Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho uma dúvida de utilização do termo natural e residente, a saber:

1. Qual está mais correto, «natural dos Calvos, ou natural de Calvos»?

2. «Residente nos Calvos», ou «residente em Calvos»?

Resposta:

Depende do uso e história locais, e, portanto, a resposta não pode ser perentória. Muitas vezes convivem os dois usos, com artigo definido e sem ele, com funções diferentes, como parece ser o caso de Calvos.

Se se refere o topónimo Calvos, que identifica uma localidade da freguesia de Sarzedas, no concelho de Castelo Branco, não foi possível obter informação direta para a elaboração desta resposta. O que se conseguiu apurar baseia-se em consultas na Internet, as quais, mesmo assim, podem ser elucidativas. Verifica-se, por exemplo, que quando se trata de referir endereços e associar a povoação à vida administrativa da freguesia, se escreve o nome sem artigo definido:

(1) «Número doze: prédio urbano, sito em Calvos, na freguesia de Sarzedas, concelho de Castelo Branco, que se compõe por um edifício de r/chão e 1.º andar [...] ("Cartório Notarial – Castelo Branco [...], Justificação", Gazeta do Interior, 16 de dezembro de 2015, p. 4)

No entanto, um cronista local, provavelmente mais conhecedor dos usos correntes, junta o artigo definido ao topónimo:

(ii) «Talvez pelo que vejo e sinto nos Calvos e em outras “terreolas” das freguesias de Sarzedas e de Santo André das Tojeiras [...].» (João Lourenço Roque, "Digressões Interiores: Olha a laranjinha que caiu caiu…", Reconquista, 22/07/2023 )

Saber se um uso é mais correto do que o outro será uma questão de perceber qual poderá ser a motivação deste topónimo. Uma pesquisa preliminar aponta para duas hipóteses:

– o topónimo tem origem no substantivo comum calvo, que pode significar «terreno árido numa elevação»;...

Pergunta:

Qual é, afinal, o gentílico do Acre (estado)?

"Acreano"? Ou "acriano"?

E por quais razões é a versão atual e oficial dele?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Embora nos dicionários haja registo de acreano, esta forma é sempre remetida para acriano, pelo que esta última é preferível.

Em derivados de nomes próprios, incluindo nomes geográficos como é o caso, emprega-se -iano, de acordo com o seguinte critério, enunciado no Dicionário Houaiss (edição de 2001; mantém-se a ortografia original):

«[...] a partir de 1911, pelo menos, vem impondo-se, no âmbito da língua de cultura, a regra segundo a qual só se escreverá -eano quando a sílaba tônica do derivante for um -e- tônico ou ditongo tônico com base -e- ou, por fim, em que, mesmo átono, o -e- for seguido de vogal átona: arqueano (Arqueu), cuneano (Cuneo/Cúneo), daomeano (Daomé), egeano (Egeu), galileano (Galileu), lineano (Lineu); os demais serão sempre em -iano – acriano, camiliano, ciceroniano, eciano, freudiano, zwingliano etc. [...].»

Como se pode ler, recomenda-se, portanto, que se escreva acriano, com i.

Pergunta:

O termo «o que você é meu» utiliza-se?

Sei que no Brasil se utiliza para definir o que alguém é a outra pessoa do tipo:

«O que és para mim?»

«Amigo, namorado, etc.»

Mas mesmo no português do Brasil isto está correto?

Esta frase não parece fazer muito sentido em termos semânticos, e já me disseram que esta frase está correta.

Resposta:

A expressão em apreço não tem tido registo em Portugal, pelo menos, não até agora.

Uma construção corrente em Portugal é seguinte:

(1) «O que me é/és a mim?»

Não se encontrando registo da construção «o que você é meu» em fontes mais convencionais, como sejam dicionários (mesmo os mais atualizados) e gramáticas, o mais que se consegue apurar provém de páginas da Internet (ver aqui). A conclusão de tal consulta é que a expressão ocorre em algumas páginas do Brasil ou relacionáveis com este país, sempre num contexto de comunicação informal.

 

N. E. (25/10/2023) – A expressão «o que você é meu» será bastante mais corrente entre falantes brasileiros do que um consulta de páginas da Internet pode levar a pensar. Sobre o assunto, agradece-se uma observação do consultor Luciano Eduardo de Oliveira.

Pergunta:

Alguém sabe qual a origem e significado do topónimo Farminhão (povoação no concelho de Viseu)?

Parece ser de origem suevo-germânica e encontrei uma referência a que teria origem em Fagidi. Será? E qual o significado?

Muito grato pela ajuda!

Resposta:

Ainda não existe uma etimologia segura para Farminhão.

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, considera que Farminhão tem origem obscura, talvez germânica. Joseph-Maria Piel propôs que o topónimo tivesse origem no antropónimo latino Firminianus, o qual entraria na expressão toponímica hipotética «(fundu) Firminianu» (equivalente a «propriedade de Firminiano»).

Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa: Exame a um Dicionário, 1999) contesta Piel e propõe, baseando-se na atestação medieval Framiam, que o topónimo venha de «villa *Framilani», em que ocorre um antropónimo germânico hipotético *Framila (segundo o autor citado, composto com frams, «valente»; o * indica hipótese não atestada documentalmente). A cadeia etimológica proposta por Almeida Fernandes é a seguinte:

*Framilani > Framilan > *Framĩan > *Farmĩão > Farminhão

É de lembrar que a toponímia de origem germânica é abundante a norte do Mondego e a noroeste da serra da Estrela, ao que parece devido à conquista dessa região para a órbita galaico-asturiana, nos séculos IX-X. Os topónimos terão origem na antroponímia gótica, donde provinham os nomes dos indivíduos que tomavam posse (presúria) das terras. Há quem proponha que  esta toponímia surgiu antes, no período suevo-visigótico (século V a começos do século VIII), mas é hipótese muito incerta.

Pergunta:

O Ciberdúvidas e outros sítios esclarecem perfeitamente que «no presente do indicativo, bulir muda o u do radical em o na 2.ª e 3.ª pessoa do singular e na 3.ª do plural» – ver aqui, aquiaqui e aqui.

A minha questão é se terá havido uma gralha do Ciberdúvidas ao conjugar o verbo bulir como «eu bulo, tu bules, ele bule...» aqui [resposta "Ainda compelir, gerir, computar, bulir e cerzir"].: 

https://ciberduvidas.iscte-iul.pt

E também não  terá havido uma gralha do Dicionário da Academia das Ciências no seguinte exemplo: «A primavera bule com ele, está muito impaciente»?

Resposta:

Já foi feita a devida correção na resposta em causa. Quanto à abonação apresentada pelo Dicionário da Academia das Ciências, está de facto incorreta – pelo menos, até ao momento de publicação desta resposta.

Recorde-se, portanto, que, no presente do indicativo, o verbo bulir se conjuga como o verbo subir:

bulir – presente do indicativo:

bulo
boles
bole
bulimos
bulis
bolem

Cf. subir, no presente do indicativo: subo, sobes, sobe, subimos, subis, sobem.

Este o ocorre igualmente na 2.ª pessoa do singular do imperativo: bole (tu), sobe (tu).