Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Diz-se «comparecer no escritório», ou «comparecer ao escritório»?

Resposta:

O verbo comparecer tem um complemento oblíquo que pode ser introduzido quer pela preposição em quer pela preposição a (cf. Winfried Busse, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Almedina, 1994).

Observe-se, porém, que há, pelo menos, no português de Portugal, uma pequena diferença semântica entre os usos de em e a, conforme se verifica nos seguintes exemplos (o * e o ? indicam pouca ou nenhuma gramaticalidade):

1. a. «O João não compareceu no escritório.»

     b. */? «O João não compareceu ao escritório.»

2. a. «O João não compareceu no encontro.»

     b. «O João não compareceu ao encontro.»

O confronto de 1 com 2 sugere que só se usa a preposição em com substantivos de sentido locativo1, referentes a lugares concretos (escritório, «sala de aula», edifício), Com substantivos que, além de terem eventual eventual sentido locativo, designam sobretudo eventos (p. ex., reunião, assembleia, aula, encontro), podem usar-se ambas as preposições. No entanto, no Brasil, parece favorecer-se a preposição a na regência desse complemento, mesmo com substantivos de interpretação mais concreta, conforme sugere uma consulta da Folha ...

Pergunta:

É mais correcto dizer-se "omelete", ou "omolete"? Já agora, pastelão na minha terra (no distrito de Braga) é uma palavra equivalente para se pedir uma omelete. Do ponto de vista linguístico, será uma omelete o mesmo que um pastelão?

Desde já muito obrigado.

Resposta:

Aceita-se atualmente como correto o uso das formas omelete e omeleta – mas não a forma "omolete". Ambas as palavras apresentam e aberto na sílaba tónica, -le- (cf. transcrições fonéticas disponíveis no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, publicado em 2001, e no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, de 2010). Não obstante, entre normativistas mais conservadores, considera-se ou considerava-se (ver Textos Relacionados) que a forma portuguesa é apenas omeleta, pronunciada com e fechado ("omelêta"; cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966, s. v. omeleta), visto ser essa a pronúncia do sufixo -eta noutras palavras (careta, lambreta). Observe-se, porém, que no caso de omeleta tal pronúncia parece hoje rara, de tal modo as outras variantes se consagraram no uso.

Quanto a pastelão, como sinónimo de omelete/omeleta, é um regionalismo, ou seja, do ponto de vista linguístico, é um termo que é típico de uma região de Portugal, mas que neste país não é sentido como vocábulo de uso generalizado.

Pergunta:

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o serviço prestado pelo Ciberdúvidas, ao qual recorro diariamente.

A minha dúvida surgiu na sequência da leitura de algumas respostas quanto ao uso do artigo definido com topónimos. Uma questão com a qual todos os pombalenses se debatem é a de explicar por que razão nos referimos «a Pombal» e não «ao Pombal». Ora, por norma, os nomes de cidades derivados de nomes comuns são precedidos de artigo. O facto de tal não acontecer com o topónimo Pombal poderá estar relacionado com o facto de este derivar do nome mouro "Al-Pall-Omar" e não do substantivo comum pombal, como frequentemente se advoga? Ou trata-se simplesmente de uma excepção à regra?

Muito obrigada!

Resposta:

É com muito gosto que prestamos este serviço.

Não podemos confirmar a etimologia de suposta origem árabe que é apresentada, ao que parece, baseada numa lenda, cuja origem desconhecemos. Na verdade, a forma Al-Pall-Omar afigura-se muito pouco plausível, até porque inclui um segmento fónico que não ocorre no árabe, a consoante [p], visto que nesta língua o repertório fonológico apenas diponibiliza uma bilabial, que é vozeada: é esta a razão para, por exemplo, Beja, de origem latina, mas transmissão árabe, ter um [b] em lugar do [p] da forma original latina, Pace (de Pax Iulia).

A etimologia que se atribui a Pombal – do latim medieval palumbare, o mesmo que pombal – implica que o nome tenha sido usado com artigo definido, porque se trata de substantivo comum. Não temos acesso a fontes que expliquem a razão da perda do artigo definido por parte deste topónimo, pelo menos, no uso local. É possível que, vendo os habitantes de Pombal aumentar a importância da cidade, tenham inconscientemente suprimido o artigo definido, porque existem cidades que o não exibem, em especial, a capital de Portugal, Lisboa (não obstante a chamada «segunda cidade», «o Porto», não o ter perdido).

Pergunta:

Qual a origem da família Chuvas? É portuguesa? Também são encontrados descendentes no Brasil, eu sou um deles. Gostaria de saber tudo o que for possível a respeito do tema.

Grato.

Resposta:

Os apelidos (sobrenomes) Chuvas e Chuva encontram-se registados no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, que considera terem origem numa antiga alcunha (apelido): «Chuva [...] Antiga alcunha. Do substantivo feminino chuva [...]. Chuvas: o Sr. Ismael A. Chuvas, encadernador em Coimbra [...].»

Pergunta:

[A] propósito da definição, produção e percepção de ditongos, [recebi uma resposta vossa, com exemplos, que]* foi assaz taxativa: «Não sabemos de quem diga que não há ditongos em português.» Ora bem, a meu ver, os exemplos que o(a) prezado(a) consultor(a) listou mais não são que evidentes provas da impropriedade lexical que flutua em torno do conceito ditongo, o qual uso deturpado se generalizou. Em abono da verdade, o Dicionário da Língua Portuguesa – sem Acordo Ortográfico da Porto Editora define ditongo como sendo uma «sequência, numa sílaba, formada por uma vogal e uma semivogal». O verbete enciclopédico da Infopédia vai mais longe, afirmando que o vocábulo inglês fire se pronuncia [‘fajE].

Claro que estas afirmações incorrectas só podem vingar numa língua em que não existem verdadeiros ditongos, mas tão-somente combinações de vogal + semivogal. Nesta linha de pensamento, acresce citar duas fontes: uma informal, extraída de um fórum em linha (1), e outra formal, extraída do Précis de phonétique historique, de Noëlle Laborderie (2).

(1) «Ditongos em diferentes línguas? ■ Eu queria tirar uma dúvida: na língua portuguesa, os ditongos são formados pelo encontro de uma vogal + uma semivogal. em [sic] inglês e em outras línguas germânicas, por exemplo, os ditongos, por sua vez, são formados pelo encontro de duas vogais, sendo a mais forte o núcleo silábico. Foneticamente, existe alguma diferença entre os ditongos formados com as semivogais [j] e [w] e as vogais fracas [i] e [u]?»

1. Quer a tradição gramatical quer a investigação linguística aceitam, em níveis de análise mais ou menos abstratos, a existência de ditongos em português, muito embora se considere geralmente que apenas os ditongos decrescentes (vogal + semivogal, ou vogal + glide1, ou ainda vogal dominante + vogal subjuntiva – a terminologia varia) sejam os "verdadeiros" ou os mais estáveis (cf. infra Cunha e Cintra 1984, p. 48). O que se acabou de dizer é confirmado pelas seguintes fontes:

– Celso Cunha e L. F. Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 48: ditongo é o encontro de vogal + semivogal (ditongo decrescente) ou semivogal + vogal (ditongo crescente); ditongos crescentes (instáveis) vs. ditongos decrescentes (estáveis).

– António Emiliano, Fonética do Português Contemporâneo, Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pp. 34-37: os ditongos são «sequências de dois vocóides»; embora aceite a existência de semivogais, este autor considera que estas não participam na constituição dos ditongos.

– Maria Helena Mira Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pp. 993/994: os ditongos são constituídos por vogal + glide (ou semivogal); as glides existem não no nível fonológico, mas, sim, no nível fonético.

Pode ainda verificar que os termos diphtong (inglês) e ditongo são usados, respetivamente, por M.ª Helena Mateus e Ernesto d´Andrade, em The Phonology of Portuguese (Oxford University Press, 2000, p. 18), e Maria João Freitas e Ana Lúcia Santos, em Contar Histórias de Sílabas (Lisboa, Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2001, pp. 41 e 53).