Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É errado o uso de «por vez» no lugar de «de cada vez» na expressão «carregue um tijolo por vez»?

Resposta:

Parece mais corrente a locução «de cada vez», mas em textos brasileiros também ocorre «por vez» como expressão sinónima: «geralmente figuras conhecidas do grande público, apontavam, uma por vez, o personagem que lhes parecia ser o criminoso» (Marcos Rey, Os Crimes do Olho-de-Boi, 1995, in Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira).

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia da palavra gene. Vem de «nascer», mas também pode ser «raça», «geração»?

Obrigada.

Resposta:

A palavra gene não tem uma relação direta com o verbo nascer, nem mesmo por via do latim. Na verdade, foi criada em alemão, segundo o Dicionário Houaiss:

«al[emão] Gen (1909) ["unidade fundamental, física e funcional da hereditariedade, constituída pelo segmento de uma cadeia de ADN responsável por determinar a síntese de uma proteína"], voc[ábulo] criado [em alemão] por W. L. Johannsen (1857-1927, biólogo dinamarquês), com base no rad[ical] i[indo]-e[uropeu] *gen-/gne- "nascer, gerar", pelo fr[ancês] gène (1935) "idem"».

Ou seja, a palavra gene não significa «raça» nem «geração», mas, pelo referido radical indo-europeu *gen-/gne-, «nascer, gerar», relaciona-se com palavras que podem aludir a esses significados; por exemplo: género, «conjunto de seres ou objetos que possuem a mesma origem ou que se acham ligados pela similitude de uma ou mais particularidades» (Hoauiss), do latim genus, -eris, «nascimento, descendência, origem; raça, tronco; descendente, rebento, filho», derivado do grego génos, -eos, com o mesmo significado; geração, «ato de gerar», «descendência», «pessoas que têm a mesma idade», do «lat[im] generatio, onis, "geração, reprodução (das espécies); raça, família, genealogia, linhagem"» (idem). Não tendo derivado do radical de nascer, gene tem, no entanto, uma relação etimológica indireta com o étimo do verbo português, isto é, como o verbo latino nascor, que teria uma forma mais antiga, *gnascor (não atestado), cujo radical remonta à raiz indo-europeia *gen/gne- (idem, s. v. gen-).

Pergunta:

Diz-se «comparecer no escritório», ou «comparecer ao escritório»?

Resposta:

O verbo comparecer tem um complemento oblíquo que pode ser introduzido quer pela preposição em quer pela preposição a (cf. Winfried Busse, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Almedina, 1994).

Observe-se, porém, que há, pelo menos, no português de Portugal, uma pequena diferença semântica entre os usos de em e a, conforme se verifica nos seguintes exemplos (o * e o ? indicam pouca ou nenhuma gramaticalidade):

1. a. «O João não compareceu no escritório.»

     b. */? «O João não compareceu ao escritório.»

2. a. «O João não compareceu no encontro.»

     b. «O João não compareceu ao encontro.»

O confronto de 1 com 2 sugere que só se usa a preposição em com substantivos de sentido locativo1, referentes a lugares concretos (escritório, «sala de aula», edifício), Com substantivos que, além de terem eventual eventual sentido locativo, designam sobretudo eventos (p. ex., reunião, assembleia, aula, encontro), podem usar-se ambas as preposições. No entanto, no Brasil, parece favorecer-se a preposição a na regência desse complemento, mesmo com substantivos de interpretação mais concreta, conforme sugere uma consulta da Folha ...

Pergunta:

É mais correcto dizer-se "omelete", ou "omolete"? Já agora, pastelão na minha terra (no distrito de Braga) é uma palavra equivalente para se pedir uma omelete. Do ponto de vista linguístico, será uma omelete o mesmo que um pastelão?

Desde já muito obrigado.

Resposta:

Aceita-se atualmente como correto o uso das formas omelete e omeleta – mas não a forma "omolete". Ambas as palavras apresentam e aberto na sílaba tónica, -le- (cf. transcrições fonéticas disponíveis no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, publicado em 2001, e no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, de 2010). Não obstante, entre normativistas mais conservadores, considera-se ou considerava-se (ver Textos Relacionados) que a forma portuguesa é apenas omeleta, pronunciada com e fechado ("omelêta"; cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966, s. v. omeleta), visto ser essa a pronúncia do sufixo -eta noutras palavras (careta, lambreta). Observe-se, porém, que no caso de omeleta tal pronúncia parece hoje rara, de tal modo as outras variantes se consagraram no uso.

Quanto a pastelão, como sinónimo de omelete/omeleta, é um regionalismo, ou seja, do ponto de vista linguístico, é um termo que é típico de uma região de Portugal, mas que neste país não é sentido como vocábulo de uso generalizado.

Pergunta:

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o serviço prestado pelo Ciberdúvidas, ao qual recorro diariamente.

A minha dúvida surgiu na sequência da leitura de algumas respostas quanto ao uso do artigo definido com topónimos. Uma questão com a qual todos os pombalenses se debatem é a de explicar por que razão nos referimos «a Pombal» e não «ao Pombal». Ora, por norma, os nomes de cidades derivados de nomes comuns são precedidos de artigo. O facto de tal não acontecer com o topónimo Pombal poderá estar relacionado com o facto de este derivar do nome mouro "Al-Pall-Omar" e não do substantivo comum pombal, como frequentemente se advoga? Ou trata-se simplesmente de uma excepção à regra?

Muito obrigada!

Resposta:

É com muito gosto que prestamos este serviço.

Não podemos confirmar a etimologia de suposta origem árabe que é apresentada, ao que parece, baseada numa lenda, cuja origem desconhecemos. Na verdade, a forma Al-Pall-Omar afigura-se muito pouco plausível, até porque inclui um segmento fónico que não ocorre no árabe, a consoante [p], visto que nesta língua o repertório fonológico apenas diponibiliza uma bilabial, que é vozeada: é esta a razão para, por exemplo, Beja, de origem latina, mas transmissão árabe, ter um [b] em lugar do [p] da forma original latina, Pace (de Pax Iulia).

A etimologia que se atribui a Pombal – do latim medieval palumbare, o mesmo que pombal – implica que o nome tenha sido usado com artigo definido, porque se trata de substantivo comum. Não temos acesso a fontes que expliquem a razão da perda do artigo definido por parte deste topónimo, pelo menos, no uso local. É possível que, vendo os habitantes de Pombal aumentar a importância da cidade, tenham inconscientemente suprimido o artigo definido, porque existem cidades que o não exibem, em especial, a capital de Portugal, Lisboa (não obstante a chamada «segunda cidade», «o Porto», não o ter perdido).