Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ultimamente, em minhas leituras, tenho notado que em algumas orações é suprimido o que. Por exemplo: «esta crise, da qual parece o mundo foi vítima...» ao invés de «esta crise, da qual parece que o mundo foi vítima...».

Sobre a dúvida acima, gostaria que me informassem (ou gostaria me informassem?), o que antecipadamente agradeço, se há alguma regra para a supressão do que.

Resposta:

Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 597), dedicam um apartado à omissão da conjunção subordinativa completiva que (tradicionalmente, também chamada conjunção integrante):

«Depois de certos verbos que exprimem uma ordem, um desejo ou uma súplica, a língua portuguesa permite a omissão da integrante que:

Penso/daria um sofrível monge, / se não fossem estes nervos miseráveis. (Antero de Quental, C, 337.)

Queira Deus / não voltes mais triste... / (Manuel Bandeira, PP, 338.)

Olhar o Brasil como hóspedes em casa alheia, que as regras mandam / se coloquem tanto quanto possível no ponto de vista do anfitrião. / (Miguel Torga, TU, 21.)»1

Cumpre, porém, dizer que a possibilidade (não falo de obrigatoriedade) de supressão é mais característica do texto literário e da linguagem jurídica ou notarial. Não é tão frequente noutros âmbitos de expressão — a não ser num estilo um tanto afetado. É, pois, de esperar que normalmente se diga «gostaria que me informassem» (ver resposta n.º 2904).

1 As obras referidas nas abonações que constam da citação são, a saber: Antero de Quental, Cartas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921; Manuel Bandeira, Poesia e Prosa, Rio de Janeiro, Aguilar, 1958; Miguel Torga, Traço de União, Coimbra, 1955 (Cunha e Cintra,

Pergunta:

Palavras-chaves, ou palavras-chave?

Resposta:

Aceitam-se os dois plurais.

No âmbito da lexicografia brasileira, embora dois dicionários (Dicionário Houaiss e Aulete Digital) só indiquem palavras-chave, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras acolhe os dois plurais. Em Portugal, o dicionário da Academia das Ciências e o Portal da Língua Portuguesa também registam as duas formas: palavras-chave e palavras-chaves.

Pergunta:

Nas frases:

1. «Blimunda ficou responsável por recolher vontades.»

2. «Gomes Freire foi executado depois da decisão injusta.»

Quais as funções sintáticas de: «por recolher vontades» e «depois da decisão injusta»?

Resposta:

1. «por colher vontades»: complemento do adjetivo responsável.

2. «depois da decisão injusta»: modificador do grupo verbal «foi executado depois da decisão injusta».

Pergunta:

Fiz esta questão, tendo obtido a seguinte resposta:

«Etimologia de foja

«[Pergunta] Gostaria de obter ajuda na busca da origem da palavra foja, substantivo que dá nome à Quinta e ao rio Fôja, situados entre Montemor-o-Velho e a Figueira da Foz. Terá que ver com o espanhol hoja (começou por se escrever rio Eije)? Ou com foice (já se escreveu depois rio Foixe). Há quem relacione o topónimo com a palavra fôjo, uma vez que existia na mata de Fôja um couto de caça. Porém, estou pessoalmente mais inclinado para que a origem esteja precisamente em folha ou em foice, uma vez que ambas descrevem bastante bem a morfologia que o vale do Fôja evidencia, em forma de folha ou foice. Então será etimologicamente possível a passagem de Fovea a Eije durante a Alta Idade Média, e depois recuperar o f inicial para Foixe? Parece-me um exercício improvável. E qual a sua opinião pessoal? Parecem-lhe improváveis as explicações que estou a seguir? Desde já agradecido pela atenção dispensada. (Leonel Gonçalves, Portugal)

«[Resposta] Segundo José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico, o topónimo Foja provém de fojo. O grande etimologista, dicionarista e arabista acrescenta que em 1258 havia Fogia. É no latim fovĕu, por fovĕa...

Resposta:

Como, infelizmente, o prof. F. V. Peixoto da Fonseca já não está entre nós, cabe-me a mim dar a resposta, que será muito breve. Assim:

1. Não sei a que documento dos frades Crúzios o consulente da pergunta em causa se refere. Teria sido necessário dar a indicação precisa de onde se encontra o contexto de ocorrência de Eije e Foixe e datá-lo.

2. A forma Foixe é compatível com a etimologia proposta por F. V. Peixoto da Fonseca, uma vez que não é impossível, por exemplo em documentos medievais, que x represente o segmento [Ʒ], pelo menos, sugerindo uma forma já foneticamente mais próxima de Foja.

3. Mais complicado se torna relacionar Eije com Foixe ou Foja, porque, do ponto de vista diacrónico, não tenho conhecimento de processos de alteração fonética que envolvam a adição do segmento [f] em princípio de palavra, a não ser que a analogia tenha intervindo na formação do topónimo, e, nesse caso, seria de considerar a hipótese avançada na pergunta original.

Em suma, não tenho elementos que me permitam dar uma resposta mais conclusiva.

Pergunta:

Na frase «Não há agora em toda a floresta uma planta tão pobre como eu», podemos considerar que se estabelece uma relação de semelhança, ou não? Esta frase é uma comparação, ou não?

Resposta:

Convinha precisar melhor o contexto em que a pergunta é feita, porque nela parecem encontrar-se diferentes dimensões de análise.

Assim, do ponto de vista gramatical, a frase apresenta uma comparação que é negada, exibindo o grau comparativo de igualdade de um adjetivo, pobre: «não há... uma planta tão pobre como eu.» Do ponto de vista semântico e lógico, existe uma relação de semelhança cuja possibilidade é pressuposta no discurso para ser negada na frase («não há...»).