Pergunta:
[A] propósito da definição, produção e percepção de ditongos, [recebi uma resposta vossa, com exemplos, que]* foi assaz taxativa: «Não sabemos de quem diga que não há ditongos em português.» Ora bem, a meu ver, os exemplos que o(a) prezado(a) consultor(a) listou mais não são que evidentes provas da impropriedade lexical que flutua em torno do conceito ditongo, o qual uso deturpado se generalizou. Em abono da verdade, o Dicionário da Língua Portuguesa – sem Acordo Ortográfico da Porto Editora define ditongo como sendo uma «sequência, numa sílaba, formada por uma vogal e uma semivogal». O verbete enciclopédico da Infopédia vai mais longe, afirmando que o vocábulo inglês fire se pronuncia [‘fajE].
Claro que estas afirmações incorrectas só podem vingar numa língua em que não existem verdadeiros ditongos, mas tão-somente combinações de vogal + semivogal. Nesta linha de pensamento, acresce citar duas fontes: uma informal, extraída de um fórum em linha (1), e outra formal, extraída do Précis de phonétique historique, de Noëlle Laborderie (2).
(1) «Ditongos em diferentes línguas? ■ Eu queria tirar uma dúvida: na língua portuguesa, os ditongos são formados pelo encontro de uma vogal + uma semivogal. em [sic] inglês e em outras línguas germânicas, por exemplo, os ditongos, por sua vez, são formados pelo encontro de duas vogais, sendo a mais forte o núcleo silábico. Foneticamente, existe alguma diferença entre os ditongos formados com as semivogais [j] e [w] e as vogais fracas [i] e [u]?»
1. Quer a tradição gramatical quer a investigação linguística aceitam, em níveis de análise mais ou menos abstratos, a existência de ditongos em português, muito embora se considere geralmente que apenas os ditongos decrescentes (vogal + semivogal, ou vogal + glide1, ou ainda vogal dominante + vogal subjuntiva – a terminologia varia) sejam os "verdadeiros" ou os mais estáveis (cf. infra Cunha e Cintra 1984, p. 48). O que se acabou de dizer é confirmado pelas seguintes fontes:
– Celso Cunha e L. F. Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 48: ditongo é o encontro de vogal + semivogal (ditongo decrescente) ou semivogal + vogal (ditongo crescente); ditongos crescentes (instáveis) vs. ditongos decrescentes (estáveis).
– António Emiliano, Fonética do Português Contemporâneo, Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pp. 34-37: os ditongos são «sequências de dois vocóides»; embora aceite a existência de semivogais, este autor considera que estas não participam na constituição dos ditongos.
– Maria Helena Mira Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pp. 993/994: os ditongos são constituídos por vogal + glide (ou semivogal); as glides existem não no nível fonológico, mas, sim, no nível fonético.
Pode ainda verificar que os termos diphtong (inglês) e ditongo são usados, respetivamente, por M.ª Helena Mateus e Ernesto d´Andrade, em The Phonology of Portuguese (Oxford University Press, 2000, p. 18), e Maria João Freitas e Ana Lúcia Santos, em Contar Histórias de Sílabas (Lisboa, Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2001, pp. 41 e 53).