Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A seguinte frase, retirada de Diário, de Sebastião da Gama, é assim pontuada pelo autor:

«A aula de hoje foi uma conversa animada, calorosa, por vezes, sobre as redações. Cada qual fazia ler ou lia a sua e depois a plateia criticava ou criticava eu.»

Por uma questão de ritmo de leitura, a ter sido eu a escrevê-la, pontuá-la-ia da seguinte forma:

«A aula de hoje foi uma conversa animada, calorosa, por vezes, sobre as redações. Cada qual fazia ler, ou lia a sua, e depois a plateia criticava, ou criticava eu.»

Estaria a cometer um erro ao colocar a vírgula antes de ou? Em que casos se pode e em que casos não se deve fazê-lo?

Resposta:

A vírgula colocada antes de ou não é um erro, mas também não se pode dizer que seja obrigatória. Muito depende de se considerar que antes de ou há uma pausa — e esse juízo, pela sua subjetividade, pode variar.

E. Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (2002, pág. 609) indica que:

[...] [se emprega vírgula] para separar orações coordenativas alternativas (ou, quer, etc), quando proferidas com pausa:

Ele sairá daqui logo, ou eu me desligarei do grupo.

OBSERVAÇÃO: Vigora esta norma quando ou exprimir retificação:

Teve duas fases nossa paixão, ou ligação, ou qualquer outro nome, que eu de nome não curo [...]1

Se denota equivalência, não se separa por vírgula o ou posto entre dois termos: Solteiro ou solitário se prende ao mesmo termo latino.

Nesta ótica, parece de recomendar o uso da vírgula antes de ou na frase apresentada pela consulente, até porque a conjunção liga orações («cada qual fazia ler ou lia a sua» e «a plateia criticava ou criticava eu»), à semelhança do prime...

Pergunta:

Gostava de saber o contraste entre a elipse e a prolepse, visto que ambas representam um avanço no tempo.

Agradeço desde já a vossa disponibilidade para responder de forma clara e congratulo-vos devido ao vosso serviço pela língua portuguesa.

Resposta:

Na teoria da narrativa ou em narratologia, elipse constitui apenas, para usar a expressão do consulente, um «avanço no tempo», na medida em que contribui para acelerar a ação narrada. Assim, no âmbito dos estudos em referência, a elipse consiste na «[...] eliminação de partes da acção que ajudam à economia da narrativa e não são importantes para a compreensão da história narrada» (Carlos Ceia, Carlos Ceia, s. v. Elipse, E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia). Por exemplo, em Os Maias, de Eça de Queirós, existe uma elipse do capítulo II (que termina com a morte de Pedro da Maia, sendo Carlos da Maia ainda um bebé) ao capítulo III (anos depois, em Santa Olávia).

Quanto à prolepse, trata-se de uma «alteração da ordem sequencial dos acontecimentos, antecipando alguns que ainda não tenham ocorrido ou fazendo simplesmente um sumário de uma situação que virá a ocorrer» (Lurdes Trilho, s. v. Prolepse, E-Dicionário de Termos Literários, idem)

Recorde-se que elipse é também o termo que designa um processo sintático (ver também os Textos Relacionados).

Pergunta:

Por favor, gostaria de saber se mãe-terra tem hífen e se é escrita em maiúscula: Mãe-Terra.

Resposta:

A associação de dois substantivos costuma exibir hífen. Por uma questão de ênfase, em certos contextos (poético, oratório), aceita-se o uso de maiúsculas iniciais, que não são obrigatórias.

Pergunta:

Hoje ouvi na rua uma rapariga comentar para uma amiga «Eu disse-lhe: vai tu t´embora!».

Gostava de saber qual a forma correcta de o dizer, «Vai tu embora!», ou «Vai-te tu embora!»?

Resposta:

As formas corretas são «vai tu embora» ou «vai-te tu embora».

Do ponto de vista da variação não aceite pela norma, verifica-se de facto que falantes portugueses mais jovens usam formas como «vamos "sembora"». O exemplo dado pelo consulente soma-se, portanto, às variantes dialetais desta expressão.

Pergunta:

Em que contextos de ocorrência pode mas ser considerado um advérbio conectivo?

Resposta:

A palavra mas é sempre uma conjunção (coordenativa adversativa), mesmo quando é usada como conetor1 no início de frase.

O Dicionário Terminológico (DT) estipula, do ponto de vista da comunicação e interação discursivas, que advérbios e conjunções são conetores discursivos, uma vez «que ligam um enunciado a outro enunciado ou uma sequência de enunciados a outra sequência, estabelecendo uma relação semântica e pragmática entre os membros da cadeia discursiva». Não sendo frequente nem recomendável no discurso mais utilitário, a verdade é que pode verificar-se a ocorrência de conjunções coordenativas depois de ponto final, como que prolongando uma pausa («Veio mais cedo. E/Mas não se pense que foi para me ver»). Esta possibilidade não é indicativa de a mas se poder atribuir a classificação de advérbio conetivo, porque esta é uma categoria com um comportamento sintático diferente, como se aponta no próprio DT e em Da Comunicação à Expressão — Gramática Prática de Português (Lisboa, Lisboa Editora, 2011, pág. 256), de M.ª Olga Azeredo et al.:

[os advérbios conetivos] podem estabelecer nexos entre frases, sublinhando, por exemplo, relações de consequência, de contraste ou de ordenação:

A noite foi passada em claro. Adrian, contudo, já estava a caminho da escola, às oito da manhã. [...]

Nexos com valor semântico idêntico podem ser estabelecidos também por conjunções. Estas diferem dos advérbios conectivos porq...