Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Biopsia, ou biópsia?

Resposta:

Aceitam-se a duas formas (consultar o Portal da Língua Portuguesa), embora o Dicionário Houaiss observe que biopsia é forma mais correta, mas menos usada.

Situação semelhante acontece com autópsia1, que admite a alternativa autopsia. Esta variação é explicada pelo Dicionário Houaiss, no artigo dedicado à forma não autónoma -ópsia, constituída por elementos de origem grega transmitidos por via erudita (radical -ops- e sufixo -ia):

«pospositivo, como f[orma] var[iante] de -opsia [...], segundo o modelo do gr[ego] autopsía, "ato de ver com os próprios olhos" (do vocabulário místico, de início), pelo fr[ancês] autopsie (que, segundo os puristas, deveria ser sempre autopsie cadavérique, "autópsia cadavérica"), por 1827, donde o port[uguês] autópsia (1836)/autopsia (1871); notar que o étimo gr[ego] preconiza a paroxítona, mas uma vez formada autópsia, esta serviu de base para variação, nem sempre regular, entre -ópsia e -opsia: biópsia, necrópsia, parópsia, sinópsia

1 Já Vasco Botelho do Amaral, no Grande Dicionário das Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958, s. v. autópsia), dizia que autopsia era «acentuação que já não vinga».

Pergunta:

Paroníquia, oniquia, anoniquia?

Resposta:

A diferença na colocação do acento parece dever-se a como as palavras surgiram em português.

Todas as três apresentam o elemento onic(o)- proveniente do grego ónuks, ónukhos, «unha, garra; ônix (pedra)» (Dicionário Houaiss). Contudo, a história de formação e transmissão de paroníquia parece ser distinta da de oniquia e anoniquia.

Paroníquia é introduzida em português como empréstimo erudito do latim: paronychĭa, ōrum ou paronychĭae, ārum, do «grego parōnukhía, as, "panarício, abcesso na raiz da unha", de pará-, "ao lado" + ónuks, "unha"» (Dicionário Houaiss).

O termo oniquia, do qual deriva anoniquia, vem descrito como onic(o)- + -ia (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Vi a vossa resposta à questão sobre desviância e não concordo com a resposta dada de que o correcto em estatística é deviation (e não deviance). São duas coisas diferentes. De acordo com um dicionário online:

«Deviance: (Mathematics & Measurements/Statistics) Statistics a measure of the degree of fit of a statistical model compared to that of a more complete model.» Assim, gostaria de saber se desviância poderá ser uma tradução adequada para deviance.

Resposta:

Prefiro apoiar-me em dicionários em linha de obras de referência, por exemplo, o Oxford Advanced Learner´s Dictionary e a versão em linha do Merriam-Webster Dictionary, nos quais não encontro a definição de deviance como termo usado em estatística; pelo contrário, o registo da palavra está associado a significados relativos à área da psicologia ou da sexualidade, enquanto deviation é que se relaciona com a estatística. Assim:

1. Oxford Advanced Learner´s Dictionary

Deviance é o nome correspondente ao adjetivo deviant, definido como «different from what most people consider to be normal and acceptable» e atestado pelo exemplo «deviant behaviour/sexuality» (tradução livre: «diferente do que muitas pessoas consideram ser normal ou aceitável»; «comportamento/sexualidade desviante»; sobre desviante, ver o Dicionário Houaiss). Deviation pode igualmente ser usado em relação à psicologia ou à sexualidade («sexual deviation», ou seja, «desvio sexual»), mas, além disso, ocorre na expressão standard deviation, que tem entrada própria e, como se pode consultar no sítio Linguee, se traduz habitualmente por «desvio-padrão» (ou «afastamento padrão», cf. Dicionário Houaiss).

2.

Pergunta:

Gostaria de colocar a seguinte questão, referente à utilização do verbo dever, na forma reflexa e à função sintática que se lhe segue. Vejamos a seguinte frase:

«A modernização deve-se à aplicação de técnicas sofisticadas.»

Nesta situação, o verbo seleciona a preposição a, não podendo ser substituído pelo pronome lhe: *«A modernização deve-se-lhe...» Assim, o verbo será seguido de complemento oblíquo?

Se a frase fosse «Esta recompensa deve-se ao empenho dos alunos», teríamos uma situação similar?

Resposta:

O verbo dever, associado ao pronome se reflexo (dever-se), é sinónimo de «ser devido a», por sua vez, o mesmo que «ser por causa de » (cf. Mário Vilela, Dicionário do Português Básico, Porto, Edições ASA, 1991, s. v. dever). Neste caso, o verbo seleciona um complemento oblíquo, e não um complemento direto, como bem observa a consulente. Observem-se as seguintes frases:

1. «A modernização deve-se à aplicação de técnicas sofisticadas.»

2. *«A modernização deve-se-lhe.»

3. «A modernização deve-se a isso.»

Em 2, a substituição de «à aplicação de técnicas sofisticadas» por lhe é incompatível com dever-se, «ser devido», donde se conclui que «à aplicação de técnicas sofisticadas» não é um complemento indireto. Por seu lado, a 3 mostra que o grupo preposicional «à aplicação...» só pode ser substituído por outro grupo preposicional contendo o pronome isso; trata-se, portanto, de um complemento preposicional.

Pergunta:

Na expressão «Tanto pior para ele», pior é o comparativo do adjetivo mau, ou do advérbio mal?

Resposta:

Do adjetivo mau, considerando que «tanto pior para alguém» é uma forma elíptica de dizer «isso é tanto pior para ele», frase que pressupõe «isso é mau para ele».