Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Dirijo-me a Ciberdúvidas para pedir a gentileza (caso seja possível) de me esclarecer se os nomes dos dias da semana são ou não compatíveis com determinados tempos verbais usados, abaixo mencionados.

A minha primeira pergunta é se o nome do dia da semana, que desempenha outra função que não o sujeito, é considerado sintagma nominal ou adverbial. Assim, na frase:

«Quinta-feira foi ao teatro.» «Quinta-feira» é sintagma adverbial, ou sintagma nominal?

As minhas outras duas questões partem da frase: «Segunda vou ao teatro.»

Foi-me explicado que a diferença entre «na segunda-feira» e «segunda-feira» (informalmente: «na segunda» ou «segunda») consiste no facto de a forma segunda(-feira) só referir a (+a) segunda-feira que antecede ou segue imediatamente ao momento de enunciação. Caso esta afirmação seja válida, quereria verificar, se percebi e deduzi bem, os seguintes dois pontos:

1. As frases abaixo mencionadas são consideradas agramaticais porque os eventos não são localizados no espaço iminente do Ie (momento de enunciação)?

Veja-se os seguintes exemplos:

* «Terça tinha ido/fora ao teatro.» Pretérito mais-que-perfeito (Ij – símbolos usados em Gramática da Língua Portuguesa (Mateus et. al.: 1989).

* «Terça ia/costumava ir ao teatro.» Tempo Ik imperfeito do passado (não no sentido do condicional).

* «Terça viajarei a Londres.» Tempo Ip (mas no sentido de futuro do futuro: na próxima terça-feira, não na terça-feira da semana corrente).

2. Como se reflete a iminência do evento localizado...

Resposta:

1. «Quinta-feira foi ao teatro.»

Como já tem sido referido no Ciberdúvidas (ver Textos Relacionados), a descrição linguística do português regista, como acontece noutras línguas, a existência de grupos nominais (ou sintagmas nominais) de localização temporal com interpretação adverbial (cf. M.ª Mira Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 166/167) — é o caso de «quinta-feira» em «quinta-feira vou ao teatro». No entanto, há investigadores (por exemplo, Telmo Móia) que argumentam que esses grupos nominais são grupos preposicionais num nível mais abstrato de análise (ibidem).

A ocorrência de grupos nominais com função adverbial não se limita aos dias da semana, podendo verificar-se também com outros nomes relativos ao calendário como semana, mês, ano:

(1) «Esta semana/este mês/este ano mudei/vou mudar de casa.»1

2. «Segunda vou ao teatro.»

Intuitivamente, direi que, de facto, o uso dos dias da semana em grupos nominais de valor adverbial é feito em referência ao momento em que se fala (momento da enunciação). Se digo «segunda vou ao teatro», quero referir-me à segunda-feira imediatamente posterior ao dia em que falo. Perante uma frase «segunda-feira saí mais cedo», quero com isso significar que saí mais cedo na segunda-feira imediatamente anterior ao dia em que falo. Deste modo, as frases que a consulente apresenta como agramaticais (ponto 1 da pergunta: «terça...») são realmente muito marginais quanto à sua aceitabilidade, dado que os tempos verbais que aí oc...

Pergunta:

Palavras como malmequer, claraboia, língua da sogra, fim de semana, em que não é possível deduzir o seu significado a partir dos elementos que as constituem, são palavras com estrutura complexa, mas que, quanto ao significado, se assemelham a palavras simples.

Quando expliquei que fim de semana era uma locução e que, com o novo Acordo Ortográfico, perdia os hífenes, classifiquei-a de composto morfossintático. Estarei correta, ou tratar-se-á de uma palavra simples. Na TLEBS falava-se em palavras lexicalizadas.

Resposta:

À luz do Dicionário Terminológico (DT), destinado a apoiar em Portugal o ensino da gramática no ensino básico e secundário, a palavra fim de semana não é uma palavra simples, é uma palavra complexa, formada por composição morfossintática.

Segundo o DT, palavras como caseiro e casa de banho são palavras complexas, sendo a primeira formada por derivação, e a segunda, por composição. A palavra fim de semana, de estrutura idêntica a casa de banho, porque apresenta dois substantivos ligados por uma preposição, é, por isso, um composto. Como a estrutura destes compostos depende da relação sintática e semântica entre os seus membros, diz-se também que são compostos morfossintáticos (cf. idem).

Quanto à palavra locução, é um termo genérico usado, no Acordo Ortográfico de 1990, para referir a grafia de certos compostos.

Pergunta:

Atente-se na frase seguinte: «Ele trabalhava calado.»

Segundo Celso Cunha & Lindley Cintra, «calado» desempenha a função sintática de predicativo do sujeito, apesar de ser precedido por um verbo não copulativo.

E agora, que função desempenha segundo a nova terminologia linguística?

Resposta:

Trata-se de um predicativo do sujeito, numa estrutura que não é mencionada pelo Dicionário Terminológico (DT).

O DT define o predicativo do sujeito como «constituinte que ocorre em frases com verbos copulativos», não abrangendo assim estruturas predicativas associadas a verbos transitivos e intransitivos. No entanto, a Nova Gramática Didática de Português, de Cristina Serôdio, Dulce Pereira, Esperança Cardeira e Isabel Falé (Lisboa, Santillana/Constância, 2011, pág. 168), contempla, em nota à margem, outras construções com predicativo do sujeito, observando o seguinte:

«Certos verbos intransitivos ocorrem em construções com um predicativo do sujeito. Neste caso, os predicativos não são obrigatórios, mas opcionais: A Rita chegou esfomeada

Saliente-se a utilidade desta nota para classificar como predicativo do sujeito a ocorrência de «calado» na frase em causa. Com efeito, sendo trabalhar um verbo intransitivo, é fácil detetar o paralelo estrutural «ele trabalhava calado» e «a Rita chegou esfomeada», uma vez que nas duas frases os adjetivos são parafraseáveis por uma oração reduzida de gerúndio com o verbo copulativo estar: «estando calado/esfomeada».

Acresce que, noutras respostas, se tem feito referência a este tipo de predicativo, que Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (37.ª edição, págs. 428-431), chama «anexo predicativo». No entanto, um estudo de Vera...

Pergunta:

Peço desculpa pela insistência, mas continuo sem resposta a esta minha "velha" questão... Como escrever?... «Eu estava superà vontade», ou «Eu estava super-à vontade»? E ainda «Eu estava com um superà-vontade invejável», ou «Eu estava com um super-à-vontade invejável»?

Resposta:

Não é fácil dar resposta a esta questão.

Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que existe a diferença, assinalada pelo consulente, entre «à vontade» (locução adverbial) e à-vontade (substantivo).1 Depois, deve-se atentar na possibilidade de o prefixo super- ter uso como palavra autónoma, com o significado de «muito» e função adverbial e adjetival, em registo familiar, conforme se regista no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (mantenho a ortografia da edição de 2001):

«[...] funç. adv. Fam. Usa-se antes de adjectivos e advérbios para indicar grau ou intensidade elevada. MUITOPOUCO. Estou super interessado. Fica super longe. [...] funç. adj. Fam. Que se destaca em relação aos demais pela sua excelência, superioridade... Aquele carro é super.»

Refira-se também que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Porto Editora, publicado nos finais de 2009, atribui entrada própria a super, classificando esta forma como advérbio. É de observar, no entanto, que esta grafia representa uma palavra aguda ou oxítona ("supér"), e não uma palavra grave ou paroxítona, que é como soa geralmente o morfema, mesmo quando ocorre como prefixo ("súper"). Para que a grafia pudesse representar a acentuação grave, deveria escrever-se súper, com acento agudo sobre a penúltima sí...

Pergunta:

A propósito da consulta formulada por José Luiz Aleo em 1/2/2012, sobre concordância verbal em orações subordinadas no infinitivo e também pronominais, me ocorreu o verbo arrepender-se ou o verbo abraçar-se. Penso que a única construção possível seria: «A admoestação dele nos ajudou a nos arrependermos» ou «O professor nos ajudou a nos abraçarmos».

Seria interessante voltar ao assunto.

Resposta:

Como se disse na resposta em causa, a omissão do pronome reflexo é mera opção, sobretudo quando se trata do verbo causativo fazer seguido de uma oração completiva com o verbo na 3.ª pessoa. Os exemplos dados pelo consulente, quando confrontados com outros em que ocorra o verbo fazer, até apontam para que esta possibilidade não se distribua uniformemente por todas as formas dos verbos tradicionalmente chamados reflexos, visto que aqueles que têm se inerente ou se recíproco restringem ou não aceitam tal omissão, como se mostra nos seguintes exemplos (elaborados conforme o padrão do português europeu, minha variedade materna; daí a ênclise do pronome átono):

1. «A admoestação dele ajudou-nos a arrependermo-nos/a arrepender-nos/?a arrepender.»

2. «A admoestação dele fez-nos arrependermo-nos/arrepender-nos/?arrepender.»

Sublinhe-se que, tanto em 1 como em 2, o verbo arrepender-se tem pronome reflexo inerente.

No caso do verbo abraçar, usado com se recíproco, também não se aceita a omissão do pronome como mostram os seguintes exemplos:

3. «A admoestação dele ajudou-nos a abraçarmo-nos/*a abraçar.»

4. «A admoestação dele fez-nos abraçarmo-nos/*abraçar.»

Note-se que, a respeito do verbo abordado na pergunta em apreço, ou seja, o verbo sentar, o seu uso pronominal não é obrigatório, como indica o Dicionário Houaiss, que apresenta o pronome se entre parênteses, assim sugerindo que a conjugação pronominal é opcional: «preferiu sentar(-se) na poltrona»; «preferiu sentar(-se) a ficar em pé». Nesta perspetiva, uma frase como «fi-lo sen...