Pergunta:
Pelo visto, estou ultrapassado. Aprendi há muito que pagado é um arcaísmo, embora o Saramago, talvez por influência do castelhano, do catalão ou do valenciano, o use com frequência nas suas obras. Quanto a o gastado e o ganhado terem dado o lugar a gasto e a ganho, também quando usados com o verbo ter, confesso-me surpreendido. Passou a ser norma? E as formas gastado e ganhado são alternativas às simplificadas, quando usadas com o verbo ter, ou já ganharam o estatuto de arcaísmos?
A seguir, virá a aceitação da palavra “empregue”, que já vi num dicionário, e a da palavra “encarregue”, que ainda não vi em nenhum.
Resposta:
Do ponto de vista normativo, o uso dos particípios passados gastado e ganhado é correto e faz-se de maneira igual à de outros particípios regulares, isto é, ocorrendo só com o auxiliar ter. Com o auxiliar ser, o particípio passado tem sempre forma curta ou irregular (gasto e ganho).
No entanto, há muito que certos gramáticos vêm assinalando a preferência do uso pelas formas irregulares destes particípios passados, mesmo em associação com o auxiliar ter («tinha gasto/ganho»):
– Vasco Botelho de Amaral, no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas da Língua Portuguesa (1958), observa que ganhado «vai rareando», e gastado, também.
– Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág.440) consideram que pagado foi substituído por pago, e ganhado com gastado tendem a ser substituídos pelas formas irregulares.
– Em obras exclusivamente elaboradas por gramáticos brasileiros, as posições podem não coincidir completamente: E. Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, págs. 229/230) inclui ganhado, gasto e até mesmo pagado ao lado das formas curtas numa lista de formas participiais duplas, mas deixa indicação de estas formas irregulares poderem usar-se tanto na passiva como nos tempos compostos. Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português, 2003), procurando conciliar a tradição normativa com a observação do uso por meio de corpora, apresenta ganhado e gastado como formas pouco usadas.