O substantivo e adjetivo roxo, geralmente designação da cor «tirante a rubro e violáceo» (Cândido de Figueiredo, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1913), já foi sinónimo de vermelho ou encarnado – e, de facto, ainda hoje há dicionários que registam roxo com esse significado, embora assinalando tratar-se de um arcaísmo semântico. Refira-se, por exemplo, que o mar atualmente denominado como mar Vermelho era chamado, no século XVI, mar Roxo, uso que a obra de João de Barros (c. 1496-1570) atesta (Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira):
«Espedidas estas pessoas e postas as cousas do governo de Goa em estado seguro, e o mais que convinha pera guarda das outras fortalezas da costa da Índia, como Afonso de Albuquerque tinha já apercebido as vinte velas da frota, em que esperava ir ao mar Roxo, foi-se embarcar na barra de Goa [...]» (João de Barros, Décadas da Ásia – Década Segunda I-X).
Em Camões (c. 1524-1580) encontramos roxo como sinónimo de vermelho, por exemplo, na expressão «roxo sangue», embora a respeito desta não seja de excluir certa intenção literária, podendo tratar-se de um emprego não representativo do português mais corrente de Quinhentos (ver mais abaixo comentário de Bluteau):
«Tanto que estas palavras acabou
O Mouro, nos tais casos sábio e velho,
Os braços pelo colo lhe lançou,
Agradecendo muito o tal conselho;
E logo nesse instante concertou
Pera a guerra o belígero aparelho,
Pera que ao Português se lhe tornasse
Em roxo sangue a água que buscasse.»
(Os Lusíadas, canto I, est. 82)
E ocorre também a expressão «roxo fruto» em referência ao cravinho ou cravo-da-índia, que é o botão da flor do craveiro-da-índia, a qual tem cor avermelhada (cf. Dicionário Houaiss, s.v. craveiro-da-índia):
Olha cá pelos mares do Oriente
As infinitas Ilhas espalhadas:
Vê Tidore e Ternate, co fervente
Cume, que lança as flamas ondeadas.
As árvores verás do cravo ardente,
Co sangue Português inda compradas.
[...]
«Olha de Banda as Ilhas, que se esmaltam
Da vária cor que pinta o roxo fruto; [...]»
(Os Lusíadas, canto X, est. 132-133)
Na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (1510?-1583), é plausível que roxo seja sinónimo de vermelho em todas as suas ocorrências ou parte delas na obra em apreço:
«As mesas estauão cubertas com pãnos de damasco roxo, cõ franjas & rendas douro muyto bem concertadas, somente a mesa do Chaem, por ser de prata, estaua descuberta, & não tinha mais que hua almofada pequena de brocado, em que estaua hum escritoriozinho redondo que tinha o tinteyro & a poeyra» (Fernão Mendes Pinto, Peregrinação, 1614).
Estas e outras ocorrências parecem apresentar, contudo, a dificuldade de não se poder afirmar com toda a segurança que a cor referida por Fernão Mendes Pinto seja de facto o vermelho, dada a polissemia de roxo. No século XVI, não se afigura que este termo fosse mais usado que vermelho, porquanto no Dictionarium Latino-Lusitanicum, de Jerónimo Cardoso (c. 1510-1569), se define o latim ruber, rubra, rubrum como «cousa vermelha», o que sugere que vermelho era a palavra mais acessível para denominar a cor em questão. Não obstante, observe-se que roxo, «vermelho», continuaria a ter algum uso no primeiro quartel do século XVIII, mas, ao que se sabe, sempre um tanto marginal em relação ao seu significado mais saliente, que é o da atualidade, conforme se conclui da leitura do verbete que Raphael Bluteau lhe dedicou no Vocabulário Portuguez e Latino, publicado entre 1712 e 1728 (mantêm-se a ortografia e a pontuação originais):
«[...] [P]ara tirar toda a equivocação na cor Roxa, digo, que Roxo he cor de violetas ordinarias, & esta se parece com çumo de amoras maduras , que he a razão , porque em Castelhano Morado he o mesmo que Roxo [...] A´s vezes se toma no idioma Portuguez como em Castelhano , por vermelho,, purpureo Rosado, &c. particolarmentre em verso, do que temos em Camões muytos exemplos [...]. Roxos outras vezes, val o mesmo que Louro, amarello, dourado. Neste sentido chama Camões a Apollo Roxo e em outro logar à Aurora Roxa [...]. Roxo, tambem à imitação do Castelhano, entre nòs val o mesmo que Ruivo, & assim chamamos ao famoso Pirata q[ue] tinha barbas ruyvas, Barbaroxa [...].»
Em suma, não é descabido supor que o «damasco roxo» de Fernão Mendes Pinto seja o mesmo que «damasco vermelho», mas subsistem dúvidas que decorrem da polissemia da palavra roxo.
Por último, confirme-se que roxo é cognato do castelhano rojo, isto é, nas duas línguas estas palavras têm um étimo comum, o latim russĕus, a, um, «vermelho escuro» (cf. rojo em J. Corominas e J. A. Pascual, Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico – Edición Electrónica, 2012). Observe-se, porém, que o francês rouge, como o catalão roig, não têm exatamente a mesma origem: na verdade, remontam ao latim rubĕus, o qual deu ruivo em português e rubio em castelhano (idem). Refira-se, já agora, que o italiano rosso deriva de outra forma também latina, russus, «avermelhado», enquanto o romeno roşu, apesar de alguma semelhança fónica, talvez se relacione com o latim rosĕus. Enfim, trata-se de palavras que se assemelham foneticamente, mas sem um parentesco direto.