Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Levando em conta as explicações dadas por Helena Figueira:

«Ao contrário da ortografia, que é regulada por textos legais (ver o texto do Acordo Ortográfico), não há critérios rigorosos de correcção linguística no que diz respeito à pronúncia, e, na maioria dos casos em que os falantes têm dúvidas quanto à pronúncia das palavras, não se trata de erros, mas de variações de pronúncia (...)»

É legítimo isso aplicar-se às chamadas consoantes mudas? O novo acordo preconiza Egito como ortográfica e foneticamente correcto; porém, eu e várias pessoas que conheço (zona centro-norte) pronunciamos esse país com o p. Trata-se então de uma variação de pronúncia regional aceitável? E, sendo aceitável, devemos continuar a escrever Egipto, ou a nossa ortografia tem de seguir a fonética culta, de Lisboa (Egito)?

Não havendo critérios rigorosos, significa isso que não podemos dizer a alguém, em rigor, que pronuncie escrita como [escripta] que está incorrecto?

Resposta:

Trata-se de um caso de dupla grafia, que decorre da aceitação de duas pronúncias para a mesma palavra: Egito e Egipto.

Quanto à pergunta final da consulente, "escripta" é uma forma incorreta, porque, embora possa ser uma variante individual, não é legitimada pelo comportamento linguístico de nenhum grupo, seja ele definido pela geografia (dialeto), pelos contrastes sociais (socioleto) ou pelas diferentes modalidades de expressão (registos, oralidade, escrita). Porque não há registo de "escripta" como forma que ocorra sistematicamente na expressão de um grupo de indivíduos, o mais que se pode dizer é que "escripta" é uma variante idioletal, se esta forma ocorrer de forma consistente no discurso de um indivíduo. Se nem isso acontecer, considerar-se-á que, do ponto de vista descritivo, se trata de uma forma fortuita, resultante de um lapso ou de um ato gratuito. Na perspetiva da norma, "escripta" será sem dúvida um erro, porque está excluída do elenco de formas que as comunidades de falantes de língua portuguesa definem, explícita ou implicitamente, como legítimas.

Pergunta:

Sei que já se falou sobre isto, mas infelizmente não consigo encontrar as páginas referentes a isto.

Tenho lido que com as novas tecnologias se pode foneticamente diferenciar as seguintes palavras. Mas no entanto ainda não se encontram nas gramáticas portuguesas. Antigamente foi difícil aceitar que tínhamos 2 semivogais, que se encontram em pai e pau, hoje aceitamos isso e lê-se nas gramáticas; mais tarde foi possível reconhecer mais 2 semivogais mas eram nasais, encontramo-las em mãe e pão, essas 2 ainda não se encontram em todas as gramáticas.

Agora são as seguintes palavras, o /L/ em final de sílaba como:

ál em cálcio vs. al em calcário

él em Bélgica vs. el em saudável

íl em funil vs. il em fértil

ól em golpe vs. ol em Moldávia

úl ...

Resposta:

1. Não se deve às novas tecnologias a identificação de semivogais (orais ou nasais), nem se pode dizer com segurança que, em tempos, era difícil aceitar a existência de semivogais em português. Basta referir que o termo semivogal foi usado pelo filólogo português J. Leite de Vasconcelos, nas suas Lições de Filologia (2.ª edição, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1926, pág. 30). Mesmo em gramáticas escolares publicadas em Portugal, encontra-se este termo, por exemplo, no Compêndio de Gramática Portuguesa de J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira (Porto, Porto Editora, 1976, pág. 156).

2. Quanto ao [ɫ], que ocorre em final de sílaba, trata-se de uma consoante que há muito está descrita por vários investigadores e gramáticos com diferentes termos, em função da perspetiva teórica adotada. No entanto, parece-me que uma classificação acessível ao chamado grande público é a proposta por Celso Cunha e Lindley Cintra, que, na Nova Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 45-47), apresentam essa consoante como uma consoante lateral alveolar velarizada, que soa de modo diferente do [l] que ocorre em começo de sílaba (isto é, em começo ou meio de palavra):

«[...] Na pronúncia normal do português europeu, a consoante l, quando final de sílaba, é velarizada; a sua articulação aproxima-se,pelo recuo da língua, à de um [u] ou [w]. Na transcrição fonética, é costume distinguir este l do l inicial de sílaba, representando-se o último por [l] e a consoante velarizada por [ł]: lado [´laδu], alto [´ałtu], mal [´mał].»1

Em relação ao português brasileiro, os mesmos autores (ibidem) ass...

Pergunta:

Nas frases em que o sujeito é subentendido, como definimos o grupo nominal? Consideramos também subentendido, ou simplesmente não existe?

Ex.: «Dormi bem.»

Resposta:

No caso em apreço, não se define o grupo nominal, porque o sujeito não é realizado por nenhum.

Atenção, que grupo nominal não é o mesmo que sujeito. Na frase apresentada, não existe grupo nominal nenhum, mas na frase seguinte há um grupo nominal que desempenha a função de complemento direto, e não a de sujeito (expressão sublinhada é um grupo nominal):

«Bebi um café

Pergunta:

Existe em francês a palavra eutonologie usada em literatura médica (do gr.: eu; tonos: vigor; logos: ciência). Pretendo conhecer a palavra em português, que não encontrei nos muitos dicionários que consultei. Podem, por favor, ajudar?

Resposta:

Não encontro a palavra registada nem em dicionários gerais nem dicionários especializados. Tendo em conta que o termo francês é constituído por elementos de origem grega e sendo legítima a adaptação dos mesmos aos padrões morfológicos, fonológicos e ortográficos do português, é possível criar o neologismo eutonologia.

Pergunta:

Preciso de saber qual é a importância de sotaques e regionalismos no âmbito de uma pluralização cultural de Portugal. Se vos for mais fácil com exemplos, por mim não têm qualquer tipo de problema.

Já efetuei imensas pesquisas, e neste momento estou completamente confusa. Não consigo chegar a nenhuma conclusão.

Resposta:

A importância de sotaques e regionalismos foi e é apreciável para estudos académicos dedicados à variação linguística, interpretada em função de várias perspetivas teóricas. No entanto, em Portugal, na perspetiva das atitudes associadas à norma  linguística, a verdade é que ainda hoje se considera vulgarmente que o sotaque regional (isto é, exterior ao eixo Coimbra-Lisboa) é sinal de incorreção. Esta visão tem perdurado, se bem que de modo muito inconsciente. Quem assista na televisão a programas humorísticos verá que se associam certos sotaques (por exemplo, o "nortenho", o "alentejano", o "açoriano") a personagens para reforçar o efeito de cómico. Mas é possível que o aparecimento de canais regionais como o Porto Canal, nos quais são mais frequentes variantes estranhas à norma-padrão, permita à população portuguesa adotar uma atitude mais informada e tolerante relativamente às variantes regionais.

Cf. Língua Portuguesa discriminada na Guiné-Bissau