Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

1 - Considere-se a seguinte frase:

«O bebé dorme bem e tranquilo.»

2 – Nas notas a propósito do predicativo do sujeito, o Dicionário Terminológico (DT) refere que «é possível constatar que expressões com valor locativo seleccionadas por verbos copulativos desempenham a função de predicativo do sujeito, porque podem ser coordenadas com outros constituintes com a mesma função, independentemente do seu valor: (α) "O João está [em Paris e muito doente]"».

3 – Na frase [acima], o grupo adverbial «bem» desempenha a função sintáctica de modificador do grupo verbal.

4 – Logo, na frase [em 1], o grupo adjectival «tranquilo» (<=< grupo adverbial «tranquilamente») desempenha a função sintáctica de modificador do grupo verbal.

5 – Se se considerasse o grupo adjectival «tranquilo» como um predicativo do sujeito, o grupo adverbial «bem» tê-lo-ia de ser também.

6 – Baseada, talvez, na flexão adjectival em função do sujeito da frase, a tradição gramatical, porém, classificaria o grupo adjectival «tranquilo» da frase [em 1] como um predicativo do sujeito. [...]

Resposta:

Na frase «O bebé dorme bem e tranquilo», o grupo adjetival «tranquilo» é realmente um predicativo do sujeito, mas acontece que os gramáticos têm assinalado o facto de se tratar de um subtipo de predicativo suscetível de uma interpretação adverbial – cf. A função de calado na frase «Ele trabalhava calado». A recente Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pp. 1340-1356), procurando associar a análise tradicional com a investigação da linguística mais recente, inclui este tipo de predicativos nas predicações secundárias e classifica-os como constituintes predicativos adjuntos, atribuindo-lhes uma função semelhante à de adjuntos verbais. Nesta perspetiva, a estrutura de coordenação «bem e tranquilo» pode ser analisada com coerência uma vez que, funcionalmente, predicativos adjuntos e adverbiais adjuntos se equivalem (cf. DT: «[coordenação] Processo sintáctico que consiste na junção de duas ou mais unidades linguísticas com a mesma categoria e/ou com a mesma função sintáctica»).

Pergunta:

Em frases como «eu vou comprar um carro», «ela vai viajar amanhã» e em muitas outras similares, todas muito comuns no português do Brasil, sendo mesmo as costumeiras e preferidas por aqui, o verbo ir deve ser considerado um verbo auxiliar para fazer o futuro? Se sim, este verbo, nos casos acima mencionados, pode ser considerado o equivalente ao inglês will, verbo auxiliar para fazer o tempo verbal futuro na língua inglesa?

As referidas expressões podem ser convertidas em formas equivalentes mais sintéticas em nossa língua, de modo que poderíamos dizer «eu comprarei um carro», «ela viajará amanhã», mas estão longe de ser as mais usadas no Brasil.

Por último pergunto-vos se as duas maneiras são corretas, e se as duas mais sintéticas não seriam as mais eruditas. Indago ainda qual dos dois modos de fazer o tempo verbal futuro é o mais antigo no nosso idioma.

Muito obrigado.

Resposta:

Na frase «ela vai viajar amanhã», o verbo ir é efetivamente um verbo auxiliar, que, associado a um verbo principal, exprime futuridade; como tal, tem uma função semelhante ao auxiliar will em inglês, o qual associado a um infinitivo também marca um valor temporal semelhante («she will travel tomorow»). Contudo, ir e will não são semanticamente equivalentes do ponto de vista histórico. Com efeito, o verbo ir é etimologicamente um verbo de movimento (do latim eo, is, īvi ou ĭi, ītum, īre; cf. Dicionário Houaiss), enquanto, em inglês, o verbo modal will tem origem num verbo volitivo equivalente a querer em português (o uso de will como auxiliar para marcar o futuro remonta ao inglês antigo; cf. s.v. will, no Online Etymology Dctionary). À construção formada por ir + infinitivo, chamam vários autores «futuro perifrástico».

Há certa correspondência semântica com as formas "sintéticas", mas, no uso atual, estas não têm exatamente os mesmos valores semânticos que a construção com auxiliar. A este respeito, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 526)1 considera o seguinte:

«O futuro simples também pode ter um valor modal epistémico, no qual se veicula incerteza ou não comprometimento do falante relativamente ao valor de verdade da frase, como se ilustra nos seguintes exemplos:

(39) a. Neste momento, o Primeiro-Ministro estará a ser recebido pelo Presidente.

    ...

Pergunta:

Qual a abreviação correta de municipal?

Resposta:

A abreviatura que está dicionarizada é mun., tanto para município como para municipal, de acordo com os atuais vocabulários ortográficos que apresentam listas de abreviaturas, a saber: o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora.

Pergunta:

Gostaria de saber se uso vírgula ou ponto de exclamação na frase: «Eta povinho bão...»

Obrigada.

Resposta:

A interjeição eta pode ser seguida de ponto de exclamação, de vírgula1 e até pode ocorrer sem sinal nenhum: «Eta! Povinho bão...», «Eta, povinho bão...» ou «Eta povinho bão»2.

O Dicionário Houaiss atesta a interjeição eta com abonações em que é sempre usada com ponto de exclamação:

(i) «Eta! eles chegaram!»

(ii) «Eta! como dorme!»

No Dicionário de Usos do Português do Brasil (Francisco S. Borba, org. São Paulo, Editora Ática), também se atesta eta seguido de vírgula: «Eta, mulher formosa», a exprimir surpresa; «Eta, Ricardo, cuidado», em tom de censura. E regista-se ainda eta sem qualquer sinal de pontuação (ibidem): «Eta gente trabalhadeira» (surpresa); «Eta feijãozinho bom» (aprovação). Nestes últimos casos, parece que eta tem uso muito semelhante a que exclamativo, que não é seguido de sinal de pontuação («Que gente trabalhadeira!»).

A interjeição em referência é típica do registo informal do português do Brasil, como se assinala no Dicionário Houaiss, que a descreve como expressão que «exprime satisfação ou certo espanto diante de fato, acontecimento etc. mais ou menos surpreendente».

1 Não é impossível empregar vírgula depois de uma interjeição, quando esta se combina com uma frase exclamativa. Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 588) consideram que «[n]a escrita, as interjeições vêm de regra acompanhadas de ponto de exclamação»; contudo, observe-se que estes gramáticos não dizem se a regra se aplica mesmo em situações em qu...

Pergunta:

Gostaria de saber, se der o nome de Newton para um filho aqui no Brasil, como será a pronúncia neste caso? Acredito que o correto seria sempre pronunciar como "Nilton", ou seja, o w com som de u ou l, mas não tenho certeza, porque vários nomes com w são pronunciados como a letra v, em Wagner, Wilson, Walter, etc.

Resposta:

O nome Newton parece soar como Nilton – cf. newtoniano, pronunciado como "niutoniano" (cf. nota ortoépica s. v. newtoniano, Dicionário Houaiss). Refira-se que, segundo Rosário Farâni Mansur Guérios (Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes, São Paulo, Editora Ave Maria, 1973), Nilton poderá ser «cruzamento de Nilson com Newton ou Milton».