Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a etimologia de refém? Li que é de origem árabe, mas que vem concretamente de que palavra?

Obrigado.

Resposta:

Refém é vocábulo de origem árabe.

Segundo nota etimológica do Dicionário Houaiss, vem de rihan, forma popular do árabe rahn, que significa «prenda, penhor, refém». Segunda a mesma fonte, o uso de refém documenta-se em textos portugueses a partir de finais do século XIII, com as formas arafeens (1297), rrefam (século XIV), arefees e arefeems (século XV) e reffens (1726).

Acrescente-se que, em espanhol (historicamente, o castelhano), rehén tem a mesma origem (ver Joan Coromines e José Antonio Pascual, Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, versão em CD-ROM, 2012). As línguas românicas da Península Ibérica (o catalão parece exceção)1 herdaram, portanto, uma palavra árabe, que muito terá que ver com com certeza com o prolongado conflito entre muçulmanos e cristãos que a Península Ibérica conheceu durante 800 anos, entre os começos do século VIII e os finais do século XV.

Em línguas europeias vizinhas, as palavras são de raiz latina: no francês otage, provavelmente do latim tardio *hospitatĭcum, derivado do latim hospes -pĭtis «convidado, hóspede», que passou, por empréstimo ao italiano, como ostaggio, e o inglês (que não sendo românico, tem forte influência românica), como hostage2.

Parece haver um constraste na visão do que é um refém, entre as línguas ibero-românicas ocidentais (português e castelhano) e as outras línguas europeias aqui mencionadas: enquanto em português e castelhano a ideia é afim da de «garantia» e até a de «troféu», nas outras, salienta-se talvez eufemisticamente a noçã...

Pergunta:

Tenho reparado em textos não muito antigos que se fazia uso do advérbio assim ( sem a conjunção que) para encabeçar orações subordinadas adverbias temporais, ou seja , usado como conjunção temporal .

A título de exemplo , cito um trecho do livro de um renomado autor brasileiro, a saber, Jorge Amado, em sua obra Tendas dos Milagres:

«Doutor Passarinho prometeu ir à polícia assim terminasse de jantar: aquela prisão era um absurdo, ficasse tranquilo, ele poria Archanjo.»

Assim, por gentileza , vocês poderiam me esclarecer tal fato? Essa construção é lícita?

Há abono de mais escritores, ou referência em alguma gramática , enfim qual a opinião do Ciberdúvidas?

Agradeço desde já pela compreensão , paciência e apoio de sempre!

Resposta:

É construção legítima, ainda que não encontremos descrição nas gramáticas de que dispomos1.

No entanto, ocorre na literatura do século XIX e até meados do século XX:

(1) «Parece-me então que se aquela mulher que me faz estremecer assim soltasse sua roupa de veludo e me deixasse pôr os lábios sobre seu seio um momento, eu morreria num desmaio de prazer! » (Álvares de Azevedo, Macário, in Corpus do Português)

Em (1), a ocorrência de assim é equivalente à locução «assim que».

 

1 Foram consultadas as seguintes gramáticas: Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984), de Celso Cunha e Luís F. Lindley Cintra (Edições João Sá da Costa, Lisboa); Moderna Gramática Portuguesa (2002), de Evanildo Bechara (Editora Lucerna, Rio de Janeiro); Gramática da Língua Portuguesa (2003), de Maria Helena Mateus et alii (Editora Caminho, Lisboa); e Gramática do Português (2013), coordenada por Eduardo Buzaglo Paiva Raposo, Maria Fernanda Bacelar do Nascimento, Maria Antónia Coelho da Mota, Luísa Segura, Amália Mendes, Graça Vicente e colaboração de Rita Veloso e Graça Vicente (ed. Fundação Calouste Gulbenkian).

Pergunta:

Na sequência da pergunta sobre palestinos e palestinianos (com a qual concordo) e da respetiva resposta que valida as duas e acrescenta palestinenses, fiquei com outra "dúvida": quem nasce na Argentina é argentino ou também pode ser "argentiniano" e "argentiniense"? E quem nasce nas Filipinas é filipino ou também pode ser "filipiniano" ou "filipiniense"?

Obrigada.

Resposta:

Tudo depende da extensão do uso e do seu registo, por exemplo, em dicionários, livros de estilo e códigos de redação oficiais (quando estes existem).

Relativamente às formas palestinos, palestinenses e palestinianos, assinale-se que palestino e palestinense têm uso predominante no Brasil1, enquanto palestiniano2, que está correto, prevalece em Portugal, nos países africanos de língua portuguesa, no português que (ainda) se fala em Macau e em Timor-Leste.

Teoricamente, seriam possíveis "argentiniano" e "argentiniense", mas estas são formas sem registo como gentílico da Argentina. A forma correta é, portanto, argentino. O mesmo se deve dizer "filipiniano" ou "filipiniense". O nome e adjetivo pátrios de Filipinas tem a forma filipino. Tanto argentino como filipino são formas com registos em dicionários e guias de uso, como é o caso do Código de Redação que define orientações para o português escrito nas instituições europeias.

 

1 A linguista brasileira Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português (2003), refere palestino como forma quase exclusivamente usada, ainda que mencione palestinense. A autora nada diz sobre a forma palestiniano, a qual, no entanto, conta algumas ocorrências recentes em jornais como a

Pergunta:

Sendo a palavra modelo um nome dos dois géneros, quando mencionada em contexto de profissão em si, seria correto dizer «uma modelo»?

Ainda que possa estar certo, soa mal. Porém, não consegui encontrar outra palavra para substituir no seguinte exemplo:

«Dada a elegância com que caminhava, a sua silhueta podia facilmente confundir-se com a de uma modelo de revista» está correto?

Ou faria mais sentido «Dada a elegância com que caminhava, a sua silhueta podia facilmente confundir-se com a de um modelo de revista»?

Obrigada!

Resposta:

Quando significa «pessoa que apresenta roupa em desfiles de moda», modelo é palavra dos dois géneros: «o modelo» (homem) e «a modelo» (mulher) (ver Infopédia).

Pergunta:

Gostaria de saber se é obrigatório hífen na grafia das palavras '"ataque surpresa", "ataque relâmpago", "som ambiente" e "música ambiente", bem como qual é a regra gramatical que rege esse caso.

Desde já, agradeço.

Resposta:

Embora os preceitos ortográficos, isto é, os do acordo vigente, sejam omissos quanto a este tópico, pode dizer-se que se recomenda o hífen.

Antes da entrada em vigor do atual acordo ortográfico, o Dicionário Houaiss (2001) assinalava em nota o seguinte a respeito do substantivo relâmpago1: «vindo após outro substantivo ao qual se liga por hífen é um determinante específico invariável e significa "de duração muito curta" (guerra-relâmpago).»

Este preceito continua válido atualmente, muito embora não seja obrigatório, e, sendo assim, também se aplica a ataque-surpresa, formado por um substantivo seguido de outro que funciona como se fosse um adjunto.

Contudo, no caso de «som/música ambiente», não é forçoso o hífen, porque ambiente funciona como adjetivo.

1 Guerra-relâmpago é a tradução de Blitzkrieg, palavra alemã de má memória, que evoca a 2.ª Guerra Mundial e denota uma «ofensiva poderosa, realizada de surpresa por força aérea e infantaria coordenadas».