Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sempre que faço referência a um conjunto de sítios de Internet consultados para desenvolver determinado trabalho, os meus formandos (e alguns formadores) insistem na designação "webgrafia". Eu evito usar a palavra por ter dúvidas quanto à sua correção e aplicabilidade e, consultando o Portal da Língua Portuguesa, ela não aparece. Existe mesmo esta palavra? Devo usá-la?

Obrigada.

Resposta:

A forma webgrafia encontra alguns problemas. Há cerca de seis anos, defendeu-se no Ciberdúvidas formas como webibliografia, mas com bastantes reservas. No entanto, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia) regista webgrafia, com o significado de «lista de sítios e recursos disponíveis na internet para pesquisa de informação sobre um determinado tema ou assunto». Além disso, a palavra está cada vez mais em uso.

Mesmo assim, pode objetar-se que ela se vê afetada pela sua incoerência morfológica, tendo em conta os elementos e os padrões tradicionais de formação de palavras em português, porque associa uma palavra inglesa, de origem germânica, a uma forma culta que inclui um elemento grego (-graf- do grego graphê, ês, «escrita, escrito, convenção, documento, descrição», Dicionário Houaiss). Acontece que a tradição gramatical do português considera inaceitáveis estes compostos. Além disso, a palavra é também incoerente do ponto de vista ortográfico porque apresenta uma sequência que, além de não constituir um nome próprio, é característica da ortografia do inglês, e não do português.

Em suma, é uma forma cuja frequência de uso tem aumentado, mas que, dados os problemas apontados, pode encontrar resistências em certos meios. Não podemos por enquanto recomendá-la. Em seu lugar, use-se bibliografia, conforme se justifica em resposta anterior.

Pergunta:

Agradeço informação sobre origem etimológica e significado concreto de «crime passional».

Muito obrigado.

Resposta:

É possível que a expressão «crime passional», ou seja, a própria associação de crime e passional para designar «[o crime] o que é motivado por paixão amorosa» (Dicionário Houaiss) seja um decalque do francês «crime passionel». Contudo, não disponho de fontes que confirmem tal origem francesa.

Quanto à origem de crime e passional, trata-se de palavras de origem latina:

crime – «fr. crime (c1165), "falta grave moral ou legal", do lat. crimen, inis a princípio, "acusação", em seguida "conduta de que alguém é acusado, acusação, injúria", por fim "crime, delito, falta", conexo com uma série de voc. gregos que expressam a ideia de "separar, discriminar, julgar", como o v. krínó, "distinguir, decidir, julgar", os subst. krísis, "ação decisiva de discriminação, etapa crucial, decisão", kritês, "juiz, árbitro", krîma, "julgamento, decisão judiciária"»;

passional – «lat. passionalis, e, "suscetível de dor; suscetível de paixões; que move a paixão, patético", do lat. passio, onis, "paixão, passividade, sofrimento, perturbação moral"».

Pergunta:

Na frase «Vivo num apartamento mesmo tendo um cão e um gato», poderá a palavra mesmo ser considerada uma conjunção subordinativa concessiva?

Obrigado.

Resposta:

Não é geralmente classificado como conjunção, mas atribui-se-lhe função equivalente em contextos como o apresentado.

O Dicionário Houaiss, a propósito do valor concessivo de mesmo, diz o seguinte:

«Informalmente, mesmo adquire valor concessivo (freq. seguido de com, assim, que, como nas locuções anteriormente apresentadas); tem substituído a conjunção concessiva: mesmo estudando muito, terá de fazer aperfeiçoamento após a graduação

Pergunta:

É correto dizer «muita menos gente», ou «muito menos gente»?

Obrigado.

Resposta:

A forma correta é «muito menos», mesmo quando menos acompanha um substantivo. Na língua falada, é possível ouvir "muita" em lugar de muito, sobretudo quando o advérbio modifica adjetivos: «uma praia "muita" grande». É um uso que a norma não aceita.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe alguma regra específica para citações bíblicas no meio de um texto. Ex.: «Quantos de nós nos revemos neste episódio: "E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?" (Mateus 14:31)», ou «Quantos de nós nos revemos neste episódio: "E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?" , Mateus 14:31». Coloco o livro, capítulo e versículo entre parênteses, ou não? Grato pela vossa ajuda.

Resposta:

Não conheço regras estritas sobre o uso de parênteses no caso que apresenta. Os parênteses podem usar-se ou não – o que importa é manter o mesmo critério ao longo de um trabalho (artigo ou monografia).

Por exemplo, verifico que na obra de Bento XVI Jesus de Nazaré (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2007) se usam parênteses com as referências do livro, do capítulo e do(s) versículo(s) donde a citação provém; p. ex. (idem, p. 222; Mt = «Evangelho de São Mateus», 9 = «capítulo 9», 38= «versículo 38»):

«É daqui que se deve partir para compreender a palavra de Jesus: "Rogai ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe" (Mt 9, 38).»

Mas não encontro fonte na qual se considere condenável apresentar a citação assim:

«É daqui que se deve partir para compreender a palavra de Jesus: "Rogai ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe" Mt 9, 38.»

Repito: deve-se sempre definir um critério e aplicá-lo com coerência a todas as citações feitas ao longo do mesmo trabalho.

Cf. As línguas da Bíblia