Pergunta:
Atentemos neste excerto do tratado monumental de Vitrúvio que colige saberes arquitectónicos – « […] si autem natura loci impedierit […].» Traduzi-lo-ia por «mas se a natureza do lugar [o] tiver impedido», substituindo o futuro perfeito do indicativo latino através do futuro perfeito do conjuntivo português. Ora, ao fazê-lo, garanto, por um lado, que a nuance semântica apologética da tentativa se mantém e, por outro, que se respeita o sistema hipotético do português. Devido a este mesmo último entrave, o francês, cioso da dita nuance semântica, poderia traduzi-lo por «mais si la nature du lieu [l’]a empêché», visto que não se pode fazer seguir um futuro a um «si» hipotético. Agora, a tradução bastante recorrente por presente é absolutamente despropositada em português e em francês (a saber: «mas se a natureza do lugar [o] impede»/«mais si la nature du lieu [l’]empêche»).
Pedia um comentário aos meus escritos, com especial enfoque sobre a importância de se salvaguardar a dita nuance semântica.
Resposta:
O tempo verbal em questão, no caso deste passo do famoso tratado de Vitrúvio, não será propriamente o futuro perfeito do indicativo latino, mas, sim, o perfeito do conjuntivo. Se é verdade que o futuro perfeito do indicativo e o perfeito do conjuntivo apresentam formas comuns em todas as pessoas e números, exceto na primeira pessoa do singular, importa não esquecer que o primeiro se utiliza em orações temporais, enquanto o segundo tem maior cabimento em orações condicionais.
Em latim, existem basicamente três tipos de orações condicionais: as de período real (em que a condição é enunciada como real), as de período potencial (em que a condição se considera possível) e as de período irreal (em que a condição se exprime como irreal). No segundo tipo, ou seja, nos casos em que se considera a condição como possível, emprega-se em ambas as orações (ou seja, tanto na principal como na subordinada) o conjuntivo presente ou o perfeito do conjuntivo, embora se possa usar igualmente o futuro do indicativo na oração principal.
Nestas orações condicionais de período potencial, a utilização do perfeito do conjuntivo em vez do conjuntivo presente comporta, de facto, pelo menos em termos teóricos, certo matiz semântico, pois o perfeito do conjuntivo, além de enunciar a condição como possível, indica que se trata de um facto que alguma vez há de ser passado. No entanto, em ambos os casos, ou seja, quer se empregue o conjuntivo presente ou o perfeito do conjuntivo em latim, a tradução usual e recomendada em português socorre-se do futuro imperfeito do conjuntivo. Sendo assim, a tradução correta de «si autem natura loci impedierit» será «mas se a natureza do local (o) impedir». A tradução manter-se-ia, caso Vitrúvio tivesse usado o conjuntivo presente («si autem natura loci impediat»).
Poderia eventualmente pensar-se no recurso à conjugação per...