Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Traduzindo para português o segmento frásico em francês «[...] laquelle loi a créé une Commission pour la transparence financière de la vie politique [...]», obtemos «a qual lei criou uma Comissão para a transparência financeira da vida política».

Actualmente, segundo o Dicionário Terminológico, cujo é considerado o único determinante relativo da língua portuguesa. Mas como classificar morfologicamente «a qual» senão como também um determinante relativo?

Resposta:

O uso de o qual como determinante é um arcaísmo.

A Gramática do Português (2013, págs. 2095/296), da Fundação Calouste Gulbenkian, descreve esse uso do seguinte modo:

«[...] Em fases anteriores da língua, o qual apresentava dois padrões sintáticos distintos em orações relativas de nome: num deles, o qual era equivalente a um sintagma nominal, como em português contemporâneo (cf. o professor elogiou muito o Rui, o qual teve 20 no teste; o qual = o Rui); no outro, funcionava como um determinante explícito, precedendo um grupo nominal dentro do constituinte relativo, geralmente idêntico ao grupo nominal antecedente (ou a parte dele), mas podendo também ser um sinónimo ou um hiperónimo deste. Estes dois usos exemplificam-se, respetivamente, em (ia) e (ib) [...]:[*]

(i) a. E pedia q(ue) p(er) Sen(ten)ça o cost(re)ngese q(ue) lhj dese a d(i)ta vaca cõ sua ffilha segu~do mays conp(ri)dam(en)t(e) Era (con)tehudo e~ sua petiçom a q(u)al ffoy contestada p(er) o d(i)to p(ri)oll [...]

b. Asy diserom q(ue) os di(c)t(os) logares danboores (e) mõte valem todo onze m(a)r(avedi)s da boa moeda cõ ho di(c)to monte os q(u)aes logares danboroes p(ar)tem cõ erdade darouqua (e) cu~ erdade do di(c)to Johã de basto (e) cõ erdade de v(asco) m(art)iz [...]

No entanto, alguns autores [...] registam o uso como determinante explícito em orações relativas apositivas, como as de (ii) [...]:

(ii) a. A falta de monitores na Faculdade de Direito de Lisboa não permitiu ainda que começassem as aulas das subturmas, as quais aulas funcionam em regime de avaliação contínua de conhecimentos.

b. Ao livro ninguém fez referência, o qual livro merece a ma...

Pergunta:

Gostava de saber o significado da palavra cambais. É de Aquilino Ribeiro: «cambais da terra».

Não a encontro nos meus dicionários…

Resposta:

É o mesmo que «cambais do mundo», que ocorre na expressão «longe dos cambais do mundo», no sentido de «onde não se seja visto». O substantivo cambal significa «anteparo; resguardo em torno da mó do moinho», conforme registo no Glossário Sucinto para Melhor Compreensão de Aquilino Ribeiro (Porto, Edições Marânus, 1959), de Elviro Rocha Gomes (1918-2009).

Pergunta:

1 - Considere-se a seguinte frase:

«O bebé dorme bem e tranquilo.»

2 – Nas notas a propósito do predicativo do sujeito, o Dicionário Terminológico (DT) refere que «é possível constatar que expressões com valor locativo seleccionadas por verbos copulativos desempenham a função de predicativo do sujeito, porque podem ser coordenadas com outros constituintes com a mesma função, independentemente do seu valor: (α) "O João está [em Paris e muito doente]"».

3 – Na frase [acima], o grupo adverbial «bem» desempenha a função sintáctica de modificador do grupo verbal.

4 – Logo, na frase [em 1], o grupo adjectival «tranquilo» (<=< grupo adverbial «tranquilamente») desempenha a função sintáctica de modificador do grupo verbal.

5 – Se se considerasse o grupo adjectival «tranquilo» como um predicativo do sujeito, o grupo adverbial «bem» tê-lo-ia de ser também.

6 – Baseada, talvez, na flexão adjectival em função do sujeito da frase, a tradição gramatical, porém, classificaria o grupo adjectival «tranquilo» da frase [em 1] como um predicativo do sujeito. [...]

Resposta:

Na frase «O bebé dorme bem e tranquilo», o grupo adjetival «tranquilo» é realmente um predicativo do sujeito, mas acontece que os gramáticos têm assinalado o facto de se tratar de um subtipo de predicativo suscetível de uma interpretação adverbial – cf. A função de calado na frase «Ele trabalhava calado». A recente Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pp. 1340-1356), procurando associar a análise tradicional com a investigação da linguística mais recente, inclui este tipo de predicativos nas predicações secundárias e classifica-os como constituintes predicativos adjuntos, atribuindo-lhes uma função semelhante à de adjuntos verbais. Nesta perspetiva, a estrutura de coordenação «bem e tranquilo» pode ser analisada com coerência uma vez que, funcionalmente, predicativos adjuntos e adverbiais adjuntos se equivalem (cf. DT: «[coordenação] Processo sintáctico que consiste na junção de duas ou mais unidades linguísticas com a mesma categoria e/ou com a mesma função sintáctica»).

Pergunta:

Em frases como «eu vou comprar um carro», «ela vai viajar amanhã» e em muitas outras similares, todas muito comuns no português do Brasil, sendo mesmo as costumeiras e preferidas por aqui, o verbo ir deve ser considerado um verbo auxiliar para fazer o futuro? Se sim, este verbo, nos casos acima mencionados, pode ser considerado o equivalente ao inglês will, verbo auxiliar para fazer o tempo verbal futuro na língua inglesa?

As referidas expressões podem ser convertidas em formas equivalentes mais sintéticas em nossa língua, de modo que poderíamos dizer «eu comprarei um carro», «ela viajará amanhã», mas estão longe de ser as mais usadas no Brasil.

Por último pergunto-vos se as duas maneiras são corretas, e se as duas mais sintéticas não seriam as mais eruditas. Indago ainda qual dos dois modos de fazer o tempo verbal futuro é o mais antigo no nosso idioma.

Muito obrigado.

Resposta:

Na frase «ela vai viajar amanhã», o verbo ir é efetivamente um verbo auxiliar, que, associado a um verbo principal, exprime futuridade; como tal, tem uma função semelhante ao auxiliar will em inglês, o qual associado a um infinitivo também marca um valor temporal semelhante («she will travel tomorow»). Contudo, ir e will não são semanticamente equivalentes do ponto de vista histórico. Com efeito, o verbo ir é etimologicamente um verbo de movimento (do latim eo, is, īvi ou ĭi, ītum, īre; cf. Dicionário Houaiss), enquanto, em inglês, o verbo modal will tem origem num verbo volitivo equivalente a querer em português (o uso de will como auxiliar para marcar o futuro remonta ao inglês antigo; cf. s.v. will, no Online Etymology Dctionary). À construção formada por ir + infinitivo, chamam vários autores «futuro perifrástico».

Há certa correspondência semântica com as formas "sintéticas", mas, no uso atual, estas não têm exatamente os mesmos valores semânticos que a construção com auxiliar. A este respeito, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 526)1 considera o seguinte:

«O futuro simples também pode ter um valor modal epistémico, no qual se veicula incerteza ou não comprometimento do falante relativamente ao valor de verdade da frase, como se ilustra nos seguintes exemplos:

(39) a. Neste momento, o Primeiro-Ministro estará a ser recebido pelo Presidente.

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Pergunta:

Qual a abreviação correta de municipal?

Resposta:

A abreviatura que está dicionarizada é mun., tanto para município como para municipal, de acordo com os atuais vocabulários ortográficos que apresentam listas de abreviaturas, a saber: o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora.