Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual a grafia correta da capital da Arménia. Numa pesquisa rápida encontrei Ierevan, Ierevã, Erevan, Erevã, Erevão e Yerevan.

Resposta:

Entre as fontes a que se reconhece autoridade na aplicação dos princípios e regras da ortografia, saliento o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), disponível na Infopédia, onde a forma atribuída à capital em apreço é Erevan. Por seu lado, o Código de Redação Interinstitucional, apresentado como «instrumento de referência no domínio da escrita [do português] para todas as instituições e todos os órgãos e organismos da União Europeia», apresenta a grafia Erevã. Em fontes enciclopédicas não tão recentes, usa-se a forma Erivan (cf. s.v. Arménia, Enciclopédia Verbo de Cultura e Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira). Refira-se que infelizmente o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves, que poderia ser uma boa fonte para a identificação de uma forma mais solidamente fundamentada em critérios filológicos, não regista o nome da capital da Arménia.

Assinale-se que, em arménio, o nome desta cidade é representado pela forma Երևան, que corresponde à transcrição fonética [jɛɾɛˈvɑn] (cf. artigo Երևան do Wiktionary), na qual [jɛ] representa a articulação da unidade fonológica /ɛ/ em princípio de palavra, conforme uma regra fonética do arménio, muito embora [jɛ] e [ɛ] se escrevam da mesma maneira, com ե (maiúscula Ե; cf. artigo sobre ե no Wiktionary).1 Esta pronunciação permite explicar que em inglês se tenha imposto a forma Yerevan, que decorre dessa tra...

Pergunta:

A propósito do significado de aceivar, palavra de que andava à procura, cheguei à resposta dada por Carlos Rocha a 19/04/2005. Não sei até que ponto a resposta está completamente certa, apesar de se inserir no léxico agrário, de facto.

Veja-se o excerto do conto «O Pastor Gabriel» de Miguel Torga: «Como os pastos no Verão escasseavam, só havia uma solução: aceivar os nabais à noite, pela calada». Não poderá aceivar ter outro significado ou, pelo menos, outra acepção?

Resposta:

Mantenho o que afirmei há alguns anos: continua a tratar-se do verbo aceibar ou aceivar, mas usado intransitivamente, mantendo o significado de "largar o gado".

No entanto, o verbo aceibar podia ou pode ainda ter outra aceção, a de "entornar" (Revista Lusitana, XV, 345). Contudo, o contexto apresentado pelo consulente não sugere que o verbo ocorra com essa significação.

Pergunta:

«Estratégias de ensino-aprendizagem a nível da informática», ou «Estratégias de ensino-aprendizagem ao nível da informática»?

Os professores adequam recursos a, ou ao, nível informático?

Resposta:

Nas aceções de «no âmbito de», «no domínio de», e seguida de expressão nominal, o uso atestado em Portugal favorece a expressão «ao nível de», pelo que, em princípio, se pode considerar «ao nível da informática» melhor que «a nível da informática». No entanto, não é fácil emitir um parecer sobre este tópico, pelas razões que a seguir exponho.

Deve, em primeiro lugar, assinalar-se que, em certos contextos, o uso destas expressões tem a desaprovação da tradição normativa, quer do Brasil quer de Portugal, países onde se considera tratar-se de formas palavrosas e inúteis de dizer o mesmo que de. Nesta perspetiva, considera-se que «uma reunião a nível do parlamento» é expressão substituível por «uma reunião parlamentar», muito mais económica. Observe-se, porém, que nem sempre a rejeição de «a/ao nível de» se justifica pelos mesmos motivos, consoante a crítica provenha do Brasil ou de Portugal.

A respeito do uso brasileiro, Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003, s. v. nível) faz o seguinte comentário:

«1. A expressão a nível de tem sido muito usada como equivalente dos simples de, como, em, e esse uso vem sendo condenado nas lições normativas. Na verdade, nesses casos, ela não acrescenta nada ao enunciado. Avalie-se a inconveniência que haveria se se substituíssem, nas frases seguintes, de, como e no pela expressão a nível de. O único inconveniente seria a presença do sócio minoritário nas reuniões de diretoria. [...] Terá ela essa coragem? Posso desejá-la, como romancista. Mas, como cristão, peço a  Deus que ela não a tenha. [...] É sabido que o fenômeno urbano se ma...

Pergunta:

Em alguns países da Europa é comum ver valores monetários cuja parte decimal é zero serem escritos com um traço na parte decimal. Por exemplo, em vez de 5 € ou 5,00 €, temos 5,- €.

Esta notação é admissível em Portugal?

Resposta:

A notação em referência não é usada em Portugal. Não se trata de uma questão de ser ou não admissível, simplesmente não tem sido usada.

Pergunta:

À prezada equipe do Ciberdúvidas, minhas cordiais saudações!

Gostava de que me auxiliassem nesta pesquisa: qual a relação entre os vocábulos restaurar/restauração e reformar/reforma? Podem ser palavras sinônimas? (Suas etimologias podem esclarecer algo?) Quais as semelhanças ou diferenças semânticas nessas palavras? Pode-se dizer que «Houve uma reforma religiosa no séc. XVI promovida pelo protestantismo» ou «Houve uma restauração religiosa no séc. XVI promovida pelo protestantismo»? Qual termo será mais bem empregado? Em que casos poderiam ser sinônimos?

Resposta:

Usa-se reforma para referir mudanças na estrutura ou no funcionamento de uma instituição (por exemplo, a Igreja, os diferentes organismos do Estado, as regras da atividade económica) — mesmo que tal tenha tido o intuito de restaurar ou restituir certos procedimentos que se acredita serem bons e terem sido correntes no passado. No plano religioso, a palavra reforma tem sentido próprio: «restabelecimento da disciplina, numa ordem religiosa» (Dicionário Houaiss). Em relação ao protestantismo, fala-se mesmo em Reforma, com maiúscula inicial para evidenciar a importância histórica desse movimento religioso.

Quanto ao termo restauração, não costuma aplicar-se a situações de reforma religiosa, mas, sim, segundo o Dicionário Houaiss, ao «restabelecimento de uma situação histórica (regime político etc.) que ocorreu anteriormente» e ao «ato de reaver a independência ou a nacionalidade perdida» (por exemplo, no caso de Portugal, a Restauração de 1640).