Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A frase «vou me repousar» está correta?

Resposta:

Os dicionários consultados (Dicionário Houaiss, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário UNESP do Português Contemporâneo) indicam que o verbo repousar se usa sem pronome reflexo: «vou repousar». Embora seja de admitir que essa construção ocorra coloquialmente em variedades do português (que não puderam ser identificadas para esta resposta), o certo é que o emprego deste verbo com o pronome se não se recomenda à luz da norma.

Pergunta:

Muito agradeço me informem sobre a origem da expressão pá-a-pá-santa-justa (transcrevo-a como a encontrei no Dicionário Houaiss).

Aproveito para felicitá-los pelo vosso trabalho e faço votos para que continuem a tirar-nos as dúvidas com que tropeçamos todos os dias.

Resposta:

Não foi possível determinar a origem desta curiosa expressão.

Como advérbio, pá-a-pá-santa-justa é a forma registada no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, nas aceções de «de forma completa e detalhada; fielmente» («fazer uma coisa pá-a-pá-santa-justa», idem). No entanto, esta fonte não tem associada nenhuma nota etimológica a esta entrada.

A expressão ocorre duas vezes no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira – grafada como uma locução, «p-a-pá, Santa Justa» – mais concretamente em textos de ficção publicados em Portugal e no Brasil entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX:

(1) «– [...] Isto aqui está muito quente. Vou com o Costa para os castanhais..

– Para os castanhais?

– P-a-pá, Santa Justa. Partimos depois de amanhã.» Inglês de Sousa, O Missionário, 1891

(2) «Em casa do Narciso contou-se-lhe a bacorice toda da mulher, p a pa santa Justa, com o Brás posto num lázaro em dia de feira, e o Narciso esfaqueado na procissão de Nossa Senhora, de estandarte em punho.» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica, 1927

Encontra-se também um pouco mais tarde num manual de condução, da autoria de Estevez Pinto e Urbanez e publicado em Portugal em 1947 com o título O Instrutor Rápido (p-a-pá Santa Justa).

Pergunta:

De acordo com a gramática que consultei, os complementos oblíquos nas seguintes frases:

a) «Fui a Lisboa.»
b) «Adiei isso até Março.»
c) «Ela sentiu-se mal.»

Transmitem as ideias de...

a) lugar
b) tempo
c) modo

O que corresponde grosso modo aos antigos complementos circunstanciais. Posso concluir que todos os complementos oblíquos transmitem uma ideia que corresponde a um antigo complemento circunstancial (de companhia, etc.)?

Ainda no seguimento das ideias transmitidas por complementos oblíquos, a frase

d) «Dirigi-me a Paris»

transmite a ideia de lugar.

E nas frases seguintes, que ideia transmitem os complementos oblíquos?

e) «Dirigi-me ao gerente.»
f) «Suspeitei da Maria.»
g) «Simpatizei com ele.»

Resposta:

Em Portugal, a terminologia gramatical antiga (cf. Nomenclatura Gramatical Portuguesa, de 1967) não tinha termo especial para referir os valores semânticos associados aos complementos oblíquos que ocorrem nos últimos exemplos apresentados. No entanto, recuperando a classificação apresentada por J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira, em Compêndio de Gramática Portuguesa (1976, p. 62-66), poderíamos dizer que em e) a circunstância é de direção ou destino ou até companhia, se pensarmos na possibilidade de «dirigir-se a» ser quase sinónimo de «falar com» («dirigiu-se aos jornalistas» = «falou com os jornalistas»); em f), origem ou causa, se «suspeitar de» for parafraseado por «fiquei desconfiado por causa de»; em g), embora o valor se revele mais difícil de definir, não seria impossível considerar que o valor era de relação ou favorecimento. Em suma, não se pode dizer que haja uma tipologia bem definida de valores semânticos a associar aos complementos circunstanciais, havendo muitos casos em que a interpretação será muito subjetiva.

Pergunta:

Li algures que o Conselho de Administração da RTP estaria «a equacionar a externalização dos serviços de manutenção dos emissores das rádios públicas...)».

"Externacionalização"? Que raio de neologismo é este?

Obrigado.

Resposta:

Trata-se de um erro, porque tal forma pressupõe um verbo "externacionalizar", que não se atesta nem se afigura correto, porque não existe o adjetivo do qual deveria derivar (o * indica agramaticalidade) – *"externacional". No entanto, regista-se externalizar, verbo que significa «tornar externo» ou, de modo mais específico, no domínio da economia, «atribuir tarefa ou serviço a uma entidade externa ou privada» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Note-se que a forma deste verbo é discutível: o adjetivo eventualmente na base da sua derivação – "external" – atesta-se não em português, mas em inglês (external, «externo). Mesmo assim, estando externalizar atestado, é possível derivar do seu tema (externaliza-) o substantivo externalização.

Pergunta:

Diz-se «vou enviar por mail», ou «vou enviar por e-mail»?

Resposta:

É uma questão de registo linguístico. Informalmente, pode dizer «vou enviar por mail». Se pretende usar o estrangeirismo correto, dirá «vou enviar por email» (ou e-mail). E, num português mais vernáculo, dirá «vou enviar por correio eletrónico».