Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sei que já se falou sobre isto, mas infelizmente não consigo encontrar as páginas referentes a isto.

Tenho lido que com as novas tecnologias se pode foneticamente diferenciar as seguintes palavras. Mas no entanto ainda não se encontram nas gramáticas portuguesas. Antigamente foi difícil aceitar que tínhamos 2 semivogais, que se encontram em pai e pau, hoje aceitamos isso e lê-se nas gramáticas; mais tarde foi possível reconhecer mais 2 semivogais mas eram nasais, encontramo-las em mãe e pão, essas 2 ainda não se encontram em todas as gramáticas.

Agora são as seguintes palavras, o /L/ em final de sílaba como:

ál em cálcio vs. al em calcário

él em Bélgica vs. el em saudável

íl em funil vs. il em fértil

ól em golpe vs. ol em Moldávia

úl ...

Resposta:

1. Não se deve às novas tecnologias a identificação de semivogais (orais ou nasais), nem se pode dizer com segurança que, em tempos, era difícil aceitar a existência de semivogais em português. Basta referir que o termo semivogal foi usado pelo filólogo português J. Leite de Vasconcelos, nas suas Lições de Filologia (2.ª edição, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1926, pág. 30). Mesmo em gramáticas escolares publicadas em Portugal, encontra-se este termo, por exemplo, no Compêndio de Gramática Portuguesa de J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira (Porto, Porto Editora, 1976, pág. 156).

2. Quanto ao [ɫ], que ocorre em final de sílaba, trata-se de uma consoante que há muito está descrita por vários investigadores e gramáticos com diferentes termos, em função da perspetiva teórica adotada. No entanto, parece-me que uma classificação acessível ao chamado grande público é a proposta por Celso Cunha e Lindley Cintra, que, na Nova Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 45-47), apresentam essa consoante como uma consoante lateral alveolar velarizada, que soa de modo diferente do [l] que ocorre em começo de sílaba (isto é, em começo ou meio de palavra):

«[...] Na pronúncia normal do português europeu, a consoante l, quando final de sílaba, é velarizada; a sua articulação aproxima-se,pelo recuo da língua, à de um [u] ou [w]. Na transcrição fonética, é costume distinguir este l do l inicial de sílaba, representando-se o último por [l] e a consoante velarizada por [ł]: lado [´laδu], alto [´ałtu], mal [´mał].»1

Em relação ao português brasileiro, os mesmos autores (ibidem) ass...

Pergunta:

Nas frases em que o sujeito é subentendido, como definimos o grupo nominal? Consideramos também subentendido, ou simplesmente não existe?

Ex.: «Dormi bem.»

Resposta:

No caso em apreço, não se define o grupo nominal, porque o sujeito não é realizado por nenhum.

Atenção, que grupo nominal não é o mesmo que sujeito. Na frase apresentada, não existe grupo nominal nenhum, mas na frase seguinte há um grupo nominal que desempenha a função de complemento direto, e não a de sujeito (expressão sublinhada é um grupo nominal):

«Bebi um café

Pergunta:

Existe em francês a palavra eutonologie usada em literatura médica (do gr.: eu; tonos: vigor; logos: ciência). Pretendo conhecer a palavra em português, que não encontrei nos muitos dicionários que consultei. Podem, por favor, ajudar?

Resposta:

Não encontro a palavra registada nem em dicionários gerais nem dicionários especializados. Tendo em conta que o termo francês é constituído por elementos de origem grega e sendo legítima a adaptação dos mesmos aos padrões morfológicos, fonológicos e ortográficos do português, é possível criar o neologismo eutonologia.

Pergunta:

Preciso de saber qual é a importância de sotaques e regionalismos no âmbito de uma pluralização cultural de Portugal. Se vos for mais fácil com exemplos, por mim não têm qualquer tipo de problema.

Já efetuei imensas pesquisas, e neste momento estou completamente confusa. Não consigo chegar a nenhuma conclusão.

Resposta:

A importância de sotaques e regionalismos foi e é apreciável para estudos académicos dedicados à variação linguística, interpretada em função de várias perspetivas teóricas. No entanto, em Portugal, na perspetiva das atitudes associadas à norma  linguística, a verdade é que ainda hoje se considera vulgarmente que o sotaque regional (isto é, exterior ao eixo Coimbra-Lisboa) é sinal de incorreção. Esta visão tem perdurado, se bem que de modo muito inconsciente. Quem assista na televisão a programas humorísticos verá que se associam certos sotaques (por exemplo, o "nortenho", o "alentejano", o "açoriano") a personagens para reforçar o efeito de cómico. Mas é possível que o aparecimento de canais regionais como o Porto Canal, nos quais são mais frequentes variantes estranhas à norma-padrão, permita à população portuguesa adotar uma atitude mais informada e tolerante relativamente às variantes regionais.

Cf. Língua Portuguesa discriminada na Guiné-Bissau

Pergunta:

Biopsia, ou biópsia?

Resposta:

Aceitam-se a duas formas (consultar o Portal da Língua Portuguesa), embora o Dicionário Houaiss observe que biopsia é forma mais correta, mas menos usada.

Situação semelhante acontece com autópsia1, que admite a alternativa autopsia. Esta variação é explicada pelo Dicionário Houaiss, no artigo dedicado à forma não autónoma -ópsia, constituída por elementos de origem grega transmitidos por via erudita (radical -ops- e sufixo -ia):

«pospositivo, como f[orma] var[iante] de -opsia [...], segundo o modelo do gr[ego] autopsía, "ato de ver com os próprios olhos" (do vocabulário místico, de início), pelo fr[ancês] autopsie (que, segundo os puristas, deveria ser sempre autopsie cadavérique, "autópsia cadavérica"), por 1827, donde o port[uguês] autópsia (1836)/autopsia (1871); notar que o étimo gr[ego] preconiza a paroxítona, mas uma vez formada autópsia, esta serviu de base para variação, nem sempre regular, entre -ópsia e -opsia: biópsia, necrópsia, parópsia, sinópsia

1 Já Vasco Botelho do Amaral, no Grande Dicionário das Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958, s. v. autópsia), dizia que autopsia era «acentuação que já não vinga».