Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Eça partiu para o Egito em 23 de outubro de 1869 para assistir à inauguração do Canal de Suez e regressou a Lisboa em 3 de janeiro de 1870», a expressão «... a Lisboa...» desempenha que função sintática?

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de um complemento oblíquo.

O verbo regressar é um verbo transitivo, cujo complemento oblíquo não tem realização obrigatória, à semelhança do que acontece com «[...] verbos que denotam movimento direcional, como chegar, entrar, partir ou sair, que podem ser usados sem o seu complemento locativo: cf. a Maria finalmente chegou (vs. a Maria finalmente chegou a casa [...])» (Gramática de Português, da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1163; cf. também idem, p. 1197).

Pergunta:

Diz-se «as regras existem para ser cumpridas», ou «para serem cumpridas»? Porquê?

Obrigada!

Resposta:

As duas frases estão corretas.

A Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, 2013, pp. 2012/2013), assinala que, «[n]as orações finais infinitivas, [...] quando os sujeitos têm a mesma referência e o sujeito não é foneticamente realizado, pode encontrar-se quer o infinitivo flexionado (com um sujeito pronominal nulo), quer o não flexionado (com um sujeito implícito), como se ilustra em (116): [...]

(116) a. Chegámos cedo para arranjarmos lugares nas filas da frente.

        b. Chegámos mais cedo para arranjar lugares nas filas da frente

Pergunta:

Diz-se caloriar, ou transpirar?

Resposta:

O verbo em questão tem a grafia calorear e é usado no português de Angola com o significado de «estar com muito calor, suar» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, na Infopédia). Trata-se de um neologismo do português angolano (cf. ibidem), o qual corresponde a suar ou transpirar nos outros países de língua portuguesa.

Pergunta:

É correto dizer «jogar para o lixo» ou «jogar no lixo» em português europeu?

Resposta:

No português europeu, não é incorreto usar jogar («jogar para/no lixo»)1 como sinónimo de deitar («deitar para/no lixo»). Note, no entanto, que esse uso é sobretudo regional (frequente, por exemplo, no Sul). Em textos utilitários, nos quais se deve usar um tipo de linguagem mais padronizado, aconselha-se deitar. Por exemplo, numa campanha de sensibilização promovida por uma entidade pública e dirigida a todo o país, será mais adequado ou menos marcado regionalmente empregar o verbo deitar: «Deite o lixo nos contentores.»

1 No português do Brasil, parece haver preferência por «jogar em», equivalente a «deitar em», que é típico da língua-padrão de Portugal. Note-se ainda que «deitar fora», expressão usada na variedade europeia, corresponde a «jogar fora» entre falantes brasileiros (cf. s.v. jogar, Dicionário Houiass e Dicionário UNESP do Português Contemporâneo).

Pergunta:

Qual destas frases utiliza a forma correcta?

A) «Para lá talvez caminhemos, sonâmbulos, a passos de caranguejo.»

B) «Para lá talvez caminhemos, sonâmbulos, em passos de caranguejo.»

Existe alguma diferença entre as duas formas? Se existe, qual o significado de cada uma delas?

NOTA: O «para lá» refere-se ao Portugal pré-1974, a propósito de umas fotografias que o fotógrafo Alfredo Cunha acaba de partilhar no Facebook.

Resposta:

A expressão tradicional (ou seja, fixa) é «a passo de caranguejo», com a preposição a. Existe também «a passos largos» («rapidamente»), incluindo a mesma preposição. De uma maneira ou de outra, se a frase apresentada pretende basear-se nestas expressões fixas, afigura-se como formulação mais adequada a que apresenta a preposição a: «a passos de caranguejo...».