Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na resposta dada por Carlos Rocha, em 29/03/2006, a uma questão que confrontava as noções de empresarialidade e empreendedorismo, parece-me que o autor prestou um mau serviço à necessária distinção entre os dois conceitos que cada vez mais se confundem. Abstraindo de outros aspectos do problema, direi apenas que o empreendedorismo não está enfeudado ao universo empresarial e que é um conjunto de atitudes, aptidões e comportamentos que urge cultivar mas cuja aplicação não se limita à vida das empresas. Por exemplo, qualquer trabalhador dependente pode (e deve, até por razões de promoção e valorização profissional) ser empreendedor no seu trabalho por conta de outrem. O empreendedorismo é, de facto, condição necessária para se ser empresário de sucesso e, por isso, todos os empresários deverão ser empreendedores (mas também podem não o ser e há, infelizmente, uma elevada taxa de mortalidade de empresas à cabeça das quais estariam, possivelmente, empresários não empreendedores ou pouco empreendedores), mas nem todos os empreendedores terão, para o ser, de se tornar empresários.

Resposta:

Atendi à crítica do consulente, a qual me levou a reformular a resposta inicial, de acordo com os usos mais recentes (não esquecer que a resposta foi escrita em 2006). No entanto, gostaria de observar que o meu intuito foi mais o de definir os significados de duas palavras do que distinguir duas conceptualizações, eventualmente expostas à teorização académica e a extensões de uso nos meios políticos ou administrativos. Por essa razão, não me parece mau serviço comentar agora como surgiu a palavra empreendedorismo, para revelar a sua estreita afinidade semântica com o vocábulo empresário.

Convém, portanto, começar por referir que a palavra empreendedorismo ocorre como tradução do inglês  entrepreneurship e entrepreneurialism, termos realmente ligados ao domínio da actividade empresarial. Note-se também que a palavra inglesa entrepreneur que é base de derivação de entrepreneurship e entrepreneurialism , que costuma ser traduzida por empresário (cf. Dicionário Verbo Oxford Inglês-Português), se vê traduzida em português por empreendedor, que é a base de derivação de empreendedorismo — isto, apesar de empreendedor não ser, como substantivo1, exactamente sinónimo de empresário. Verifica-se, portanto, aqui um caso de empréstimo semântico, porque o recurso a empreendedor, feito na tradução portuguesa, acabou por retirar ou atenuar a conotação relativa à esfera dos negócios veiculada por entrepreneur. Refira-se também que a palavra inglesa está profundamente ligada ao domínio da economia e do mundo dos negócios. Se consultarmos o Oxford Advanced Learner´s Dictionary (O...

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem quanto à grafia de «tapete de arraiolos», ou seja, se neste caso se grafa Arraiolos em maiúsculas ou em minúsculas. Em meu entender será em caixa baixa, uma vez que não se trata do facto de o tapete ser de Arraiolos, mas sim pelo tipo do tapete e por se tratar de uma expressão do tipo água-de-colónia, que, segundo as regras, é em caixa baixa. Estarei errada?

Muito obrigada, não por esta mas por todas as dúvidas que, ao longo de muitos anos, tenho conseguido esclarecer convosco.

Resposta:

A observação feita pela consulente é muito pertinente, mas o facto é que a expressão, que não está dicionarizada, ainda é tomada literalmente, continuando a manter a maiúscula inicial no topónimo — «tapete de Arraiolos» —, ao que parece, porque ainda se considera que esse tipo de tapete ainda está directa ou indirectamente ligado à vila de Arraiolos (Alentejo). No entanto, o Vocabulário Ortográfico do Português regista como substantivo masculino arraiolos (singular e plural), o que sugere um caso de conversão, em que um nome próprio se torna substantivo comum, designando de forma muito sintética um «tapete de Arraiolos».

Pergunta:

Tenho encontrado a palavra macaronésio como adjetivo relativo à Macaronésia, região marítimo-insular do Atlântico Norte, dotada de características próprias, que engloba os arquipélagos dos Açores, da Madeira, das Canárias e de Cabo Verde. Pois bem, gostaria de saber se o adjetivo em apreço apenas qualifica estas ilhas do ponto de vista geográfico, da fauna, da flora, do clima, ou se qualifica também os seus habitantes, de modo que pudéssemos dizer: «populações macaronésias» ou «povos macaronésios».

Ficaria também contente se me dissésseis se macaronésio é também um substantivo, de maneira que se pudesse dizer «o macaronésio», ao fazermos menção de um homem nascido em um desses arquipélagos.

Gratíssimo eternamente.

Resposta:

Não encontro indicação que contrarie o uso de macaronésio em relação aos habitantes ou residentes nas ilhas que constituem a Macaronésia. Consultando o Dicionário Houaiss, verifica-se que macaronésio significa «relativo ou pertencente à Macaronésia, grupo de ilhas do Atlântico Norte, situadas à frente da Europa e da costa africana, que reúne Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe»1. Contudo, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa limita o uso do vocábulo à área da biologia, no sentido de «relativo à região biogeográfica da Macaronésia, constituída pelos arquipélagos dos Açores, de Cabo Verde, das Canárias e da Madeira». Em suma, a palavra macaronésio ainda não se popularizou como designação genérica de açorianos, madeirenses, canarinos e cabo-verdianos. Disto é elucidativo o facto de a forma macaronésio estar classificada como adjectivo («flora macaronésia»), mas não como substantivo (cf. fontes já referidas), sendo ainda insólito dizer-se «os Macaronésios» .

1 A inclusão de São Tomé e Príncipe deve estar por lapso, porque este arquipélago se encontra no golfo da Guiné, bastante afastado dos arquipélagos que costumam ser referidos como constituintes da Macaronésia. Assinale-se que os artigos da Wikipédia sobre a Macaronésia excluem deste conjunto São Tomé e Príncipe.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a regência do verbo analisar. Esta pergunta surge pois encontrei uma construção que não considero correcta. Não deveria ser «análise do clube» ao invés de «análise ao clube»?

Resposta:

O verbo analisar é um verbo transitivo directo, isto é, selecciona um complemento directo: «é preciso analisar o clube».

Convém não confundir este verbo com o substantivo que lhe corresponde, análise, que tem uma sintaxe própria. Assim, o substantivo análise tem geralmente um complemento, relativo à realidade que é objecto de análise, introduzido pela preposição de. Deve, portanto, dizer-se «análise de qualquer coisa» (neste caso «clube»). Observe-se, contudo, que é possível ocorrer a sequência «análise ao clube», num contexto como «fizeram uma análise ao clube», no sentido de «fizeram uma análise que diz respeito ao clube».

Pergunta:

Sei que as palavras formadas por derivação parassintética são verbos, mas o que eu quero realmente saber é: existem substantivos ou adjetivos formados por derivação parassintética? Se sim, como isso ocorre? Poderiam citar alguns exemplos, por gentileza?

Felicidades!

Resposta:

Parece haver muito poucos casos de substantivos e adjectivos formados por parassíntese (também chamada circunfixação). Num artigo de José Roberto de Castro Gonçalves, intitulado "A derivação parassintética: um desafio para os estudiosos da língua portuguesa" (José Pereira da Silva. ed. e org., Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n.º 2, págs. 34-) lê-se:

«Geralmente, os prefixos que figuram nos parassintéticos têm um sentido dinâmico: embarcar (em–: movimento para dentro), desfolhar (des–: ato de separar); o que explica o fato de a maioria desses derivados serem verbos. Contudo, podemos encontrar, ainda que raramente, substantivos/adjetivos parassintéticos: é o caso de subterrâneo (considerando que subterra e terrâneo são formas inexistentes), bem como de conterrâneo, desalmado etc.»

É, no entanto discutível que os substantivos subterrâneo e conterrâneo sejam casos de parassíntese: por um lado, porque há quem queira ver neles casos de composição;1 por outro, porque se trata de palavras provenientes do latim por via erudita, o que significa que a sua análise morfológica se enquadra no latim, e não no português, que as tomou de empréstimo. Quanto a desalmado, verifica-se que se trata de uma forma participial que pressupões o verbo desalmar, atestado em dicionários (cf. Houiass), e, este sim, formado por parassíntese.

Resta, assim, o exemplo facultado por Alina Villalva, no capítulo que dedica à morfologia do português na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 952): trata-se de