Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Procurei o gentílico para os habitantes da minha freguesia, Aldeia Viçosa, no concelho da Guarda, e não encontrei nenhuma resposta. Assim, peço a vossa ajuda para o meu raciocínio.

1.º Não poderá haver um gentílico com base na etimologia, nem nas raízes históricas, uma vez que esta aldeia se chama: Aldeia de Santa Maria de Porco, mais tarde Porco. Foi na primeira metade do séc. XX que o presidente da Junta alterou o topónimo para o atual Aldeia Viçosa.

2.º A um habitante de Vila Viçosa, dá-se o nome de vilaçosense.

Assim, por analogia, poderíamos atribuir o gentílico de "aldeiaçosense" a alguém de Aldeia Viçosa. Ou "aldeiaviçosense"?

Obrigado.

Resposta:

Tem sentido o que propõe o consulente, mas eu sugeriria aldeia-viçosense (forma não atestada), pelas seguintes razões:

– assim como os gentílicos de topónimos que incluem o substantivo vila se formam com essa designação toponímica seguida de hífen (Vila Real > vila-realense; cf. Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, 1947, pág. 216), também neste caso se pode empregar aldeia com hífen, donde aldeia-viçosense;

– em alternativa, poderia pensar-se na forma aldeviçosense, tendo em conta que existem (ou existiam) alguns topónimos que incluem aldeia e que veem (ou viam) reduzida esta palavra a alde- quando se trata da formação de gentílicos: é o caso de aldenovense de Aldeia Nova (Serpa) e de aldegaleguense, de Aldeia Galega (hoje Montijo), gentílicos que podem, no entanto, já não corresponder a um processo ativo na língua atual (encontro-os em I. Xavier Fernandes, Topónimos e Gentílicos, Porto, Editora Educação Nacional, 1941, págs. 204);

– o Dicionário Houaiss (2001) regista vilaçosense, mas é preciso assinalar que o Dicionário de Topónimos e Gentílicos do Portal da Língua consigna a forma hifenizada – vila-viçosense –, a par de outras, a saber, calipolense e vilaçorano (tal como faz o Dicionário Houaiss, mas certamente por engano, em vez de vilaçosano; cf. Xavier Fernandes, op. cit., pág. 241);...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem do apelido Cidade. Obrigada.

Resposta:

José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), baseando-se em Leite de Vasconcelos, Antroponímia Lusitana, 1928, pág. 173, considera que este apelido tem origem na conversão do substantivo comum cidade em alcunha:

«Indicaria indivíduo que num pequeno povoado era originário da cidade ou [...] para distinguir entre duas pessoas com o mesmo nome a que veio ou vive em cidade.»

Machado também relaciona este apelido com o Alentejo, observando que é usado por famílias oriundas desta região e que S. João de Deus (1495-1550), nascido em Montemor-o-Novo, se chamava João Cidade na vida secular.¹ Todavia, não exclui a possibilidade de o apelido ter surgido paralelamente noutras regiões, mesmo fora de Portugal, como acontece com uma atestação do século XIV, referente ao galego «Martim Lopes Çidade» (idem). Não obstante, a Cartografia dos Apelidos de Galicia não inclui nenhuma ocorrência de Cidade, a não ser que se pense numa eventual castelhanização como Ciudad, apelido hoje existente na Galiza, mas com muito pouca implantação (apenas 17 ocorrências no concelho da Corunha).

¹ Outro ilustre alentejano com o mesmo apelido foi o professor universitário, ensaísta, historiador e crítico literário Hernâni Cidade (1887-1975).

Pergunta:

Desde sempre ouvi a expressão popular «andar à maluta com» com o significado de «brigar», entrar em conflito com algo ou alguém. Eu próprio me habituei a usá-la com alguma frequência. No entanto, não encontro a palavra maluta em nenhum dicionário de português e sou levado a pensar que se trata de alguma confusão ou equívoco da minha parte, que se foi enraizando.

O mesmo acontece com a expressão «às pijelhas», ou «pigelhas», não sei. Com o significado de fazer «às prestações», «a pouco e pouco».

Será que me podem esclarecer sobre estas duas expressões?

Obrigado.

Resposta:

Maluta significa o mesmo que luta (cf. Cândido de Figueiredo, Novo Diccionario da Lingua Portuguesa, 1913, disponível no Dicionário Aberto), portanto, «andar à maluta» é efetivamente o mesmo que «brigar», «andar à bulha», «zaragatear» ou «andar à zaragata» (ver também o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e o Dicionário de Falares das Beiras, de Vítor Fernando Barros).

Não encontro fontes dicionarísticas que atestem a expressão «às pigelhas», sobre cuja ortografia também não posso pronunciar-me justamente por não dispor sequer de elementos sobre a sua etimologia. Seja como for, fica aqui o registo desta pitoresca locução.

Pergunta:

Qual o processo de formação de pontiagudo e abrilhantar?

Resposta:

Pontiagudo: as opiniões dividem-se, porque há quem considere que é um composto morfológico (ponta + i + agudo; cf. Dicionário Houaiss), enquanto, para outros, a palavra já não é analisável, podendo ser tratada como palavra simples (cf. M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 980).

Abrilhantar: é uma palavra derivada por parassíntese (a + brilhante + ar; cf. aterrar < a + terra + ar).

Pergunta:

Lembro-me de que, certa vez, ouvi um de meus professores comentar que substantivos abstratos, ao serem flexionados no plural, se tornam concretos.

Faz sentido sua afirmação? 

Obrigado.

Resposta:

A pluralização de substantivos abstratos não tem por resultado sistemático a associação de traços semânticos concretos.¹ Há casos em que, na verdade, o substantivo muda de significação e se torna menos abstrato ou mesmo concreto na passagem ao plural: fala-se da beleza (abstrato) de um quadro, mas usa-se belezas (concreto) no sentido de «pessoas/coisas/lugares que têm beleza» (daí «belezas naturais»). Contudo, outros substantivos há em que tal não ocorre, mantendo-se o valor abstrato no plural: por exemplo, ciúmes, o plural de ciúme, não perde a interpretação abstrata que tem no singular, o mesmo acontecendo com o plural de saudade, saudades.

Maria Helena de Moura Neves, em Gramática de Usos do Português (São Paulo: Editora Unesp, 2000, pág. 84-85), apresenta vários exemplos de substantivos classificáveis como abstratos que não se tornam concretos no plural, entre os quais se cita aqui o seguinte:

1) «Não vá causar ciúmes ao artista.» = «Não vá causar ciúme ao artista.»

A este exemplo, proponho juntar este outro:

2) «Recordo a minha terra com saudades.» = «Recordo a minha terra com saudade.»

Embora Moura Neves não se refira especificamente às categorias concreto/abstrato, que não fazem parte do seu quadro de análise¹, mas, sim, à oposição contável/não-contável, é importante registar o que ela afirma acerca dos substantivos não-contáveis, entre os quais se incluem muitos dos tradicionalmente chamados abstratos (idem; negrito no original):

«[Nos referidos] casos, por exemplo, os substantivos no plural são não-contáveis porque a forma singular pode ser usada sem oposição semânt...