Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a formulação certa: «cada vez que (...)», ou «de cada vez que (...)»?

Resposta:

As duas expressões estão corretas e não há diferença semântica entre elas.

Sobre «cada vez que» não há dúvidas, porque intuitivamente se chega à conclusão de que esta é forma mais frequente da construção. Mas a variante «de cada vez que...» também é legítima, podendo documentar-se em textos de escritores portugueses do século XIX (cf. Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira):

«Se visses o sobressalto com que mando à caixa da porta de cada vez que nela arranha a mão do entregador!» (Ramalho Ortigão, Cartas a Emília, 1888).

Pergunta:

Qual o processo de formação da palavra oligofrénico? Derivação por sufixação?

Resposta:

Efetivamente, trata-se de uma palavra derivada por sufixação: oligofren- + -ico (sufixo sem acento próprio e, por isso, o acento da palavra recua, tonando-a esdrúxula). Note-se que a base de derivação de oligofrénico é oligofren-, radical de oligofrenia, «deficiência do desenvolvimento mental, congênita ou adquirida em idade precoce, que abrange toda a personalidade, comprometendo sobretudo o comportamento intelectual» (Dicionário Houaiss). Oligofrénico significa, portanto, «respeitante a oligofrenia» ou «que ou aquele que sofre de oligofrenia» (idem).

Pergunta:

Qual é a tradução da palavra hebraica ruah e da grega pneúma?

Obrigado.

Resposta:

A palavra grega peûma, -atos, significa «sopro, vento, ar», «sopro divino, espírito» e «Espírito Santo». Foi adaptada ao português como pneuma, substantivo masculino que ocorre como termo especializado da filosofia (cf. Dicionário Houaiss).

A palavra hebraica ruah tem também significado semelhante a pneuma («hálito, ar») e é usada em português também como apelido entre indivíduos da comunidade judaica ou com ela relacionados (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Na expressão «o último aluno a chegar», a palavra último é, de acordo com a nova terminologia linguística, um adjetivo numeral?

Resposta:

Não é um adjetivo numeral, apesar de último ter associada uma ideia de ordem num conjunto*. Em vez disso, é um adjetivo qualificativo, mas com características muito especiais; por exemplo, não é graduável, nem aparece à esquerda do nome: *«o muito último cliente» (o asterisco indica agramaticalidade).

* Observa Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira/Editora Lucerna, 2009, pág. 206): «Último, penúltimo, antepenúltimo, posterior, derradeiro, anteroposterior e outros tais, ainda que exprimam posição do ser, não têm correspondência entre os numerais e por isso devem ser considerados meros adjetivos.»

Pergunta:

Eu gostaria de saber se as palavras abater, debater e combater têm alguma coisa em comum, ou seja, como foi formada cada palavra, ou se têm simplesmente um prefixo diferente.

Resposta:

A relação entre estes verbos é histórica, muito embora ainda hoje tenhamos a intuição de que estão relacionados morfologicamente, dada a proximidade que o português ainda mantém com a língua de onde eles provêm, o latim. Segundo o Dicionário Houaiss, estes três verbos têm em comum um mesmo radical de origem latina, bat-, do verbo latino battŭo (ou batuo), is, i, battuĕre, «bater, cascar, desancar, tundar, verberar, combater, brigar». Sendo assim, nos verbos em apreço, os elementos a- (ab-), de- e com- só historicamente são prefixos, mas do latim, não do português.