Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Aprendi com a D. Rosalina, minha professora primária, sobre as expedições de Capelo e Ivens. E aprendi, na altura, a pronunciar Ivens à portuguesa, i. e., [íveins]. E sempre o ouvi assim pronunciado, fosse em referência ao próprio, fosse em referência ao navio de guerra com o seu nome, fosse a uma das ruas por esse país fora.

Há alguns anos, talvez na volta dos anos 80 para os 90, comecei a ouvir Ivens com a pronúncia inglesa [aivenc]. Devo dizer que este modo de pronunciar desde a primeira vez me provocou e provoca urticária.

Hoje ouvi-o de novo e resolvi procurar. Neste sítio, a pronúncia é à portuguesa (com sotaque brasileiro). No Ciberdúvidas, apontam, numa resposta de 1999, a pronúncia inglesa como correcta.

Em que ficamos? Os argumentos utilizados na resposta do Ciberdúvidas não me convencem, até porque são desmentidos na mesma resposta, agora sobre a pronúncia de Garrett.

Ivens era filho de inglês mas era português. Mas se confirmam [aivenc], então porque não [garrê]?

Resposta:

O apelido Ivens é de origem inglesa, pelo que a pronúncia com ditongo "ai" é legítima, como legítimo é o aportuguesamento com vogal simples ("ivens").

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Português, afirma que o apelido (sobrenome) Ivens tem origem inglesa:

«Do ingl. Ivens tendo entrado em port. pelos Açores. Creio que o primeiro dos nossos compatriotas a usá-lo foi o explorador Roberto Ivens (1850-1898), natural da ilha de S. Miguel, filho de pai ingl. e de mãe port. Patron. ingl. do fr. Yvon, Yves, entrado por via normanda. [...]»

A pronúncia original deste apelido é, portanto, inglesa — o que não significa que não se possa aportuguesar. Vasco Botelho do Amaral teve ocasião de se pronunciar sobre este mesmo nome no Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Pátrio:

«Os apelidos estrangeiros podem e, em muitos casos, devem ser proferidos com a fonética da língua donde vieram, porque os apelidos são como que uma propriedade com direitos de origem.

«No caso da rua de Lisboa, a maior parte das pessoas cultas não podem rir-se dos incultos que pronunciam ivens, porque há muito boa gente instruída que diz áivens. Ora a pronúncia exacta ou modelar é áiveneze, com tónica do ái, silaba va com o a fechado, o ne com e surdo e ze final, e não ens, como lêem certos indivíduos cultos.»

Parece-me, portanto, que Vasco Botelho do Amaral não condena a pronúncia ditongada à inglesa nem o aportuguesamento "ivens"; o que ele censura é a pronúncia imperfeita da sequência -vens do apelido, que não deveria ter ditongo nasal ("aivães" ou "aivẽis"...

Pergunta:

Podemos considerar fruto como fazendo parte da área vocabular de flor?

Resposta:

Já aqui se disse que área vocabular é um termo ambíguo, que tanto pode significar campo lexical (ou semântico)1 como família de palavras. Deste modo, se  entendermos área vocabular como sinónimo de família de palavras, diremos que fruto não se associa com flor, porque estes vocábulos não se relacionam nem morfológica nem etimologicamente: flor não é base de derivação de fruto, nem existe um étimo2 que lhes seja comum. Se o termo em questão for o mesmo que campo lexical, então, sim, pode-se dizer que fruto e flor se relacionam, porque estão associados a um mesmo conceito ou noção, neste caso, «planta».

1 Certas propostas não fazem distinção entre campo lexical e campo semântico. O Dicionário Terminológico, concebido para acompanhar o ensino da gramática no ensino básico e secundário em Portugal, põe estes termos em correspondência com conceitos diferentes: campo lexical é um «conjunto de palavras associadas, pelo seu significado, a um determinado domínio conceptual» (p. ex., «"jogador", "árbitro", "bola", "baliza", "equipa", "estádio" fazem parte do campo lexical de "futebol"», ibidem) e campo semântico, um «conjunto dos signifi...

Pergunta:

Qual é a forma correcta: «em Canidelo», ou «no Canidelo»?

Resposta:

«Em Canidelo.»

Oficialmente, o topónimo Canidelo, que é nome de duas freguesias no Norte de Portugal (uma no concelho de Vila Nova de Gaia, e outra no de Vila do Conde), usa-se sem artigo, como mostram os seguintes exemplos retirados das páginas dos sites das respetivas câmaras:

1. «Nos nossos dias, Canidelo já não é um manto de retalhos, constituída por vários lugares, mas um serpenteado de ruas, ruelas e ilhas, tudo ligado já sem um cunho próprio» (em http://www.canidelo.net/toponimia.htm, consulta em 28/04/2012).

2. «A referência mais antiga que se conhece à freguesia de S. Pedro de Canidelo é a das Inquirições de D. Afonso III, 1258» (em http://www.freg-canidelo.com/index.php?option=com_content&task=view&id=15&Itemid=34, consulta em 28/04/2012).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem do topónimo Aveneira. É um topónimo algo comum, mas não consigo encontrar uma fonte fiável da origem do mesmo. Já o vi associado a avelã e a aveia. Qual o mais correcto?

Resposta:

O topónimo Aveneira deve estar relacionado com avelã, e não com aveia. A sequência ou radical aven- é comum a Avenal, que José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) localiza nos concelhos de Alenquer, Cadaval, Caldas da Rainha, Condeixa-a-Nova, Oliveira de Azeméis e faz remontar a Avelanal.

Terão também a mesma etimologia Avenosa e Avenoso, que o referido etimólogo também regista (idem) e liga a Avioso, «do ant. Auenoso [...] este de *Avenaloso", remetendo esta explicação para J. Leite Vasconcelos. Este, sobre o assunto, diz o seguinte (Opúsculos, vol. III):

«[...] Avenalaria é metátese de Avelanaria, assim como Avenoso está por *Avenaloso, que se tornou Avẽloso: de Avẽloso veio Avenoso, como de ẽlo veio eno [no na língua moderna] na língua arcaica. Do mesmo modo se há-de explicar Avenal e Aveneda na toponímia moderna. Avenal está por Avelanal>*Avenalal>Avẽlal; o mais natural seria termos aqui o sufixo -ar [...], mas também há Avelar a par de Avelal. Como Avenal se produziu Aveneda

Sendo assim, proponho que Aveneira remonte a Avelaneira, mediante *Avenaleira, *Avẽleira, da qual procede a forma em questão, Aveneira.

Assinale-se que estes topónimos com radical ave...

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem se é correta a inserção do que na seguinte frase: «Desde o ano passado (que) tem havido aqui muitos problemas.»

Se é correta, como classificar este que? Não pode ser conjunção, uma vez que não há duas orações, e também não é pronome.

Resposta:

Trata-se do chamado "que excessivo". Sobre este assunto, já existem várias respostas (ver Textos Relacionados: Que excessivo em «faz dois anos que»).