Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Patrícia baixou graciosamente o joelho», graciosamente é modificador do grupo verbal, ou modificador de frase?

Obrigada.

Resposta:

A pergunta tem por horizonte a classificação do Dicionário Terminológico (DT), que se destina a apoiar o ensino da gramática nos níveis básico e secundário do sistema educativo de Portugal. Sendo assim, do ponto de vista sintático, considere-se graciosamente como um modificador do grupo verbal, porque marca informação acessória que altera a predicação associada ao verbo e aos seus complementos («baixou o joelho»). Não se trata de um modificador de frase, visto graciosamente não encerrar uma apreciação global do falante (dúvida/probabilidade e atitude afetiva) relativamente ao valor de verdade do conteúdo da frase (ao contrário de talvez, provavelmente ou infelizmente) ou o enquadramento deste conteúdo num domínio de pensamento ou de atividade (ao contrário de matematicamente, no sentido de «do ponto de vista da matemática»). O que graciosamente diz (sem deixar de envolver uma apreciação) é que a ação referida pela frase se verifica de maneira particular – «com graça» –, sendo compatível com a construção de negação (exemplo 1), com algumas alterações, é certo, e de foco (exemplo 2):

1. «Patrícia baixou o joelho não graciosamente, mas energicamente.»

2. «Foi graciosamente que Patrícia baixou o joelho.»

Nestes exemplos, não é possível a ocorrência de talvez, provavelmente, infelizmente ou matematicamente (neste último caso, a substituição é possível, mas atribuindo um significado equivalente ao de um advérbio de modo, ou seja, «de modo matemático»; o * indica agramaticalidade):

3. *«Patrícia baixou o joelho não talvez/provavelmen...

Pergunta:

Continuo sempre com muitas dúvidas no que diz respeito aos advérbios e às suas (novas) subclasses. Por exemplo, na frase «As guerras afastam aproximadamente 43 milhões de crianças da escola», o advérbio utilizado deverá ser classificado como advérbio de predicado, ou, eventualmente, de quantidade (e grau)?

Obrigada, desde já, pelo vosso esclarecimento.

Resposta:

Pode-se incluir o advérbio aproximadamente na subclasse dos advérbios de quantidade e grau, se aceitarmos o relativamente recente Dicionário Terminológico (DT), conforme a pergunta parece pressupor quando menciona «novas subclasses».

A palavra aproximadamente, tradicionalmente um advérbio de modo, tem um comportamento especial, tal como acontece com outros advérbios em -mente (p. ex., provavelmente). Neste caso, verifica-se que é equivalente ao advérbio quase ou às locuções prepositiva cerca de e perto de, em associação a expressões quantificadoras («aproximadamente/quase/cerca de/perto de 43 milhões de crianças»). Dado algumas gramáticas escolares que aplicam o DT classificarem quase como advérbio de quantidade e grau (cf. Domínio da Gramática Portuguesa, Plátano Editora, 2011, p. 146; Gramática da Língua Portuguesa, Areal Editores, 2009, p. 212), acaba por se afigurar legítimo classificar aproximadamente de maneira igual. Observe-se, porém, que esta classificação não é indiscutível, mesmo à luz do DT.

Pergunta:

Qual o significado ou origem da palavra Bardeiras?

Obrigado.

Resposta:

O topónimo Bardeiras ou Bardeira não tem origem clara.

Nas cartas disponíveis no IgeoE-SIG – Visualizador de Informação Geográfica (Instituto Geográfico do Exército) marca-se o topónimo Bardeiras, bem como Monte da Bardeira, Montalvo da Bardeira e Quintas da Bardeira. É possível que o conjunto destes lugares – na verdade, quintas e montes – constitua «as Bardeiras» (não foi possível confirmá-lo localmente). Refira-se que o nome também se usa ou usou como alcunha e eventualmente apelido (ou sobrenome), conforme regista o Tratado das Alcunhas Alentejanas (Lisboa, Edições Colibri, 2003), que assinala a forma dialetal "Bardêra" (com a monotongação típica dos falares alentejanos), alcunha de um indivíduo que morava no monte das Bardeiras, na freguesia do Vimieiro, no concelho de Arraiolos. Também José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista Bardeira, topónimo associado à denominação de algumas propriedades (Monte Novo da Bardeira, Quinta Nova da Bardeira); o referido autor deixa em aberto a possibilidade de este nome ter origem no substantivo comum albardeira, feminino de albardeiro, «que ou aquele que fabrica ou vende albarda ou albardão ("sela grosseira")» (Dicionário Houaiss). Infere-se, portanto, que Bardeira seja o resultado de expressões como «quinta albardeira», em alusão a alguém com o ofício de albardeiro, ou «quinta da albardeira», referente a parente ou relação do sexo feminino. Note-se, contudo, que esta proposta etimológica deixa por explicar a omissão do elemento árabe q...

Pergunta:

É correcto utilizar apenas a palavra locais (como substantivo) para designar os habitantes de uma zona? Isto é, a expressão inglesa friendly locals pode traduzir-se como «locais amistosos»?

Resposta:

Sente-se ainda como estranho – e, portanto, não se aceita – o uso de locais na aceção de «pessoas que moram num local», porque é claramente um decalque do inglês locals, que tem esse significado. Recomenda-se moradores, «população local», «habitantes locais» (cf. traduções nas páginas do Linguee, apesar de incluírem ocorrências de locais na aceção em apreço). Note-se, porém, que o uso de local como substantivo e sinónimo de lugar está perfeitamente estabelecido na língua portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber se o emprego do verbo distar está correto em frases como a que se segue: «O período que dista entre a entrada de António e o momento atual foi demasiado longo.»

Agradeço a atenção.

Resposta:

O uso em questão não parece reunir consenso, porque o verbo distar, significando genericamente «ficar a (certa distância) de (algo), espacial ou temporalmente» (cf. Dicionário Houaiss), está sobretudo abonado com um complemento1 correspondente à dimensão da distância (que pode ser omitido, ocorrendo apenas um advérbio de quantidade) e um complemento introduzido por preposição (oblíquo), como se pode verificar nos seguintes exemplos:

1. «A entrada do António dista um longo período do momento atual.»

2. «A entrada do António dista muito.»

A frase 1 apresenta um complemento direto («um longo período», que refere a dimensão da distância) e um complemento oblíquo («do momento atual», o ponto em relação ao qual se mede a distância). Em 2, o verbo ocorre intransitivamente, sendo modificado por um advérbio de quantidade (muito).

Regista-se também a possibilidade de uma estrutura de coordenação associar as duas entidades que distam uma da outra, como se exemplifica em 3:

3. «A entrada do António e o momento atual distam entre si um longo período.»

Francisco da Silva Borba, no Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil (São Paulo, Editora UNESP, 1991), dá conta deste comportamento do verbo distar: (confirmado pelo Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, dirigido por J. Malaca Casteleiro, Lisboa, Texto Editora, 2007):

«Constrói-se com sujeito inativo e com complemento da forma de + nome indicativo de lugar e com quantificação ou intensificação da distância. Significa ser ou estar distante ou a certa distância, estar apa...