Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como constatarão, com facilidade, o meu sobrenome é Landeiroto. Podem ajudar-me, fornecendo-me algumas "pistas" sobre a origem do nome? Sei que os mais antigos que conheço são da zona de Viseu. 

Obrigado.

Resposta:

Este apelido (no Brasil, sobrenome) parece ter origem numa alcunha (no Brasil, apelido) que é um diminutivo (cf. perdigoto, de perdiz) de outro nome próprio, Landeiro (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Este ocorre em Portugal quer como topónimo (em Albergaria-a-Velha, Barcelos, Cinfães, Vila Nova de Famalicão), quer como apelido derivado de antiga alcunha (idem), que, por sua vez, pode ter origem no referido topónimo ou provir diretamente de landeiro, forma classificável como adjetivo, na aceção de «([próprio] do carvalho e outras árvores produtivas de landes», ou como substantivo, com os significados de «negociante de landes, isto é, bolotas» (idem) ou «árvore que produz landes» (ver Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora na Infopédia).

Pergunta:

Qual a diferença entre nasalidade e nasalização?

Resposta:

Nasalidade é genericamente a característica do que é nasal. Usa-se também como termo de fonética para designar «característica do som em cuja composição existe um formante proveniente da vibração do ar contido nas cavidades nasais» (Dicionário Houaiss).

A nasalização é «ato ou efeito de nasalizar» (ou nasalar, donde nasalação), mas também se usa em fonética ou como sinónimo de nasalidade ou como o mesmo que «ato de pronunciar um som com ressonância nasal», e, neste caso, pode ser substituído por nasalação (idem).

O Dicionário de Termos Linguísticos (Lisboa, Edições Cosmos, 1990-1992, versão em linha no Portal da Língua) regista nasalização como termo especializado das ciências da linguagem, em duas aceções (mantém-se ortografia original):

(i) «Distúrbio que pode ser encontrado quer em crianças quer em adultos. Nas crianças é geralmente causado por uma inflamação nas adenóides ou nas amígdalas, enquanto nos adultos, a causa usual é um acidente vascular-cerebral, traumatismo ou uma doença progressiva que produz elementos de disartria. O objectivo da terapia é encontrar uma forma para que o paciente possa usar o palato mole, que se tornou imóvel por uma destas razões.»

(ii) «Evolução de um segmento vocálico [-nas] para [+nas], em contextos de consoante nasal. é um caso particular de assimilação.»*

* Por [-nas] entenda-se «sem nasalidade», e por [+nas], «com nasalidade».

Pergunta:

Qual a origem do nome Aldeia Galega, tendo em conta que não é a única terra portuguesa com este nome?

Resposta:

Transcrevo o que diz José Pedro Machado no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Confluência/Livros Horizonte, 2003; manteve-se a ortografia original):

«Ant[igo] nome da actual Montijo, no distrito de Setúbal. Em Espanha há Aldeagallega (Salamanca). No nome está alusão à proveniência dos antigos fundadores [ou] colonizadores do local. Em 1370: "... morador na aldeia galega Ribatejo" [...].»

Pelo menos aparentemente, trata-se, portanto, de localidades povoadas por gente da Galiza, embora, em Portugal, a sul do Mondego, como é o caso da antiga Aldeia Galega do Ribatejo, não seja de excluir que por galego se entenda um habitante do Norte de Portugal ou alguém vindo de além-Pirenéus (sobre galegos na Estremadura portuguesa, leia-se Manuela Santos Silva, "Galegos e minhotos à conquista do litoral do centro de Portugal", em Carlos Alberto Ferreira de Almeida in memoriam, Volume II, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999, pp. 397-407). Refira-se ainda que atualmente subsistem duas localidades com este nome, ambas no distrito de Lisboa, mais concretamente no concelho de Sintra (Aldeia Galega, na freguesia de S. João das Lampas) e no de Alenquer (Aldeia Galega da Merceana).

Pergunta:

Recentemente deparei-me com um problema em traduzir um conceito do inglês para o português. Curiosamente, o problema está na selecção de um (ou mais) vocábulo português adequado. A palavra inglesa em questão é: auto-capitalization. O significado é a transformação automática de uma letra minúscula para maiúscula (por exemplo: antecede à letra um ponto final, e o dispositivo, identificando esta situação, colocará automaticamente essa letra em maiúsculo).

Expresso desde já os meus agradecimentos.

Resposta:

A simples transposição do termo inglês para o português é possível (está atestada na Internet), mas é discutível, porque o verbo capitalizar e o substantivo capitalização estão dicionarizados habitualmente como palavras que remetem para o domínio financeiro, e não para o gráfico.

Apesar disso, encontra-se dicionarizado o verbo maiusculizar (Dicionário Houaiss e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), bem como o substantivo maiusculização (Dicionário Houaiss), que se relacionam com maiúscula por derivação, palavra que é justamente o equivalente do inglês capital, quando usado em relação a caligrafia ou artes gráficas (como abreviação de capital letter).

Sendo assim, sem perder de vista o modelo de auto-capitalization, poderia propor-se "autocapitalização". Contudo, dado o facto de auto- ser usado em português como prefixo que denota reflexividade («a si próprio»), noção que não é precisamente a de auto- na palavra inglesa (em alusão a automatic, «automático»), parece-me mais adequado formar uma expressão analítica: «maiusculização automática».

Pergunta:

Procurei o gentílico para os habitantes da minha freguesia, Aldeia Viçosa, no concelho da Guarda, e não encontrei nenhuma resposta. Assim, peço a vossa ajuda para o meu raciocínio.

1.º Não poderá haver um gentílico com base na etimologia, nem nas raízes históricas, uma vez que esta aldeia se chama: Aldeia de Santa Maria de Porco, mais tarde Porco. Foi na primeira metade do séc. XX que o presidente da Junta alterou o topónimo para o atual Aldeia Viçosa.

2.º A um habitante de Vila Viçosa, dá-se o nome de vilaçosense.

Assim, por analogia, poderíamos atribuir o gentílico de "aldeiaçosense" a alguém de Aldeia Viçosa. Ou "aldeiaviçosense"?

Obrigado.

Resposta:

Tem sentido o que propõe o consulente, mas eu sugeriria aldeia-viçosense (forma não atestada), pelas seguintes razões:

– assim como os gentílicos de topónimos que incluem o substantivo vila se formam com essa designação toponímica seguida de hífen (Vila Real > vila-realense; cf. Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, 1947, pág. 216), também neste caso se pode empregar aldeia com hífen, donde aldeia-viçosense;

– em alternativa, poderia pensar-se na forma aldeviçosense, tendo em conta que existem (ou existiam) alguns topónimos que incluem aldeia e que veem (ou viam) reduzida esta palavra a alde- quando se trata da formação de gentílicos: é o caso de aldenovense de Aldeia Nova (Serpa) e de aldegaleguense, de Aldeia Galega (hoje Montijo), gentílicos que podem, no entanto, já não corresponder a um processo ativo na língua atual (encontro-os em I. Xavier Fernandes, Topónimos e Gentílicos, Porto, Editora Educação Nacional, 1941, págs. 204);

– o Dicionário Houaiss (2001) regista vilaçosense, mas é preciso assinalar que o Dicionário de Topónimos e Gentílicos do Portal da Língua consigna a forma hifenizada – vila-viçosense –, a par de outras, a saber, calipolense e vilaçorano (tal como faz o Dicionário Houaiss, mas certamente por engano, em vez de vilaçosano; cf. Xavier Fernandes, op. cit., pág. 241);...