Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Verifiquei que formulei mal a pergunta que coloquei anteriormente. As dúvidas são as seguintes:

1. Qual a diferença entre a conjunção coordenativa explicativa pois e a conjunção coordenativa conclusiva pois?

2. Pois pode também ser uma conjunção subordinativa causal?

3. Porque pode ser considerada uma conjunção coordenativa explicativa? Se sim, em que medida é diferente da conjunção subordinativa causal porque?

4. Encontrei uma explicação, segundo a qual a diferença entre uma coordenativa explicativa e uma subordinativa causal estaria no verbo, sendo que, quando este estiver no imperativo, a conjunção será do 1.º tipo (por exemplo: «Fecha a porta, porque faz frio»). Confirmam-no?

Resposta:

1. Leia, por favor, a resposta n.º 24 896.

2. A conjunção pois é classificada quer como conjunção coordenativa explicativa quer como conjunção subordinativa causal.*

3. A conjunção porque pode ter valor explicativo. Sobre o porque causal e o porque explicativo, consultar a resposta n.º 20 955.

4. O teste apresentado é válido, porque o valor explicativo emerge sempre como uma justificação do próprio enunciado: «Fecha a porta, porque faz frio.» = «O motivo de eu ordenar que feches a porta é porque faz frio.» Sobre este assunto, recomendo a leitura de um artigo de Ana Cristina Macário Lopes, no qual se observa que:

«[...] as construções explicativas admit[em], como primeiro membro, um enunciado com uma força ilocutória directiva. Ou seja, pode ocorrer uma frase imperativa no primeiro membro da construção, como se atesta em (24), o que nunca acontece com as causais:

(24) Acorda, porque são horas de ir para a escola! [...]»

* N. E. (10/05/2016) – No contexto do ensino não superior de Portugal, observe-se que o Dicionário Terminológico (DT) só refere pois entre as conjunções coordenativas explicativas. Algo de parecido fazem as seguintes gramáticas escolares: na Gramática Prática de Português, Lisboa Editora, 2011, págs. 270/21, pois é conjunção coordenativa conclusiva e explicativ...

Pergunta:

Tenho visto várias respostas a consulentes em que se afirma que o uso de ele como objeto indireto precedido de preposição é "agramatical" ou francamente "errado".

Sei que em Portugal o "uso" indica as formas sintéticas lhe, te, me em vez das analíticas «a ele/ela», «a mim», «a ti/você», mais comuns no Brasil. A minha primeira dúvida é: desconsiderando-se o "hábito" e atendo-se estritamente aos aspectos lógicos/formais da gramática, o que seria errado no uso das formas analíticas em detrimento das sintéticas?

Além dos casos óbvios, e dada a impossibilidade "técnica" de se enfatizar um pronome átono, como se resolveria em Portugal a ênfase em uma frase como «Disse a mim, não a ele», com a redundância «convidou-me a mim»? E a segunda parte, «não a ele», como ficaria?

A segunda dúvida é: nos exemplos da resposta à pergunta 13 634, diz-se que a frase «E eu lhe darei toda a eternidade» seria correta tanto em PE como em PB, porque «pode ser considerada enfática, pelo uso do pronome pessoal sujeito». Se o pronome pessoal sujeito pode, portanto, ser considerado como atrator de próclise, o que estaria "errado", mais uma vez do ponto de vista estritamente lógico/formal (no sentido de "contrário às regras gramaticais formais", não no de "contrário ao uso em Portugal"), na próclise empregada comummente no Brasil em construções como «Ele me disse» ou «Eu te disse que isso estava errado» ou ainda «Ela me odeia»?

Resposta:

1. A não aceitação das formas «analíticas» em lugar das «sintéticas» (para usar a terminologia do consulente) é uma questão que releva da tradição normativa. Do ponto de vista linguístico (que não se limita à dimensão lógico/formal), as descrições disponíveis revelam que, tanto em português do Brasil como em português europeu, nada impede a ocorrência das formas oblíquas preposicionadas (ou «analíticas») em lugar dos clíticos (ou «formas sintéticas»).

Sobre o problema que levanta em relação ao comportamento dos pronomes com a função de complemento, o que se preceitua em relação ao uso europeu é que, numa frase como a apresentada, o clítico é reforçado pela forma oblíqua uma vez («convidou-me a mim») e, depois, na oração coordenada com elipse, o clítico é omitido juntamente com o verbo ficando apenas a forma oblíqua: «convidou-me a mim, e não a ele» = «convidou-me a mim, e não o convidou a ele».

2. Quanto à segunda pergunta, a verdade é que a ocorrência de pronomes sujeito pode marcar diferentes estruturas, nas duas variedades, relacionando-se não só com a estrutura frásica mas também com a estrutura informacional. Isto significa que há que distinguir entre pronome que marca o sujeito frásico («Eu dar-lhe-ei toda a atenção», em português europeu e também possível em português brasileiro; «eu lhe darei toda a atenção», só em português brasileiro) e tópico frásico («Eu lhe darei toda a atenção» = «quanto a mim, dar-lhe-ei/lhe darei toda a atenção»).

Em relação ao português do Brasil, verifica-se que o clítico tende a ocorrer à esquerda do verbo, ao que parece, independentemente da presença de um pronome sujeito, mesmo em início de frase, como acontece no imperativo («me dá esse livro»; cf. Celso Cunha e Lindley Cintra,

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem quanto à modalidade epistémica, se a há, nos seguintes enunciados:

«Ulisses era grego.»

«Ela tem 15 anos.»

«A caneta está estragada.»

Segundo observei em alguns espaços, estes enunciados são classificados como epistémicos (valor de certeza).

Contudo, segundo o meu entendimento de modalização, estas frases não estão modalizadas, ou seja, não incluem nenhum elemento modalizador, seja verbal, adverbial, adjetival, de pontuação, enfático ou outro.

Por serem frases assertivas, deverão ser consideradas modalizadas?

Por outro lado, aceitaria que se considerassem no domínio da modalidade alética, pois «o locutor refere-se ao valor de verdade das proposições» (citado de uma outra explicação encontrada aqui). Contudo, esta modalidade não é considerada no Dicionário Terminológico! Como fazer então?

Por fim, como classificam enunciados em que se emitem opiniões? Por exemplo:

«Duvido que estejas certo!»

Resposta:

As frases apresentadas na pergunta incluem um elemento modalizador, o próprio modo das formas verbais que nelas ocorrem.

O valor modal dessas frases está associado ao modo indicativo («era», «tem», «está»), mediante o qual o falante exprime a sua certeza relativamente ao conteúdo da frase que produz. Isto significa que a modalidade também se manifesta numa asserção, mesmo que não ocorra outra marca linguística a não ser o modo verbal. Assim, no caso das asserções, o modo indicativo marca o valor modal de certeza, que é um dos valores compreendidos na modalidade epistémica (o outro que é referido pelo Dicionário Terminológico DT — é o de probabilidade), sendo parafraseável por «Tenho a certeza de que Ulisses era grego»/«Ela tem 15 anos»/«A caneta está estragada» (cf. DT, B.6.4. Valor modal, Modalidade; ver também M.ª Olga Azeredo et al., Da Comunicação à Expressão — Gramática Prática de Português, Lisboa, Lisboa Editora, 2011, pp. 311/312, e Cristina Serôdio et al., Nova Gramática Didática de Português, Lisboa, Santillana-Constância, 2011, p. 232).

Quanto à modalidade alética, há de a consulente reparar que a pergunta e a resposta em questão sugerem um contexto universitário, em que se exige um grau de aprofundamento das matérias que o DT, destinado aos ensinos básico e secundário de Portugal, não tem de abranger (muito embora possa lançar pistas para ulterior pesquisa). Além disso, ao que sei, o termo modalidade alética não faz parte dos programas de Português do ensino básico e secundário, pelo que não vejo necessidade de o abordar nas aulas desses níveis. Mas, caso a...

Pergunta:

A norma diz que o quê tónico vem acentuado. Quando é nome ou está em final de frase, é fácil detectar a tonicidade. Mas tenho sempre dúvidas em casos como:

1. «Renúncia: a que renunciamos?» – usa-se que, ou quê?

2. «mas em que pensava eu quando...» (idem)

3. «Em que renúncia me fez pensar o professor?» (idem)

Pesquisei no Ciberdúvidas, mas não encontrei esclarecimento quando em casos como esses.

Resposta:

As sequências corretas são as seguintes:

1. «a que renunciamos...»

2. «mas em que pensava eu...»

3. «em que renúncia...»

Em 1 e 2, que é um pronome interrogativo. A forma tónica correspondente, quê, não pode ocorrer nesses contextos, uma vez que ela se usa só nos casos seguintes (sistematização com base em respostas anteriores e na pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira):

a) no fim de frases interrogativas parciais: «renunciamos a quê?»;

b) no fim de frases interrogativas, seguidas de oração intercalada introdutora da interrogação: «renunciamos a quê, pergunto?»

c) no princípio ou fim de frase sem verbo ou cujo verbo é um infinitivo, desde que quê não seja complemento verbal: «Para quê tanta gritaria?»/«Tanta gritaria para quê?»; «Para quê chorar?»/«Chorar para quê?» (mas só se aceita «pensar em quê» — nunca «em quê pensar» —, porque «em quê» é o complemento oblíquo de pensar).

Relativamente a c), deve assinalar-se, no entanto, que no português do Brasil se usa para que sem acento circunflexo no começo da frase interrogativa com o verbo no infinitivo (atestações retiradadas do Corpus do Português): «[...] o apanhar o leque que escapa da mão que estremeceu, tudo isso.. mas para que divagações ? Que mancebo há aí, de dezesseis anos por diante, que não tenha experimentado esses doces enleios [...]» (Joaquim Manuel de Macedo, A Moreninha, 1844); «É tu...

Pergunta:

Na gramática tradicional, ainda ensinada aos alunos de 8.º e 9.º anos, torna-se difícil encontrar uma explicação cabal para a definição de verbos transitivos indiretos. Nalgumas publicações é dito que são aqueles que são seguidos por complemento indireto, noutras afirma-se que são os que são seguidos de complemento indireto ou outro complemento iniciado por preposição, e noutras, ainda, diz-se que são os que são seguidos de complemento indireto ou complemento circunstancial.

Gostaria que, se possível, me ajudassem nas seguintes dúvidas:

Nas frases «Ele dormiu bem», «Ele dormiu no sofá» e «Entreguei o livro na biblioteca», que tipo de verbo temos? Estará correto dizer que nas duas primeiras é um verbo transitivo indireto e, na última, um verbo transitivo direto e indireto, pois têm à frente um complemento circunstancial?

Resposta:

De acordo com a terminologia mais antiga, conforme a Nomenclatura Gramatical Portuguesa a fixou em 1967, os verbos eram apenas descritos de acordo com duas categorias, a de verbo transitivo e a de verbo intransitivo. O termo «verbo transitivo indireto» parece de uso mais recente, visto fazer parte do Dicionário Terminológico, que o define assim: «v[erbo] principal que selecciona um sujeito e um complemento indirecto ou oblíquo.»

De qualquer forma, nos exemplos apresentados na pergunta não ocorre nenhum verbo transitivo indireto. Em «Ele dormiu bem» e «Ele dormiu no sofá», o verbo dormir é intransitivo, enquanto «bem» e «no sofá» são ambos complementos circunstanciais na terminologia mais antiga ou modificadores na nova terminologia. Quanto a «Entreguei o livro na biblioteca», ocorre na frase um verbo transitivo direto, entregar, que tem por complemento direto o grupo nominal «o livro», e por modificador, o grupo preposicional «na biblioteca».