Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe em francês a palavra eutonologie usada em literatura médica (do gr.: eu; tonos: vigor; logos: ciência). Pretendo conhecer a palavra em português, que não encontrei nos muitos dicionários que consultei. Podem, por favor, ajudar?

Resposta:

Não encontro a palavra registada nem em dicionários gerais nem dicionários especializados. Tendo em conta que o termo francês é constituído por elementos de origem grega e sendo legítima a adaptação dos mesmos aos padrões morfológicos, fonológicos e ortográficos do português, é possível criar o neologismo eutonologia.

Pergunta:

Preciso de saber qual é a importância de sotaques e regionalismos no âmbito de uma pluralização cultural de Portugal. Se vos for mais fácil com exemplos, por mim não têm qualquer tipo de problema.

Já efetuei imensas pesquisas, e neste momento estou completamente confusa. Não consigo chegar a nenhuma conclusão.

Resposta:

A importância de sotaques e regionalismos foi e é apreciável para estudos académicos dedicados à variação linguística, interpretada em função de várias perspetivas teóricas. No entanto, em Portugal, na perspetiva das atitudes associadas à norma  linguística, a verdade é que ainda hoje se considera vulgarmente que o sotaque regional (isto é, exterior ao eixo Coimbra-Lisboa) é sinal de incorreção. Esta visão tem perdurado, se bem que de modo muito inconsciente. Quem assista na televisão a programas humorísticos verá que se associam certos sotaques (por exemplo, o "nortenho", o "alentejano", o "açoriano") a personagens para reforçar o efeito de cómico. Mas é possível que o aparecimento de canais regionais como o Porto Canal, nos quais são mais frequentes variantes estranhas à norma-padrão, permita à população portuguesa adotar uma atitude mais informada e tolerante relativamente às variantes regionais.

Cf. Língua Portuguesa discriminada na Guiné-Bissau

Pergunta:

Biopsia, ou biópsia?

Resposta:

Aceitam-se a duas formas (consultar o Portal da Língua Portuguesa), embora o Dicionário Houaiss observe que biopsia é forma mais correta, mas menos usada.

Situação semelhante acontece com autópsia1, que admite a alternativa autopsia. Esta variação é explicada pelo Dicionário Houaiss, no artigo dedicado à forma não autónoma -ópsia, constituída por elementos de origem grega transmitidos por via erudita (radical -ops- e sufixo -ia):

«pospositivo, como f[orma] var[iante] de -opsia [...], segundo o modelo do gr[ego] autopsía, "ato de ver com os próprios olhos" (do vocabulário místico, de início), pelo fr[ancês] autopsie (que, segundo os puristas, deveria ser sempre autopsie cadavérique, "autópsia cadavérica"), por 1827, donde o port[uguês] autópsia (1836)/autopsia (1871); notar que o étimo gr[ego] preconiza a paroxítona, mas uma vez formada autópsia, esta serviu de base para variação, nem sempre regular, entre -ópsia e -opsia: biópsia, necrópsia, parópsia, sinópsia

1 Já Vasco Botelho do Amaral, no Grande Dicionário das Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958, s. v. autópsia), dizia que autopsia era «acentuação que já não vinga».

Pergunta:

Paroníquia, oniquia, anoniquia?

Resposta:

A diferença na colocação do acento parece dever-se a como as palavras surgiram em português.

Todas as três apresentam o elemento onic(o)- proveniente do grego ónuks, ónukhos, «unha, garra; ônix (pedra)» (Dicionário Houaiss). Contudo, a história de formação e transmissão de paroníquia parece ser distinta da de oniquia e anoniquia.

Paroníquia é introduzida em português como empréstimo erudito do latim: paronychĭa, ōrum ou paronychĭae, ārum, do «grego parōnukhía, as, "panarício, abcesso na raiz da unha", de pará-, "ao lado" + ónuks, "unha"» (Dicionário Houaiss).

O termo oniquia, do qual deriva anoniquia, vem descrito como onic(o)- + -ia (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Vi a vossa resposta à questão sobre desviância e não concordo com a resposta dada de que o correcto em estatística é deviation (e não deviance). São duas coisas diferentes. De acordo com um dicionário online:

«Deviance: (Mathematics & Measurements/Statistics) Statistics a measure of the degree of fit of a statistical model compared to that of a more complete model.» Assim, gostaria de saber se desviância poderá ser uma tradução adequada para deviance.

Resposta:

Prefiro apoiar-me em dicionários em linha de obras de referência, por exemplo, o Oxford Advanced Learner´s Dictionary e a versão em linha do Merriam-Webster Dictionary, nos quais não encontro a definição de deviance como termo usado em estatística; pelo contrário, o registo da palavra está associado a significados relativos à área da psicologia ou da sexualidade, enquanto deviation é que se relaciona com a estatística. Assim:

1. Oxford Advanced Learner´s Dictionary

Deviance é o nome correspondente ao adjetivo deviant, definido como «different from what most people consider to be normal and acceptable» e atestado pelo exemplo «deviant behaviour/sexuality» (tradução livre: «diferente do que muitas pessoas consideram ser normal ou aceitável»; «comportamento/sexualidade desviante»; sobre desviante, ver o Dicionário Houaiss). Deviation pode igualmente ser usado em relação à psicologia ou à sexualidade («sexual deviation», ou seja, «desvio sexual»), mas, além disso, ocorre na expressão standard deviation, que tem entrada própria e, como se pode consultar no sítio Linguee, se traduz habitualmente por «desvio-padrão» (ou «afastamento padrão», cf. Dicionário Houaiss).

2.