Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de esclarecer a verdadeira origem da palavra Alhambra, sobre a qual encontrei informações não muito coincidentes (ex.: Alhambra = «a cor das rosas», o que me parece muito poético mas pouco provável).

Antecipadamente muito grato.

Resposta:

O nome próprio Alhambra vem diretamente do espanhol, tendo origem no árabe (qal'at) al-hamrâ, «a (cidade ou fortaleza) vermelha», ao que parece em virtude da cor avermelhada dos tijolos empregados na construção deste complexo arquitetónico. Também há quem diga que o nome alude às circunstâncias em que foi construído o edifício, durante muitas noites, à luz de archotes, que lhe conferiam um tom vermelho. Há ainda quem diga que al-hamrâ se refere não à cor do edifício, mas, sim, ao nome do primeiro rei de Granada, Muhammad ibn Yusuf ibn Nasr (1194-1273), conhecido como Al-Ahmar, ou seja, «o vermelho», ou melhor, «o ruivo», porque teria cabelo e/ou barba de tom ruivo. Da forma feminina de al-ahmar, que é al-hamrâ, se terá desenvolvido a forma espanhola Alhambra, que passou assim mesmo ao português, apesar de Alambra ser fonética e ortograficamente mais adequado.

Pergunta:

Os termos ostomia, ostomizado aparecem cada vez mais frequentemente em artigos de natureza mais ou menos científica na área da saúde. Sendo o radical ou étimo estoma, e não ostoma, estes termos não deviam ser estomia, estomizado... ou seu uso generalizado já as criou? Já os termos compostos colostomia, urostomia, ileostomia, nefrostomia... penso estarem corretos.

Reconhecendo o rigor científico dos vossos comentários/pareceres, queiram informar a forma adequada e fundamentar a formação destes termos tendo em conta a formação/derivação das palavras anteriormente referidas.

Resposta:

Com efeito, as formas estoma («orifício ou poro diminuto»), estomia («formação de um orifício de uma víscera na pele e que pode ser espontânea e adquirida», cf. Dicionário de Termos Médicos, da Porto Editora), estomizar («realizar estomia em», Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) e  estomizado («que tem um estoma ou pessoa que é portadora de um estoma», Dicionário de Termos Médicos) afiguram-se mais corretas que as que exibem o- inicial, uma vez que e- é a vogal que tradicionalmente se junta (prótese) a étimos de origem grega e latina começados por s seguido de consoante: grego skopiá «local de observação» > escopia; latim schola > escola (cf. Dicionário Houaiss). As formas que começam por o (ostomia) parecem análises menos cuidadas de termos em que o radical -stom- é precedido da vogal de ligação o que termina o primeiro radical da palavra composta (por exemplo, colostomia < colo- «cólon; parte do intestino grosso) + -stom- + -ia). De qualquer modo, as formas com o- ganharam popularidade; e tanto assim é que o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, não deixando de registar as formas com e inicial, acolhe também as variantes em que figura o o.

Pergunta:

A locução «no entanto» é conjuncional coordenativa adversativa, ou adverbial?

A minha dúvida deve-se ao surgimento dos advérbios conectivos. Não acontece com «no entanto» o mesmo que com as "ex"-conjunções porém, contudo e todavia?

Agradeço e felicito a vossa disponibilidade.

Resposta:

Na gramática tradicional e à luz da anterior terminologia gramatical usada no ensino em Portugal (Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967), classificava-se «no entanto» como locução conjuncional. No quadro do Dicionário Terminológico, considera-se que «no entanto» é uma locução adverbial conectiva, visto apresentar o mesmo comportamento que os advérbios conectivos porém, contudo e todavia.

Pergunta:

Gostaria de ouvir opiniões sobre o uso do termo submissão tratando-se da apresentação de uma candidatura. Sei que muitos usam por influência do inglês, mas achei estranho ver o mesmo no site da Fundação Calouste Gulbenkian.

Não seria o caso usar envio, entrega, inscrição, matrícula, apresentação?

Obrigado.

Resposta:

De facto, os verbos mais adequados à situação são, tradicionalmente, os que aponta o consulente. O uso de submissão e submeter nesses contextos reflete, como bem se observa na pergunta, a influência semântica das palavras inglesas etimologicamente correspondentes (submission e submit). Contudo, nota-se que nos últimos anos o uso semanticamente anglicizado se tem espalhado bastante devido à profusão de formulários eletrónicos que incluem a instrução submeter nas páginas de muitos sítios institucionais.

Pergunta:

A palavra Trás-os-Montes é grave, ou esdrúxula?

Resposta:

Com compostos hifenizados não se costuma considerar a existência de um acento principal a que todos os constituintes se subordinem. Pode é dizer-se que existe um grupo acentual, cujo acento principal recai sobre a sílaba Mon-, havendo um acento secundário em Trás-.

Refira-se que M.ª Helena Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Edições Caminho, 2003), propõem uma distinção com pertinência para a compreensão de casos como Trás-os-Montes, ao distinguirem «palavra morfológica» de «palavra prosódica». Embora as autoras em referência não o digam assim, podemos considerar que «palavra morfológica» é a forma que na grafia se representa por uma sequência de carateres que se separa por um espaço em branco de outras à esquerda e à direita. A «palavra prosódica» é identificada por um único acento principal. As mesmas autoras assinalam que há palavras morfológicas desprovidas de acento (p. ex., preposições, pronomes átonos) e palavras morfológicas que apresentam mais do que um acento, as quais incluem duas ou mais palavras prosódicas (diminutivos sufixados com -zinho, -zito – reporterzinho; advérbios de modo – belamente; compostos – afro-asiático, porta-óculos, surdo-mudo; a construção verbal com mesóclise – dar-lhe-emos; exemplos de Mateus et al. 2003: 1062).

O caso de Trás-os-Montes, que é o de um composto, inclui-se, portanto, nas palavras morfológicas que abrangem mais do que uma palavra prosódica.