Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em muitas localidades alentejanas diz-me "estiverem", "ficarem", "forem", em vez de estiveram, ficaram, foram.

No meu entender são erros de português, no entanto, gostaria de saber se de alguma forma tal forma de falar pode ser considerada característica do sotaque alentejano.

Obrigada!

Resposta:

A troca da terminação -am por -em é típica de muitos falares regionais de Portugal – não é exclusiva do Alentejo.

Encontra-se, por exemplo, na Estremadura, no Algarve e nos Açores. É um traço dialectal, que a língua padrão não aceita, mas que se encontra descrito na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 124-126)1:

«No campo da morfologia verbal, os dialetos (portugueses) revelam alguma tendência a fazer convergir as terminações das diferentes conjugações, novelando-as preferencialmente com as terminações próprias da 2.ª conjugação (infinitivo terminado em -er), em vários tempos e pessoas, a que correspondem diferentes distribuições geográficas [...]:

[...] (iii) As terminações em -am da 3.ª pessoa do plural do presente e do pretérito imperfeito do indicativo dos verbos da 1.ª conjugação tendem a convergir em -em, terminação da mesma pessoa e dos mesmos tempos dos verbos da 2.ª e da 3.ª conjugações [...]:

(39) a. (Falando de lobos) os animais... aqueles... o hábito... quando é para morder procurem o pescoço. (ALEPG, Cabeço de Vide, Portalegre)

       b. Naquele tempo era a saia ali junto do pé! Se uma pessoa visse ali por cima [...] do artelho começava dormente, [...], se visse o joelho, desnorteava! Agora... andem nuas, ninguém liga! (ALEPG, Porches, Faro [...]

       d. Não sei como é que eles apanhem aquilo. (ALEPG, Rabo de Peixe, Açores) [...]

       f. Eles plantem no jardim. (ALEPG, Porto da Cruz, Madeira)»

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Pergunta:

Muito agradeço o vosso valioso trabalho que julgo extremamente importante.

Gostaria que tirassem a minha dúvida quanto às formas Exmo. e «Ao Exmo.» no cabeçalho de uma carta formal. O problema é o seguinte:

Pelo que notei, em cartas formais brasileiras escreve-se no cabeçalho «Ao Exmo. Sr. etc.» (destinatário), enquanto em cartas formais em português europeu se escreve no cabeçalho: «Exmo. Sr. etc» (destinatário).

Qual é forma mais correta: «Ao Exmo. Sr.» ou «Exmo. Sr.» no cabeçalho?

Desde já agradecido!

Resposta:

As formas que são apresentadas na pergunta estão corretas, mas o seu uso pode depender de tendências existentes em cada país.

No caso de Portugal1, em manuscritos, é (ou era) hábito identificar o destinatário apenas como «Ex.mo Senhor» – ou «Exmo. Senhor» –, seguido do nome e/ou do cargo da pessoa em questão, sem encimar o tratamento de "Ao"2.

Exemplo:

(1) Exma. Senhora
     Presidente do Camões, I. P.

Quando se trata de carta dirigida a uma instituição, sem indicar individualmente o destinatário, emprega-se Ao ou À e por baixo escreve-se o nome da instituição. Exemplos:

(2) Ao
     Camões. I. P.

(3) À
     Fundação Calouste Gulbenkian

 

Regista-se com satisfação o apreço do consulente pelo trabalho aqui desenvolvido.

 

1 Foi consultado Falar Melhor, Escrever Melhor, Lisboa, Seleções do Reader's Digest, 1991, pp. 258-264.

2 Tal não impede que, em 04/12/1951, num bilhete de Salazar dirigido ao realizador Leitão de Barros, se leia «Ao Sr. Leitão de Barros» (ibidem, p. 251).

Pergunta:

Gostava de saber se existe a palavra "primitividade" e/ou "primitivabilidade".

A segunda costuma ser usada no contexto da matemática. Estava a ponderar a possível utilização da primeira forma e se a segunda estaria mesmo correta.

Resposta:

As duas palavras estão corretas.

A primeira tem registo no Dicionário Aulete, nas seguinte aceções:

«s. f. || qualidade, estado de primitivo: A mesma primitividade, avara de costumes. ( Fialho , Gatos , IV, p. 255.) O rei conhece-os, sabe-lhes os méritos guerreiros e a rude primitividade quase bárbara. (Augusto Casimiro, Lisboa Mourisca, p. 81.) F. Primitivo.»

A segunda, primitivabilidade, é termo especializado das ciências matemáticas que deriva de um termo da mesma área, primitivável, por sua vez formado por sufixação com base em primitiva, «função cuja derivada reproduz a função original; antiderivada» (Infopédia).

No entanto, não se encontrou indicação de que primitividade e primitivabilidade funcionem como sinónimos no campo da matemática.

Pergunta:

"Via-Sacra" deve escrever-se com maiúsculas ou com minúsculas – "via-sacra"?

Muito obrigado pelo esclarecimento que me possam dar.

Resposta:

Quando se refere a Paixão de Cristo, escreve-se Via Sacra, com maiúsculas iniciais.

Quando se trata da série de 14 estações que representam a Via Sacra e que se encontram num dado percurso ou no recinto de uma igreja, ou se refere o exercício, de significado espiritual, de as percorrer, recomenda-se via-sacra, com minúscula iniciais e hífen.

Pergunta:

Parabéns pelo excelente trabalho do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa!

Desejo saber qual é o gentílico para o natural de Bereia, antiga cidade macedônica mencionada na Bíblia, no livro de Atos (17:11).

Encontrei "bereano" e "bereiano" escrito, mas nada em dicionários.

Desde já, agradeço a resposta.

Resposta:

O gentílico de Bereia pode ter as seguintes formas, de acordo com as fontes de que dispomos: bereeu/bereeia ou bereense (forma comum aos dois géneros).

Não é impossível a forma "bereano", mas não encontramos registo dela e, portanto, não a recomendamos.

São erróneas formas como "bereieu", "bereiense" e "bereiano".