Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Não se trata estritamente de português, mas de adequação do modo de expressão às contingências da realidade.

Eu conto.

Aconteceu que, indo o MacGyver acompanhado de uma competente guarda-florestal em passeio, julgo que no Canadá, eis senão quando se lhes deparam pegadas no chão húmido. Apreciada a profundidade das marcas, aparece na legenda do filme: são de urso, tem cerca de 363 kg.

Admirável acuidade, precisão extraordinária, digo eu, que sou um ignorante.

Afinal vim a apurar que apenas se pretendia dizer que o presuntivo animal deveria pesar aproximadamente 800 lb.

Poderia, por favor, Ciberdúvidas, tirar-se dos seus cuidados e informar os tradutores a martelo da estupidez, recorrente, de traduzir as unidades convertidas ao rigor de uma fiada de 3 algarismos significativos quando, no contexto, tal não é permissível — digo a reforçar, tal é absolutamente anedótico, risível?

Agradeço. Agradecemos todos — os poucos que ainda se batem por alguma qualidade na intocável, e cheia de soberba, comunicação social.

Resposta:

De fato, quando se usa a locução prepositiva «cerca de», na acepção de «quase, aproximadamente», é estranho que se procure exatidão na medida ou na quantidade referida. Sobretudo quando se trata de grandezas superiores às dezenas, espera-se assim que surja um número redondo e não o número exato que representa uma dada grandeza: «cerca das 12h00 horas», «cerca de 200 pessoas», «cerca de 350 gramas». Resulta, portanto, um tanto contraditório que se diga «começámos a almoçar cerca das 12h57», ou que «estavam presentes cerca de 235 pessoas» ou ainda que «o urso pesa cerca de 363 kg», porque o que se pretende dizer na realidade é que «começámos a almoçar às 12h57», que «estavam presentes 235 pessoas» e que «o urso pesa 363 kg». Assinale-se, contudo, que «cerca de» pode ocorrer com datas históricas: «dois obeliscos foram transportados cerca de 14 a.C.».

 

N. E. (5/06/2017) – Na primeira linha, foi corrigida a expressão «locução adverbial», em referência a «cerca de», tendo sido substituída por «locução prepositiva». Na verdade, é de uma locução prepositiva que se trata – mais exatamente de uma locução prepositiva de base adverbial (cf. Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1504), uma vez que é constituída por um termo principal, o advérbio cerca, e uma preposição, de.

Pergunta:

[...] [F]ico confundido com ditos na TV destes:

«O país está em dificuldade!»

Não seria melhor dizer «o país está com dificuldade»?

Penso assim porque nunca ouvi ninguém dizer que está «em dor de cabeça»!

Ainda hoje ouvi dizer «salários em atraso». Não seria mais correto dizer «salários atrasados»? Ou «em atrasos»? Salários é plural.

Também não me lembro de ning,uém dizer que os comboios estão «em atraso»! Mas, sim, «atrasados».

[...]

Se quiserem ter a bondade de me esclarecerem, ficaria muito reconhecido.

Muito obrigado e muitas felicidades.

Resposta:

As suas observações são pertinentes, mas é necessário ter em conta que na língua portuguesa — como nas outras línguas — há muitas expressões que se fixam no uso. Nos casos que aponta, deve considerar-se que:

1. Com o verbo estar, tanto pode dizer «em dificuldade» (ou «em dificuldades») como «com dificuldades» (neste caso, equivalente a «tem dificuldades»). A expressão «em dificuldade(s)» segue o exemplo de outras: «em abundância», «em condições», «em forma».

2. A sequência «salários em atraso» é hoje uma expressão fixa, que só permite a substituição de salários por palavras suas sinónimas ou afins, relacionadas com questões financeiras ou salariais (p. ex., «vencimento», «mensalidades», «pagamento»). É por isso que não se diz «comboios em atraso».

Pergunta:

Gostaria de tirar uma dúvida minha, que na verdade tem sido uma dúvida atual de diversos profissionais na área da fonoaudiologia. Nós temos uma avaliação de fala, feita de forma perceptiva, apenas escutando o avaliado, que sempre foi chamada de «avaliação perceptivo-auditiva». Após essa nova mudança, um determinado grupo passou a usar o termo sem o hífen, como "perceptivoauditiva". Hoje já se ouve controvérsias, dizendo que o certo seria manter o hífen. Enfim, qual seria a forma correta de escrever esse termo?

Desde já agradeço a atenção!

Resposta:

Não é fácil apreender o que se pretende referir com o adjectivo em questão na fonoaudiologia, embora ele se encontre bem enraizado nessa área. Tudo depende de como se entende a relação entre os elementos desse composto:

a) se no composto se coordenam os adjectivos perceptivo e auditivo, referindo a conjugação de duas propriedades diferentes, perceptiva e auditiva, a forma terá hífen: perceptivo-auditivo (equivalente a «perceptivo e auditivo»).

b) também se pode admitir que perceptivo modifica auditivo, que seria núcleo do composto, permitindo uma forma sem hífen perceptivoauditivo, o que se interpreta como algo relativo a uma audição perceptiva.

Ora bem, a interpretação em b) resulta estranha, porque não é de esperar a especificação da audição como perceptiva — o que há a especificar é a percepção, que é de tipo auditivo. Por conseguinte, a forma proposta em b) não se afigura a mais adequada. Já a solução em a) se perfila como consentânea com a intenção de referir uma propriedade relacionada com a percepção auditiva, pelo que à luz desta interpretação recomendo perceptivo-auditivo, com hífen.

Pergunta:

Sobre o topónimo Rua da Telheira, este nome estará relacionado com a existência de alguma fábrica/olaria, no local, ou poderá ter outro significado?

Resposta:

Trata-se de um topónimo com origem no substantivo comum telheira, «fábrica de telhas, olaria» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, disponível na Infopédia), conforme se indica no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.

Pergunta:

Qual a origem e o significado do sobrenome Bertapeli?

Resposta:

Tudo indica tratar-se de um apelido de origem italiana, Bertapelli, que o sítio Gens, dedicado aos nomes italianos, localiza na região da Lombardia. Um portal, também italiano, Cognomix, não regista Bertapelli, mas aponta a forma Bertapelle, sobretudo concentrada no Norte da Itália, em especial no Véneto e na Lombardia. Quanto ao significado etimológico de tal apelido, nada pude apurar nas fontes disponíveis.