela fase da vida humana» (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa). Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (versão em linha disponível na Infopédia), é formado por radicais de origem grega: hébe, «mocidade» + lógos, «estudo» + -ia.

Não encontro registos nem ocorrências da forma correspondente ao estudioso de hebelogia. A existir, é de supor que venha a ter a forma hebelogista, com sufixo -ista. A derivação com o elemento átono -logo («o que estuda, conhece, é especialista em»: astrólogo, biólogo, cardiólogo, hagiólogo, psicólogo; Dicionário Houaiss) teria por resultado "hebélogo", que se afigura anómala, visto os substantivos assim formados exibirem geralmente um o na sílaba tónica.

1 O Acordo Ortográfico de 1990 dispõe que a letra inicial da palavra em apreço possa ser maiúscula ou minúscula; ver Base XIX, alínea g...

Pergunta:

Qual o nome e o significado do símbolo #?

Resposta:

A edição brasileira do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa regista cerquilha como denominação do «sinal us[ado] em algumas linguagens como operador de divisão ou como sinal de comentário na linguagem-fonte (p. ex., no Mumps, em linguagem C++ etc.) [símb.: #]». A mesma fonte indica que, na mesma acepção, tralha é sinónimo de cerquilha. No entanto, parece mais comum a expressão «jogo da velha», pelo menos, coloquialmente.1

Em Portugal, é corrente a denominação cardinal, quando o símbolo em apreço se refere ao número de elementos de um conjunto.2 No entanto, o Dicionário Priberam, editado por uma empresa portuguesa, também consigna como sinónimo cerquilha, sem precisar se é termo usado no português em geral ou apenas numa variedade em particular.

Agradeço a Luciano Eduardo de Oliveira a achega sobre o uso desta locução. Numa página de domínio .br, ocorrem outras designações, o que sugere certa margem de variação: porteirinha, cauabanga, caprino, malha, grade, quadrado. Trata-se de palavras que requerem um exame mais atento, dado tratar-se de um sinal que se confunde com o de sustenido, pertencente à notação musical.

2Agradeço à dra. Gracinda Carvalho o esclarecimento prestado sobre o uso deste símbolo. 

Pergunta:

Sempre utilizei o verbo rir conjugado reflexamente, como, por exemplo, na frase: «riram-se a bandeiras despregadas». Porém, já o tenho visto conjugado sem o pronome, desde logo: «riram a bandeiras despregadas». A minha pergunta é: qual das formas é a correta?

Obrigado.

Resposta:

Assim como usa rir e rir-se, com significados próximos, sendo mais enfática a forma com pronome reflexo, também pode usar «rir a bandeiras despregadas» ou «rir-se a bandeiras despregadas».

Pergunta:

Qual a melhor tradução para newsmakers?

Resposta:

Não parece existir ainda palavra ou expressão equivalentes ao anglicismo newsmaker. Encontro só o literal «fazedor de notícias». Assim se pode interpretar a palavra no artigo de Paulo Serra, O on-line nas fronteiras do jornalismo: uma reflexão a partir do tabloidismo.net de Matt Drudge:

«[...] Doug Harbrecht, presidente do National Press Club à época em que Drudge foi convidado a proferir um discurso naquela instituição, considera este não só como um newsmaker mas também como o iniciador de uma “revolução” no jornalismo [...].»

O anglicismo também se refere a qualquer pessoa ou coisa susceptíveis de serem notícia.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado dos vocábulos lógica, dialéctica, gramática e retórica – e também de oratória. O que compreendiam estas áreas no período medieval, dentro do contexto das artes liberais? Qual seu uso moderno? Eles mantêm alguma relação com as mesmas áreas de hoje e também entre si? A gramática utiliza-se da lógica, retórica, dialéctica ou oratória em suas estruturas? Há alguma referência bibliográfica sobre a relação destas áreas com a gramática?

Agradeço antecipadamente o auxílio.

Resposta:

A pergunta feita revela ambições que não se inscrevem no formato das respostas que são habituais no Ciberdúvidas, porque tem carácter enciclopédico, isto é, refere-se mais à história e ao contexto cultural das palavras em apreço do que estritamente ao seu significado linguístico no conjunto do léxico português. Mesmo assim, procurarei dar umas breves pistas acerca de como se concebiam as disciplinas em questão na Idade Média (ou, melhor, por volta dos séculos XII e XIII, quando florescem as universidades). Quanto à definição destes termos na atualidade, remeto o consulente para as respostas indicadas mais abaixo, em Textos Relacionados.

Comece-se por dizer que a gramática (da língua latina), a retórica e a dialética, que abrangia a lógica, constituíam o chamado trīvium (aportuguesando, trívio) das sete artes liberais do ensino universitário medieval (as outras quatro, ou seja, a música, a aritmética, a geometria e a astronomia, formavam o quadrīvium) – cf., segundo R. H. Robins, A Short History of Linguistics (Londres e Nova Iorque, Longman, 1997, pág. 82)1. Como observa M.ª do Céu Nogueira (s. v. "artes liberais", Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura Verbo), «[d]urante a escolástica, as artes, o septívio [= as sete artes liberais], não foram estudadas por si mesmas: eram vias de acesso à Sagrada Escritura».

1. gramática

Na Idade Média, o conceito de gramática parece não se afastar muito do da tradição clássica grega e latina. Sobre a história e conceito de gramática, J. G. Herculano de Carvalho anota o seguinte (s. v. "gramática", ...