Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o processo de formação de impossibilidade e a respetiva forma de base?

Resposta:

Os dicionários gerais consultados (Houaiss e Porto Editora) registam impossibilidade como cultismo latino – de impossibilitate-.

No entanto, dado que a palavra é acessível ao conhecimento intuitivo do português contemporâneo, pode dizer-se em alternativa que a forma de base é o radical impossibil, que tem a forma -bil do sufixo -vel (cf. impossível). A forma -bil ocorre sempre que o sufixo -vel se associa a um radical adjetival (no caso vertente, -dade; cf. Alina Villalva, Formação de palavras: afixação, in M. H. Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 949).

Pergunta:

Na língua portuguesa, a palavra papagaio apareceu primeiro a designar a ave, ou o brinquedo de papel que voa?

Resposta:

A palavra foi introduzida em português como designação da ave. Só mais tarde, por extensão semântica, terá passado a referir o brinquedo. Sobre a etimologia de papagaio, leia-se a nota etimológica que o Dicionário Houaiss inclui no verbete correspondente à entrada papagaio (foram desenvolvidas todas as abreviaturas; manteve-se a ortografia original):

«Origem controversa; a possibilidade de ter vindo do árabe babbagâ é considerada improvável por José Pedro Machado, que acredita numa origem provençal, conseqüentemente, numa influência ocidental no árabe; o vocábulo teria sido formado de uma onomatopeia da fala do animal pá-pá-pá-pá + gai(o), pela aparente boa disposição da ave; Corominas apresenta uma série de hipóteses de diversos estudiosos, concluindo que a origem árabe é a que lhe parece mais provável: o vocábulo onomatopaico árabe teria entrado pela França, com as Cruzadas ou por via comercial, e teria sido alterado pela etimologia popular, que viu na terminação o romance gai `alegre´, originando-se daí as demais formas européias; formas históricas sXIII-sXIV papagay, 1346 papagajos, sXV papagaio, sXV papagayo

Pergunta:

Quais são os termos da língua umbundo que têm uma certa influência na língua portuguesa?

Resposta:

Se está a referir-se a palavras, aconselhamos a consulta da tese intitulada Contributos para Uma Caracterização Linguística do Luandense (Universidade de Aveiro, 2010), de Cristina Bento, na qual a autora identifica alguns vocábulos usados no português de Luanda como provenientes do umbundo (pág. 55), que a seguir se transcreve com uma maior precisão solicitada ao jornalista Maia Alfredo, da Rádio N'Gola Yeto, o canal das língua nacionais da Rádio Nacional de Angola:

– loengos, de olohengo (plural), «frutos silvestres».

[loengo, de oluhengo (singular)]

– losakas, de olosaka, «beringelas».

[olusaka, de olusaka (singular)]

– suanga , de eswanga (singular e plural) «esparregado de folhas de mandioqueira».

– seculo, de sekulu, «o mesmo que cota»; ancião, idoso.

[olosekulu (plural), anciãos, idosos.]

Veja, ainda, estes dicionários de Português-Umbundo e de  Umbundu-Português 

Cf. 

Pergunta:

Relativamente a um esclarecimento de 1999, parece-me que não está em conformidade com a informação do Dicionário Terminológico:

«Verbo cuja flexão se afasta da flexão do paradigma a que pertence. As irregularidades podem afectar o radical ou os sufixos de flexão. Algumas irregularidades são meramente gráficas. Nos verbos irregulares há formas regulares. Exemplos posso/podes/podemos – medir/meço/medisse – ficar/fiquei – caçar/cacei – chegar/cheguei».

Estarei errada?

Desde já, a minha gratidão.

Resposta:

A rigor, caçar e chegar não são verbos irregulares, embora se compreenda que, no contexto escolar, estes possam ser considerados como tal.

O Dicionário Terminológico parece realmente sugerir que casos como os de caçar/cacei e chegar/cheguei se incluem entre os irregulares. Não é o que faz a tradição gramatical, pelo menos, a que é seguida por Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, pág. 411/412):

«É necessário não confundir irregularidade verbal com certas discordâncias gráficas que aparecem em formas do mesmo verbo e que visam apenas a indicar-lhe a uniformidade de pronúncia dentro das convenções do nosso sistema de escrita. Assim:

a) os verbos da 1.ª conjugação cujos radicais terminem em -c, -ç e -g mudam estas letras, respectivamente, em -qu, -c e -gu sempre que se lhes segue um -e:


ficar – fiquei
justiçar – justicei
chegar – cheguei

b) os verbos da 2.ª e da 3.ª conjugação cujos radicais terminem em -c, -g e -gu mudam tais letras, respectivamente, em -ç, -j e -g sempre que se lhes segue um -o ou um -a:


vencer – venço – vença
tanger – tanjo – tanja
erguer – ergo – erga
restringir

Pergunta:

Gostaria de saber se a sigla W é válida para designar o ponto cardeal oeste na língua portuguesa, não considerando o novo acordo ortográfico.

Grata pela vossa atenção.

Resposta:

No quadro do Acordo Ortográfico de 1945, pode usar W como símbolo (não se trata de uma sigla) de oeste – em rigor, em alusão à forma inglesa correspondente, west (Cf. Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, 1947, p. 2).1 Pode, no entanto, usar igualmente O. como abreviatura desse ponto cardeal (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado). Note-se que o uso de W como símbolo de oeste é mantido no novo acordo ortográfico.

 

1 No Brasil, o Formulário Ortográfico de 1943 apresenta W. com ponto, ou seja, como abreviatura; contudo, o Dicionário Houaiss, na sua 1.ª edição (2001), regista W sem ponto, como símbolo, portanto. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, o qual foi publicado em 2009 já com as atualizações correspondentes à aplicação do novo acordo, acolhe as duas formas, com (W.) e sem ponto (W).