Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber o que as fontes dizem sobre o aportuguesamento Ardaã da cidade turca de Ardahan. Em pesquisa no Google achei duas fontes que citam a forma em português, ambas brasileiras, e uma delas sendo de 2012.

Resposta:

É uma forma possível, mas acontece que a ortografia do português ainda aguarda a definição de critérios gerais de adaptação de topónimos estrangeiros por parte das entidades que monitorizam a sua normativização. Sem excluir a possibilidade de usar a forma turca e internacional Ardahan, e apesar de se tratar do nome de uma cidade pouco referida nos media em português, pode aceitar-se que a forma Ardaã está de acordo com os princípios da ortografia da língua portuguesa.

Pergunta:

Gostava de saber qual é a origem da expressão «ao tio ao tio», como quem se refere que anda «às aranhas» com algo. Ex: «Não vou andar por aí "ao tio ao tio" à procura dele.»

Obrigado.

Resposta:

Não dispomos de fontes que nos esclareçam as circunstâncias ou o contexto em que a expressão surgiu.

A forma que encontramos registada é «andar ó tio, ó tio», no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Publicações D. Quixote), de Guilherme Augusto Simões, que lhe atribui o significado de «à procura; de um lado para o outro» e uma versão mais completa – «ó tio, ó tio, passa pra cá barcaça» –, sem esclarecer a razão do aparecimento da expressão (história popular? alguma deixa do teatro popular?).

Orlando Neves (Dicionário de Expressões Correntes, Lisboa, Editorial Notícias, 2000) reitera o sentido dado à expressão por G. Augusto Simões, mas acrescenta-lhe outro: «andar sem posses, a pedir emprestado». António Nogueira Santos (Português – Novo Dicionário de Expressões Idiomáticas, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006) também regista este idiomatismo, interpretando-o de maneira sintética como «procurar alguma coisa por todos os lados, recorrendo ao auxílio de outras pessoas».

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da expressão idiomática «lançar a âncora».

Muito obrigado!

Resposta:

«Lançar âncora» significa «ancorar», «fundear».

A expressão está registada no Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa (Livraria Chardron e Lello e Irmãos, 1985), de Énio Ramalho. Também o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) a regista como subentrada de âncora, aparecendo como sinónimo de «deitar âncora», que significa «fundear, aportar a algum lugar e aí permancer». Outras expressões sinónimas: «largar (a) âncora» (cf. Dicionário Houaiss) e «lançar ferro» (Énio Ramalho, op. cit. e dicionário da ACL). A expressão admite usos metafóricos que a tornam interpretável como «ligar-se (a alguma coisa)», «apoiar-se (em alguma coisa)» (exemplos dos corpora disponíveis na Linguateca):

(1) «Tendo por companheiros a segurança criativa de Wilbur Ware e a claridade rítmica de Elvin Jones (que seria um actor decisivo do renascimento de Flanagan na década de setenta com «Eclypso»), o pianista lança âncora num futuro que só a cegueira dos homens foi capaz de adiar por tantos e tantos anos.»

(2) «[...] (ao contrário do World Saxophone, cuja negritude lança âncora num maior equilíbrio da improvisação colectiva / individual), os membros do Rova não frequentam com assiduidade os segredos dos solos solitários (limitados, quase exclusivamente, a alguns interlúdios «ad lib») [...].

Pergunta:

A palavra rebicoque ou rebicoques não é reconhecida no dicionário da Priberam nem aparece na edição do dicionário da Porto Editora que possuo, mas sempre a usei e ouvi usar. Será um regionalismo? Devo evitá-la em textos para um público alargado?

Desde já, obrigada.

Resposta:

A palavra que menciona parece ser um regionalismo, que poderá usar no registo informal e até em certos textos literários. Nos dicionários de que dispomos não encontramos atestação, mas, apesar de não nos ter indicado o significado, parece semanticamente afim de rebicoa, «arrebitada» (Vítor Fernando Barros, Dicionário de Falares das Beiras, Edições Colibri/Âncora Editora, 2010).

Pergunta:

Tenho-me deparado com a expressão «Estamos compradores...» num cartaz afixado perto da minha casa. A expressão estará correta?

Obrigada pelo esclarecimento da dúvida.

Resposta:

Trata-se de uma expressão até agora pouco habitual, porque os adjetivos e os substantivos terminados em -or ou -dor costumam ser apenas compatíveis com o verbo copulativo ser: «é um abusador»; «sou professor». Mesmo assim, é possível em alguns contextos tirar partido do uso do verbo estar como forma – por vezes irónica – de sugerir uma situação transitória ou uma mudança de situação ou estado: «estou ministro». Sendo assim, a expressão em causa, não deixando de ser marginal, pode tornar-se aceitável em certos contextos, por exemplo, os de intuito publicitário, como parece ser o caso.