Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da expressão idiomática «lançar a âncora».

Muito obrigado!

Resposta:

«Lançar âncora» significa «ancorar», «fundear».

A expressão está registada no Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa (Livraria Chardron e Lello e Irmãos, 1985), de Énio Ramalho. Também o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) a regista como subentrada de âncora, aparecendo como sinónimo de «deitar âncora», que significa «fundear, aportar a algum lugar e aí permancer». Outras expressões sinónimas: «largar (a) âncora» (cf. Dicionário Houaiss) e «lançar ferro» (Énio Ramalho, op. cit. e dicionário da ACL). A expressão admite usos metafóricos que a tornam interpretável como «ligar-se (a alguma coisa)», «apoiar-se (em alguma coisa)» (exemplos dos corpora disponíveis na Linguateca):

(1) «Tendo por companheiros a segurança criativa de Wilbur Ware e a claridade rítmica de Elvin Jones (que seria um actor decisivo do renascimento de Flanagan na década de setenta com «Eclypso»), o pianista lança âncora num futuro que só a cegueira dos homens foi capaz de adiar por tantos e tantos anos.»

(2) «[...] (ao contrário do World Saxophone, cuja negritude lança âncora num maior equilíbrio da improvisação colectiva / individual), os membros do Rova não frequentam com assiduidade os segredos dos solos solitários (limitados, quase exclusivamente, a alguns interlúdios «ad lib») [...].

Pergunta:

A palavra rebicoque ou rebicoques não é reconhecida no dicionário da Priberam nem aparece na edição do dicionário da Porto Editora que possuo, mas sempre a usei e ouvi usar. Será um regionalismo? Devo evitá-la em textos para um público alargado?

Desde já, obrigada.

Resposta:

A palavra que menciona parece ser um regionalismo, que poderá usar no registo informal e até em certos textos literários. Nos dicionários de que dispomos não encontramos atestação, mas, apesar de não nos ter indicado o significado, parece semanticamente afim de rebicoa, «arrebitada» (Vítor Fernando Barros, Dicionário de Falares das Beiras, Edições Colibri/Âncora Editora, 2010).

Pergunta:

Tenho-me deparado com a expressão «Estamos compradores...» num cartaz afixado perto da minha casa. A expressão estará correta?

Obrigada pelo esclarecimento da dúvida.

Resposta:

Trata-se de uma expressão até agora pouco habitual, porque os adjetivos e os substantivos terminados em -or ou -dor costumam ser apenas compatíveis com o verbo copulativo ser: «é um abusador»; «sou professor». Mesmo assim, é possível em alguns contextos tirar partido do uso do verbo estar como forma – por vezes irónica – de sugerir uma situação transitória ou uma mudança de situação ou estado: «estou ministro». Sendo assim, a expressão em causa, não deixando de ser marginal, pode tornar-se aceitável em certos contextos, por exemplo, os de intuito publicitário, como parece ser o caso.

Pergunta:

Qual a etimologia e a ortografia correcta de uma das designações de haxixe, "xamon"/"chamon"? E a terminação em n é lícita?

Resposta:

Não dispomos de fontes que esclareçam a etimologia desta palavra usada em Portugal. Encontramos o seu registo no Novo Dicionário do Calão (Casa das Letras, 2005), de Afonso Praça, com a grafia "chamon" e definida como sinónimo de haxixe. No entanto, o sítio eletrónico TeamNet, alojado nas páginas do Instituto Camões, inclui a forma chamom, como termo informal, equivalente a haxixe. Não havendo informação etimológica que possa pôr em causa esta grafia, parece ser esta a forma aconselhável, uma vez que não existem palavras agudas grafadas com n final em português.

Pergunta:

«Ele opôs-se à mudança de sala.»

«Ele opôs-se à Maria.»

«À mudança de sala» e «à Maria» são complementos indiretos?

Resposta:

O verbo opor-se completa-se, nas duas frases em apreço, de formas distintas.

Repito e numero os exemplos:

1. «Ele opôs-se à mudança de sala.»

2. «Ele opôs-se à Maria.»

Enquanto em 1 não é possível substituir «à mudança de sala» pelo pronome pessoal lhe, como se pode verificar pela não aceitabilidade de 1.1, em 2 podemos substituir «à Maria» por lhe, como se pode verificar em 2.1 (o * indica agramaticalidade):

1.1. *«Ele opôs-se-lhe» (lhe = à mudança de sala).

2.1. «Ele opôs-se-lhe» (lhe = à Maria).

Por outro lado, se, em vez do pronome pessoal dativo (lhe), optarmos por utilizar o pronome tónico antecedido de preposição, continuamos a verificar a não aceitabilidade dessa construção para a frase 1, como se pode verificar em 1.2, contrariamente a 2, em que essa substituição é aceitável, como se regista em 2.2:

1.2. *«Ele opôs-se a ela» (ela = mudança de sala).

2.2. «Ele opôs-se a ela» (ela = Maria).

O complemento da frase 1 pode ser constituído por uma preposição seguida de pronome, mas esse pronome é demonstrativo, e não pessoal:

1.3. «Ele opôs-se a isso» (isso = mudança de sala).

Poderemos questionar-nos acerca das razões que conduzem a interpretações sintáticas distintas face a construções similares com um verbo que mantém o seu sentido nas duas construções. Creio que a diferente interpretação se justifica pelas características do próprio complemen...